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A responsabilidade pelo passivo superveniente

Como supra se referiu, os liquidatários têm o dever de liquidar o passivo social. No entanto, pode suceder que, com ou sem culpa dos liquidatários os credores não vejam os seus créditos satisfeitos104 e, consequentemente, os sócios recebam na partilha importâncias indevidas que, supostamente, se destinavam ao pagamento desses créditos105. Seria descabido que, com a extinção da sociedade, os credores deixassem de ter direito aos seus créditos. Se assim fosse, os sócios poderiam utilizar a liquidação como meio de escape a alguns créditos das sociedades.

Neste sentido, e como mecanismo de protecção dos credores, o legislador consagrou a responsabilidade dos sócios pelo passivo não satisfeito ou acautelado (art. 163.º). Os sócios sucedem na titularidade da relação jurídica, embora como veremos adiante, de âmbito limitado.

Os liquidatários são representantes legais dos sócios nas acções de responsabilidade pelo passivo superveniente e não podem renunciar às suas funções (arts. 163.º, n.º 2 e n.º 5). Contudo, em caso de morte ou incapacidade seguir-se-á a ordem estabelecida no n.º 5 para se apurar os representantes da sociedade.

Os antigos sócios são responsáveis pelo passivo da sociedade mas o art. 163.º, n.º 1 estabelece como limite o montante que receberam na partilha, salvo o disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada. Estes sócios além de responderem pelo valor das suas entradas, responde pelas obrigações sociais (cfr. art. 175.º) portanto estes sócios podem ser responsabilizados para além do que receberam na partilha.

A lei estabeleceu como limite da responsabilidade dos sócios o montante que cada um recebeu na partilha. Ainda que a lei tenha protegido os credores por estabelecer a

104 Sobre a responsabilidade dos liquidatários v. 3.3.3. 105

Como n. VENTUA, R. (2011), p. 480, os sócios têm direito ao saldo de liquidação distribuído pela partilha mas, se houverem recebido mais do que o era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora, à custa do que receberam.

40 responsabilidade dos sócios pelo passivo social, ao impor como limite o montante que os sócios receberam na partilha, verifica-se que, se dívida dos credores for superior ao valor que os sócios receberam na partilha, parte dela ficará por satisfazer.

Se a partilha tiver sido feita em dinheiro esse é o limite pelo qual os sócios respondem. Porém, se a partilha tiver sido feita em espécie, para apurar o montante tem de determinar o valor desses bens.

A responsabilidade dos sócios é pessoal106 e de natureza solidária, ou seja, o sócio que tiver satisfeito o direito dos credores tem direito de regresso contra os outros (cfr. art. 542.º CCiv.). A parte final do art. 163.º, n.º 3 determina que o direito de regresso deve ser executado de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e perdas, desta forma, se o credor demandar um sócio em proporção superior ao que recebeu na partilha, este não pode recusar a proceder ao pagamento ao sócio porquanto, depois terá direito de regresso contra os outros sócios.

O credor pode demandar apenas um ou alguns dos sócios (art. 163.º, n.º 1) ou, de acordo com o n.º 2, podem as acções ser propostas contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário107. Os liquidatários devem dar conhecimento da acção aos antigos sócios (art. 163.º, n.º 4). Se os liquidatários actuam como representantes da generalidade dos sócios, considera-se que, para estes efeitos esta generalidade é dotada de personalidade judiciária, podendo, de acordo com o art. 5.º do CPCiv. ser parte em acções108. Confere-se a personalidade judiciária da generalidade dos sócios, na medida em que, qualquer sócio pode intervir constituindo-se assistente atendendo o seu interesse jurídico (art. 163.º, n.º2 e art. 335.º CPCiv.).

De acordo com a parte final do n.º 2 do art. 163.º, a sentença proferida contra a generalidade dos sócios constitui caso julgado para cada sócio individualmente porém, se algum sócio se constituiu assistente a sentença pode não proferir caso julgado contra ele se

106 V. Ac. TRP de 16/05/2011, disponível na CJ, ano XXXVI, III, 2011, p.177-180, que declara que embora a responsabilidade dos sócios seja, nesta altura pessoal, não se trata de argumento da respectiva responsabilidade pessoal, mas de assumir a responsabilidade da sociedade, em sua substituição e à custa de bens que a esta pertenciam e que foram, entretanto partilhados.

107 RAÚL VENTUA, p.487, nota que a solução consagrada no art. 163.º, n.º 2, “consiste em “despersonalizar” os sócios […] admitindo a propositura de acções contra a “generalidade” deles e ao mesmo tempo atribuir aos liquidatários a representação dessa generalidade”.

41 alegar e provar que quando interveio o estado do processo ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso ou alegações que pudessem influenciar a decisão ou se mostrar que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova susceptíveis de influenciar na decisão, demonstrando que, com culpa ou negligência grave, o assistido não se socorreu delas (crf. art. 341.º do CPCiv.).

Relativamente à prova dos factos alegados pelo credor no momento da propositura da acção para responsabilizar os sócios pelo passivo insatisfeito, consideramos que, de acordo com o art. 342.º, n.º 1 do CCiv. o credor apenas está obrigado a provar o seu direito sobre a sociedade, cabendo aos sócios provar, nos termos do art. 342.º, n.º 2 do CCiv. que da liquidação da sociedade não resultou qualquer saldo ou não resultou saldo suficiente para satisfazer o crédito peticionado109.

Os direitos dos credores exercíveis contra os antigos sócios nos termos do art. 163.º prescrevem no prazo de cinco anos a contar do registo da extinção da sociedade (art. 174.º, n.º 3).

109 Neste sentido v. Ac. TRL de 15/03/2011, disponível em www.dgsi.pt, estabelecendo que o facto de os sócios não demonstrarem que nada receberem em resultado da liquidação da sociedade, não impede a sua condenação.

Contudo, em sentido contrário, o Ac. TRG de 18/01/2011, disponível em www.dgsi.pt, determina que a declaração, pelos sócios, na acta de dissolução e liquidação, de que a sociedade não tem activo, nem passivo, não existindo bens a partilhar, não vincula os credores sociais, qualquer que seja o seu suporte documental, cabendo a estes demonstrar que a sociedade tinha bens e que os partilhou entre os sócios, prejudicando a satisfação do seu crédito.

CUNHA, P. (2012), p. 950, entende, em sentido diverso, que o credor deve demonstrar que a sociedade tinha bens e que os partilhou entre os sócios, prejudicando a satisfação do seu crédito. Discordamos desta posição visto que é exigido ao credor uma prova que supõe o conhecimento da situação económica da sociedade que ele, muito dificilmente terá acesso.

V. ainda o Ac. TRL de 27/03/2012, disponível em www.dgsi.pt, que determina que, A prova do recebimento de bens por parte dos sócios da sociedade que foi liquidada e extinta é demonstrada, antes de mais, pelos instrumentos legais a que se reportam os arts. 149.º, 155.º e 157.º do C.S.C. Se a credora discordar do que consta em tais documentos deve fazer prova da partilha de bens pelos sócios, em ordem a lograr a continuação da acção contra eles, que respondem nos limites do art.º 163.º, n.º 1, do C. S. C.

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