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A retórica clássica, a herança humanística e a contribuição portuguesa no

Imagem, fala e escrita são formas de comunicação complementares e não excludentes presentes em praticamente todas as sociedades. Todavia, durante o Oitocentos acreditou-se na associação entre modernidade e preeminência da escrita – em detrimento dos atos de ver e ouvir – e, mais do que isso, asseverou-se ser o homem moderno um homo tipographicus por excelência.

Tal percepção, por sua vez, estava ligada à ideia de que o uso da escrita era expressão da racionalidade do homem moderno, então concebido em oposição ao homem medieval, que, ao contrário, teria elegido e privilegiado as formas de expressão icônico-visual e/ou oral. Daí derivaram o binômio racionalidade-escrita, associado à modernidade, e o irracionalidade-visualidade/oralidade, associado à Idade Média.

De cunho historicista, esse entendimento da história da Europa como passível de ser dividida em duas “civilizações” – uma leiga, douta e escritófila; outra católica, iletrada e imersa em imagens e sermões – tem sido, porém, questionado nas últimas décadas43, tendo em vista a constatação das altas taxas de analfabetismo, da grande veiculação de imagens impressas e do desenvolvimento da parenética que caracterizaram a época moderna.

De fato, os mais recentes estudos sobre a cultura escrita têm demonstrado que nesse período as formas de comunicação verbal, oral e visual coexistiram, conviveram e, por vezes, se complementaram44, sendo utilizadas com bastante fluidez ao longo de toda a Idade Moderna. A emblemática merece destaque nesse contexto por ser um tipo de linguagem simbólica em que os elementos textual e visual estão intrinsecamente ligados, completando-se e fundindo-se a fim de comunicar.

Imagens, sermões, textos de temáticas as mais variadas: tudo servia ao intento de fazer-se entender. Elegia-se, segundo Fernando Bouza, a forma de expressão mais adequada

43 Entre os estudos revisionistas destacam-se os de Fernando Jesús Bouza Álvarez: ÁLVAREZ, Fernando Jesús

Bouza. Del escribano a la biblioteca: La civilización escrita europea en la alta Edad Moderna (Siglos

XV-XVII). Madrid: Editorial Síntesis, 1997, (p. 23-9); ______. Comunicación, conocimiento y memoria en la España de los siglos XVI y XVII. Salamanca: Seminario de Estudios Medievales y Renacentistas (SEMYR) –

Sociedad Española de Historia del Libro, Sociedad de Estudios Medievales y Renacentistas, 1999, (p. 15-39); ______. Palabra e imagen en la Corte: cultura oral y visual de la nobleza en el Siglo de Oro. Madrid: Abada Editores, 2003.

44 Nos referimos aqui, a título de exemplo, além do caso da emblemática, ao dos catecismos ilustrados, ao dos livros destinados aos pregadores com indicações do momento em que determinadas imagens deveriam ser mostradas e à prática propriamente dita de mostrar imagens durante o sermão, imagens que o acompanhavam e o complementavam.

ao intento que almejava-se alcançar45. Tal “diglossia cultural”46

que caracterizava o período moderno, no entanto, não implicava uma eleição indiscriminada da forma de transmitir saberes e ideias. Muito se discutia, então, acerca das vias expressivas. Discussões essas que se davam no campo de uma longeva disciplina dedicada ao estudo da linguagem e que, como ocorreu com tantos outros elementos advindos da tradição clássica, recebeu novo vigor na época moderna: a retórica.

É de fundamental importância, portanto, tratarmos da retórica difundida pela Companhia de Jesus47, herdeira do movimento humanista no que tange ao resgate da cultura

45 Segundo Bouza, apenas a minoria letrada “anfíbia” podia realmente optar por qualquer uma dessas maneiras de comunicação. No entanto, mesmo aqueles que não dominavam as técnicas lecto-escritoras podiam participar do mundo da escrita através da mediação dos “hombres de pluma”. ÁLVAREZ, Fernando Jesús Bouza. Del

escribano a la biblioteca... op. cit., (p. 10, 25-9).

