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Capítulo IV – Aparelho psíquico e teoria pulsional na segunda tópica freudiana

1) A revisão da teoria das pulsões em “Além do princípio do prazer”

É surpreendente que alguns leitores de Freud tenham encontrado, em “Além do Princípio do Prazer”, um desvio da teoria freudiana em direção à filosofia. Mezan (1991), por exemplo, afirma que, com o conceito de pulsão de morte, a dimensão especulativa se introduz na psicanálise, que até então havia pretendido ser uma ciência. E quando fala em especulação, fica claro que ele se refere à filosofia. Monzani (1989) menciona outros exemplos desse tipo de leitura. Isso é surpreendente, entre outros motivos, porque Freud alerta explicitamente o leitor contra esse tipo de interpretação. No quarto capítulo desse texto, após formular a hipótese de que o esforço por restabelecer um estado anterior seria uma característica universal das pulsões, ele diz que seguirá até as últimas conseqüências essa hipótese antes de prosseguir e, então, nos adverte de que, mesmo que possa passar tal impressão, ele não tem nenhuma pretensão de abordar algo místico ou “profundo”:

“Não importa se o que disto resulte, tenha ar de “profundo” ou soe algo místico; por nossa parte, sabemo-nos bem livres da reprovação de buscar semelhante coisa. Pretendemos alcançar os sóbrios resultados da

investigação ou da reflexão baseada nela, e desejamos que esses resultados não tenham outro caráter que o da certeza.”1

Nas últimas páginas do texto em questão, Freud afirma:

“Poderiam me perguntar se estou convencido das hipóteses aqui desenvolvidas, e até onde o estou. Minha resposta seria: nem eu estou convencido, nem peço aos demais que creiam nelas. Parece-me que nada tem a fazer aqui o fator afetivo do convencimento. É plenamente lícito se entregar a uma argumentação, persegui-la até onde leve, só por curiosidade científica”.2

Adiante, ele observa que só a combinação entre o fático e o meramente cogitado permitirão dar continuidade a suas investigações: é a mesma concepção de ciência apresentada em “Pulsões e seus destinos” que está sendo sustentada em “Além do princípio do prazer”. Na introdução de “Pulsões e seus destinos” (1915), como vimos, Freud argumentara que os conceitos básicos da ciência comportam, a princípio, certo grau de indeterminação e que sua validade é garantida pela remissão ao material empírico e pela adequação aos fatos observados. Com o avanço da investigação, esses conceitos vão sendo delimitados com maior exatidão, o que não significa que eles permaneçam inalteráveis, uma vez que todo conhecimento científico está sempre sujeito a modificações. Fica claro então que, para Freud, a ciência não exclui a especulação teórica; ao contrário, ela não pode prescindir dela.

Prevendo, então, que talvez alguns leitores tendessem a ver algo de “profundo” nas suas especulações, que pudesse escapar à sua pretensão científica, Freud chama a atenção do leitor contra tal interpretação. Mas, mesmo que essa advertência passasse despercebida, a remissão constante de Freud aos dados da biologia revela sua preocupação em encontrar um apoio científico para suas hipóteses.

O texto “Além do princípio do prazer” está repleto de questões biológicas. O tempo todo Freud busca na biologia dados que auxiliem e fundamentem suas hipóteses.

1AE, vol.18, p.37; SA, vol. 3, p.247 2AE, vol.18, p.57; SA, vol. 3, p.267

Lembremos que, no “Projeto de uma psicologia”, ele já havia feito o mesmo e que, em outros momentos, já havia afirmado que é a biologia quem poderia elucidar a questão das pulsões. As remissões de Freud à filosofia, nesse texto de 1920, sempre são feitas com certo cuidado. Ele faz questão de deixar claro, ao mencionar certas concepções filosóficas, que não está as colocando no mesmo nível daquelas obtidas a partir dos dados clínicos e biológicos.