46 Termo adotado por Bouza: Idem, p. 28.

47 O sistema educacional jesuítico vem sendo estudado há muito. Para citar alguns: SCHIMBERG, André.

L’éducation morale dans les collèges de la Compagnie de Jésus en France sous l’Ancien Régime (XVIe, XVIIe, XVIIIe siècles). Paris: H. Champion, 1913; HERMAN, Jean Baptiste. La pédagogie des jésuites au seizième siècle. Ses sources, ses caractéristiques. Louvain: Bureaux du recueil (UCL), 1914; Paris: A. Picar,

1914; CHARMOT, François. La pédagogie des jésuites. Ses príncipes. Son actualité. Paris: Aux Editions Spes, 1943. Filiados a uma vertente historiográfica que, sobretudo na década de 1970, renovou a reflexão sobre a história da retórica, encontram-se os trabalhos de François de Dainville, Gabriel Codina Mir e Aldo Scaglione: DAINVILLE, François de. La géographie des humanistes. Gèneve: Éditions Slatkine, 2011 [Tese em Geografia sob orientação do Prof. Jules Sion, 1939]; ______. La naissance de l’humanisme moderne. Paris: Éditions de Minuit, 1940; ______. L’éducation des jésuites (XVIe-XVIIIe siècles). Textes réunis et présentés

par Marie-Madeleine Compère. Service d‟histoire de l‟éducation (I.N.R.P.). Ouvrage réalisé par l‟institut national de recherche pédagogique. Paris: Les editions de Minuit, 1978; MIR, Gabriel Codina. Aux sources de

la pédagogie des jésuites: Le ―Modus parisiensis‖. Roma: Institutum Historicum Societatis Jesu, 1978;

SCAGLIONE, Aldo. The liberal arts and the jesuit college system. Amsterdam, Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1986. Influenciado por estudos de filólogos e escritores que desde a década de 1930 advogavam em favor do retorno à esquecida arte retórica, como os de Erwin Panofsky, Jean Paulhan e Yvon Belaval, esse movimento deu-se na contracorrente das concepções estruturalistas, a partir da defesa do retorno ao estudo da retórica pré-cartesiana em detrimento de uma “pseudorretórica” manipuladora e desconstrucionista voltada para o discurso em si mesmo. Vd. PANOFSKY, Erwin. Idea: a evolução do conceito de belo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013 [1924]; PAULHAN, Jean. Les fleurs de Tarbes. Paris: Gallimard, 1942; BELAVAL, Yvon. Digressions sur la rhétorique. Paris: Ramsay, 1988 [1950]. Autores como Eugenio Garin, Cesare Vasoli e Marc Fumaroli passaram assim a propor uma abordagem da retórica enquanto uma disciplina fundamentada nos preceitos contidos nos escritos de Aristóteles, Cícero e Quintiliano e não simplesmente como uma herança antiga que deve ser recordada. Vd. GARIN, Eugenio. Discussões sobre a retórica. In:______. Idade

Média e Renascimento. Lisboa: Estampa, 1989 [1954], p. 111-29; VASOLI, Cesare. La dialletica e la retorica dell’Umanesimo. ―Invenzione‖ e ―Método‖ nella cultura del XV e XVI secolo. Milano: Feltrinelli, 1968;

FUMAROLI, Marc. L’âge de l’éloquence et res literaria de la Renaissance au seuil de l’âge classique. Genève: Droz, 1980. Devolve-se à retórica o caráter de imprescindibilidade para a releitura e compreensão da história da cultura europeia da época moderna, período em que essa arte era considerada por excelência a pedagogia da palavra. FUMAROLI, Marc. Retorica. In: Enciclopedia Italiana. V Appendice (1994), s/p.

Disponível em:

http://www.treccani.it/enciclopedia/retorica_res-0ba529b7-87eb-11dc-8e9d-0016357eee51_(Enciclopedia_Italiana)/. Acesso em 03/06/2015. Assim como Fumaroli, Belmiro Pereira faz um balanço sobre a história da retórica, apontando para um “renascimento da retórica” a partir da década de 1970 na Europa e afirma que nos últimos trinta anos tem se propagado uma “pandemia retórica”. Vd. PEREIRA, Belmiro Fernandes. Renascimentos da arte retórica e globalização. In: SOARES, Nair Castro; MIRANDA, Margarida; URBANO, Carlota Miranda (coords.). Homo eloqvens homo politicvs. A retórica e a construção da cidade na

Idade Média e no Renascimento. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2011, p. 17-41, (p.

29-30); PEREIRA, Belmiro Fernandes. Retórica e eloquência em Portugal na época do Renascimento. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012, (p. 23-31). Dentre os trabalhos que nas últimas décadas têm sido produzidos no contexto desse novo viés historiográfico, também nos afiliamos – para além daqueles que

clássica – perceptível sobretudo nos studia humanitatis – para que possamos melhor compreender a emblemática jesuítica como forma simbólica de linguagem que, como tal, tem a finalidade de transmitir uma mensagem, seja ela de cunho moralizante, cristão ou político, ensinando e persuadindo o público ao qual se destinava.

1. 1. A retórica clássica e os studia humanitatis nos colégios da Companhia de Jesus

Não entendemos aqui a retórica apenas como uma técnica literária, mas sim como a disciplina que compunha o sistema de ensino baseado nas sete artes liberais que a Idade Média herdou da Antiguidade48. Disciplina cuja retomada encontrava-se no centro do projeto educacional humanista49.

A tradução latina da Retórica de Aristóteles no final do século XIII50 e a descoberta do De inventione e do De oratore de Cícero e do texto integral da Institutio oratoria de Quintiliano51 no início do século XV foram fundamentais para a retomada dos estudos sobre

exploram o caráter humanístico da pedagogia jesuítica – ao estudo de Rensselaer Lee (LEE, Rensselaer. Ut

pictura poesis: the humanistic theory of painting. New York: W. W. Norton & Co. Inc., 1967), responsável

por estender às artes plásticas o debate incitado por Cesare Vasoli e por Basile Munteano, tendo sido este último o primeiro a pôr em evidência a importância dessa arte da persuasão para o estudo da literatura dos séculos XVII e XVIII (MUNTEANO, Basile. Constantes dialectiques en littérature et en histoire. Paris: Klincksieck, 1967). O ponto de partida usado por Lee para conduzir o debate sobre a retórica ao campo das artes visuais foi a máxima horaciana do ut pictura poesis, aproximação entre imagem e texto feita no âmbito dessa disciplina. Vd. FUMAROLI, Marc. Retorica... op. cit., s/p.

48

O esquema das sete artes liberais que dividia os conteúdos de ensino entre as disciplinas do trivium (gramática, retórica e dialética) e do quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia) foi elaborado durante a Antiguidade Tardia e difundiu-se no Ocidente medieval através dos escritos de autores como Marciano Capella, Cassiodoro e Isidoro de Sevilha. A partir desse esquema foram elaboradas, no século XII, novas classificações para os novos saberes. As artes liberais manteriam seu valor modelar ainda em época moderna, como revelam as discussões acerca do estatuto das artes plásticas e a organização dos conteúdos de ensino das escolas superiores. 49 Para uma compreensão das novidades introduzidas pelas críticas humanísticas à tradição escolástica dos séculos XIV e XV, vd. VASOLI, Cesare. La tradizione scolastica e le novità filosofiche umanistiche del tardo Trecento e del Quattrocento. In: ______. Le filosofie del Rinascimento. Milano: Bruno Mondadori, 2002, p. 113-32.

50 Nesse século, diante de novas exigências intelectuais, como a necessidade do ensino de latim e de retórica nas universidades, houve um crescimento na busca por textos latinos, o que levou tanto a uma produção de compêndios de retórica de caráter eminentemente didático quanto a um movimento de tradução das obras gregas acerca dessa disciplina. Foi nesse contexto que o dominicano francês Guillaume de Moerbecke (1215-1286) se dedicou à tradução de obras de Aristóteles, entre elas a Retórica. Esse tratado foi o primeiro a proporcionar uma grande sistematização teórica dos preceitos da retórica, com vista a reabilitá-la diante da filosofia. A Retórica de Aristóteles seria, a partir de sua tradução latina, o principal texto de referência acerca dessa disciplina que, de acordo com o Estagirita, visava persuadir o público, finalidade que poderia ser alcançada, segundo ele, por meio de três tipos de discurso – judiciário, epidítico ou deliberativo. Nessa obra, o comportamento moral (éthos) daquele que profere o discurso e as emoções que o mesmo deve provocar no público que o ouve (páthos) aparecem interligados. Vd. CORNO, Dario. Retorica. In: Enciclopedia dell’Italiano (2011), s/p. Disponível em: http://www.treccani.it/enciclopedia/retorica_(Enciclopedia-dell'Italiano)/. Acesso em 04/03/2014.

51 A difusão da cultura grega no mundo ocidental, sobretudo em Roma, a partir do século II a.C. implicou na adoção da retórica, principalmente como prática educativa. De fato, inúmeros cursos de retórica foram abertos nas cidades mais importantes, nos quais eram examinadas as obras dos maiores escritores a fim de analisar suas técnicas de composição. No século I a.C. propaga-se uma tratadística acerca dessa disciplina, no âmbito da qual

retórica no renascimento, período no qual esses textos foram bastante difundidos e largamente adotados.

De acordo com o esquema retórico clássico, ao tratar de um tema, o orador deveria escolher os argumentos, dispô-los ordenadamente, eleger as palavras convenientes para expressá-los da melhor forma, memorizá-los e, por fim, proferi-los com gestos e voz apropriados52. Essas cinco ações correspondem respectivamente às cinco partes da retórica clássica – inventio, dispositio, elocutio, memoria e pronuntiatio –, divisão perpetuada por Cícero em seu tratado De inventione53.

No início da época moderna o que vemos, portanto, é uma retomada da retórica – entendida aqui no sentido lato herdado da retórica clássica – como máquina discursiva capaz de gerar por meio da combinação (ars combinatoria) todo tipo de discurso54. Esse retorno ao estudo da retórica, cuja necessidade foi propagada pelos humanistas, foi adotado pela Companhia de Jesus com o ensino dos studia humanitatis nos colégios jesuíticos, nos quais se estudava primeiro a retórica e depois a dialética.

Desde a criação das primeiras instituições de ensino dessa Ordem religiosa no século XVI os preceitos educacionais humanísticos estiveram presentes, ainda que combinados com elementos da tradição escolástica55. Combinação essa que reflete a formação recebida pelos primeiros jesuítas56.

Foi em seu percurso formativo que Inácio de Loyola entrou em contato com o humanismo renascentista, sobretudo através do modus parisiensis57, que seria adotado nos futuros colégios da Companhia de Jesus. A primeira relação travada com essa maneira parisiense pelo fundador da Ordem jesuítica – bem como a de alguns de seus primeiros

se encontram as obras de Cícero e de Quintiliano. O De inventione, ou Primeira Retórica, escrito aproximadamente em 85 a.C., foi o primeiro texto de Cícero acerca dessa disciplina por ele considerada uma “ciência política” (De inventione, I, 6). A Rhetorica ad Herennium (86-82 a.C.), considerada a Segunda Retórica de Cícero até a segunda metade do século XV, por sua vez, era um manual de ensino da comunicação sobretudo oral que tratava particularmente das técnicas adequadas para dotar o estilo de clareza e elegância. No final do século I da era cristã Quintiliano escreveu a Institutio oratoria, obra dedicada ao ensino da retórica e destinada aformar “perfeitos oradores”, que, apesar de dizer respeito sobretudo ao gênero judiciário, fez as vezes de elemento de ligação entre a tradição retórica grega e as exigências da sociedade latina, fixando o modelo daquilo que hoje conhecemos como retórica clássica. Vd. CORNO, Dario. Retorica... op. cit., s/p.

52 Idem. 53

Nessa obra Cícero expôs a divisão da retórica em cinco partes, detendo-se na primeira delas, a inventio. Apenas cerca de trinta anos depois, no De oratore, ele trataria de todas as componentes da arte retórica.

54 CORNO, Dario. Retorica... op. cit., s/p. 55

Vd. O‟MALLEY, John W. Os primeiros jesuítas. São Leopoldo, RS: Editora UNISINOS; Bauru, SP: EDUSC, 2004, (p. 18, 24, 34-5).

56 Os nove companheiros de Inácio de Loyola, associados em Paris entre 1528 e 1536 foram os espanhóis Francisco Xavier, Diego Laínez, Nicolás Bobadilla e Alfonso Salmerón, o português Simão Rodrigues e os franceses Pierre Favre, Claude Le Jay, Paschase Bröet e Jean Codure. Idem, p. 27.

57 Entende-se por modus parisiensis as formas de ação, os princípios e as normas pedagógicas que regravam as instituições de ensino da cidade de Paris.

companheiros – ocorreu fora da França, em seus estudos na Universidade de Alcalá de Henares58, cujo programa era influenciado pelo da Universidade de Paris.

A predominância da preocupação com a lógica seria sentida nessa tradicional instituição parisiense de ensino superior até o advento do humanismo59. A retórica passou pelo mesmo processo que a gramática: a ela não foi dispensada, primeiramente, uma grande atenção, ocupando por muito tempo lugar subsidiário no ensino, mas em meio aos influxos do movimento humanista recebeu novo vigor, passando a receber destaque no programa dos colégios60.

Assim, as disciplinas literárias ligadas à retórica que no período medieval, em que predominavam a lógica e a teologia, ocuparam posição secundária nos programas de estudo franceses, relegadas apenas às aulas de caráter extraordinário ou figurando como acessórias da filosofia, configuraram, no século XVI, um novo ramo de conhecimento: os studia humanitatis61. A gramática, a retórica e o estudo das línguas antigas faziam parte do ciclo de letras humanas62.

58

Aqui faço referência a Diego Laínez, Alfonso Salmerón e Nicolás Bobadilla. Também estudou nessa Universidade Martín Olave, Diego de Ledesma e o proeminente Jéronimo Nadal, do qual ainda trataremos. Vd. O‟MALLEY, John W. Os primeiros jesuítas... op. cit., p. 31, 50, 55-6; MIR, Gabriel Codina. Aux sources de

la pédagogie des jésuites... op. cit., p. 15. Inácio de Loyola, após estudar gramática latina durante dois anos na

escola do mestre Jerónimo Ardévol, matriculou-se, em 1526, no curso de artes ou filosofia da Universidade de Alcalá. RODRIGUES, Francisco. História da Companhia de Jesus... op. cit., t. I, vol. I, p. 23. Gabriel Codina Mir aponta para a importância de não exagerar a influência exercida pelo método parisiense nos colégios da Companhia de Jesus. Apesar de seu inegável papel, a maneira de Paris não foi adotada sem concessões e nisso teve parte a formação dos primeiros jesuítas na Universidade de Alcalá. Nessa instituição entrevia-se, além da influência parisiense, a tradição espanhola. À diferença da Universidade de Alcalá, nas universidades da Espanha, principalmente na Universidade de Salamanca, o mais comum era a adoção do modelo bolonhês, em detrimento do parisiense. Vd. MIR, Gabriel Codina. Aux sources de la pédagogie des jésuites... op. cit., p. 18 (nota 17), 49. John O‟Malley também aponta para uma transcendência, por parte da Companhia de Jesus, daquilo que se compreende por modus parisiensis: O‟MALLEY, John W. Os primeiros jesuítas... op. cit., p. 335-51 (p. 340-1).

59

MIR, Gabriel Codina. Aux sources de la pédagogie des jésuites... op. cit., p. 75-6. O debate em torno da relação entre a retórica e a dialética é bastante longevo. A retórica clássica que surgiu para fazer frente aos áridos silogismos da lógica foi posteriormente questionada acerca de suas competências, tendo sido considerada por muitos – com destaque para o pensamento de Pierre de la Ramée (1515-1572) – puramente uma teoria do estilo, um ornato, à qual competia apenas a memoria, a pronuntiatio e, sobretudo, a elocutio. A inventio e a dispositio, por sua vez, em época moderna foram, de acordo com essa perspectiva, consideradas competências da dialética, disciplina vista como a via adequada para a discussão de temas filosóficos. Vd. CORNO, Dario. Retorica... op.

cit., s/p. Para o aprofundamento dessa questão vejam-se os estudos de VASOLI, Cesare. I tentativi umanistici

cinquecenteschi di un nuovo “ordine” del sapere. In: ______. Le filosofie del Rinascimento... op. cit., p. 398-415; GARIN, Eugenio. Discussões sobre a retórica... op. cit.; MARGOLIN, Jean-Claude. L‟apogée de la rhétorique humaniste (1500-1536). In: FUMAROLI, Marc (dir.). Histoire de la rhétorique dans l’Europe

moderne (1450-1950). Paris: Presses Universitaires de France, 1999, p. 191-257.

60

MIR, Gabriel Codina. Aux sources de la pédagogie des jésuites... op. cit., p. 77. 61

Idem, p. 82-3.

62 Idem, p. 73. Inácio de Loyola incluía nas “letras humanas” a gramática, a retórica, a poesia e a história. Ele expressou-se sobre esse tema ao escrever as Constituições da Companhia de Jesus, documento regulador aprovado em 1551 pelos seus primeiros companheiros e por experientes professos da Companhia e divulgado pelo jesuíta Jerónimo Nadal a partir do ano seguinte – em Portugal no ano de 1553 –, publicado em Roma em 1558 e enviado a todas as províncias da Ordem jesuítica em 1559. Foram feitos aperfeiçoamentos até a edição

Assim, quando Inácio de Loyola estudou no Colégio Santa Bárbara da Universidade de Paris, cidade na qual permaneceu entre os anos de 1528 e 153563 e onde conheceu alguns daqueles que seriam seus primeiros companheiros64, ele recebeu uma educação cujo programa havia sido influenciado pelo movimento humanista e que transplantaria, em parte, para os colégios da Ordem jesuítica.

Apesar desse afluxo de concepções humanistas, é importante ter em mente que a escolástica também estava na base do modus parisiensis65, sobretudo em relação ao método. O advento do humanismo no século XVI agregou novas concepções, mas não suplantou totalmente as já existentes. Assim, no método de ensino adotado em Paris e, consequentemente, nos colégios jesuíticos, vislumbrava-se, como já mencionado, uma mescla entre a tradição escolástica medieval e as novas concepções humanísticas. São comuns a essas instituições de ensino – colégios parisienses e colégios jesuíticos –, por exemplo, exercícios e

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