Na 32a das “Novas conferências de introdução à psicanálise”, após expor a idéia de pulsão de morte, Freud diz o seguinte:

“Talvez vocês digam, encolhendo os ombros: “Isto não é ciência da natureza, é filosofia schopenhaueriana”. Mas, por que, senhoras e senhores, um pensador audaz não poderia haver inferido o que uma trabalhosa e sóbria investigação de detalhe confirmaria? Além disso, tudo já foi dito alguma vez, e muitos disseram coisas semelhantes antes de Schopenhauer.”3

Essa passagem deixa claro que a introdução do novo dualismo pulsional não resultou de especulações metafísicas e que Freud não se voltou nesse momento para a filosofia, como propõe Mezan. Freud enfatiza que a hipótese da pulsão de morte foi inferida a partir de suas investigações psicanalíticas e que sempre teve em vista a elaboração de uma ciência natural.

A seguinte passagem de “Além do princípio do prazer” parece afastar ainda mais a idéia de que teria havido, nesse momento, uma mudança substantiva no estatuto da metapsicologia freudiana:

“Ao julgar nossa especulação acerca das pulsões de vida e de morte, nos inquietará que apareçam nela processos tão inimagináveis como que uma pulsão seja forçada a sair fora por outra (...) e coisas parecidas. Isto só se deve ao fato de nos vermos obrigados a trabalhar com os termos científicos, isto é, com a linguagem figurada própria da psicologia (mais corretamente: da psicologia profunda). De outro modo, não poderíamos

3AE, vol.22, p.100.

nem descrever os fenômenos correspondentes; mais ainda: nem se quer os teríamos percebido. É provável que os defeitos de nossa descrição desapareçam se, em lugar dos termos psicológicos, pudéssemos já usar os fisiológicos ou químicos. Mas, na verdade, também estes pertencem a uma linguagem figurada, ainda que nos seja familiar há mais tempo e seja, talvez, mais simples.”4

Mais uma vez Freud afirma se ver forçado a usar termos psicológicos na formulação das hipóteses metapsicológicos, assim como reafirma sua crença na provisoriedade das concepções puramente psicológicas. O psíquico inconsciente parece continuar a ser concebido como uma parte dos processos que ocorrem no sistema nervoso, e a metapsicologia, como uma teoria provisória que um dia, talvez, pudesse ser substituída pela biologia, a física ou a química, mas não pela filosofia. Portanto, parece que, até esse momento, não houve passagem, nem da neurologia para uma psicologia auto-suficiente nem de algumas dessas duas para a filosofia. Freud demonstra estar mantendo a mesma postura sobre a natureza física do psíquico inconsciente e sobre o estatuto da metapsicologia.

1.1) O “além” do princípio do prazer

Iniciaremos o comentário de “Além do princípio do prazer” retomando algumas hipóteses do “Projeto...”, pois, como argumentaremos, a relação entre esses dois textos é bastante elucidativa.

No “Projeto...”, Freud estabelecera como princípio fundamental da atividade nervosa o “princípio de inércia”. A tendência originária dos neurônios seria libertar-se totalmente da quantidade, e manter o seu nível igual a zero (Q = 0). O princípio de inércia, contudo, seria infringido desde o início, devido a sua incapacidade de promover a descarga da excitação proveniente do interior do corpo. A excitação endógena, ao contrário da exógena, não poderia ser descarregada por meio de movimentos reflexos; estes não seriam capazes de fazer cessar a recepção da excitação. Para fazer cessarem os estímulos endógenos, seria necessário uma “ação específica”, cuja realização teria como condição que

houvesse certo nível de quantidade armazenado no aparelho. Portanto, a estimulação endógena imporia uma modificação à tendência primária para a inércia: a saber, imporia a substituição da tendência a manter o nível de Q=O pela tendência a manter esse nível constante, no nível mínimo necessário. A tendência à constância não se oporia ao princípio da inércia; ao contrário, atuaria em seu favor, permitindo que a quantidade endógena fosse, de fato, descarregada.

No “Projeto...”, Freud definira que as sensações de prazer e desprazer correspondem, respectivamente, à diminuição e ao aumento do nível de excitação no aparelho. O aumento da excitação acima de certo nível produziria desprazer, e a sua diminuição abaixo de certo nível produziria as sensações de prazer. Entre ambos, haveria um nível intermediário de ocupação, que possibilitaria o surgimento e a percepção das qualidades sensoriais. Freud sugerira uma identificação entre a tendência primária à inércia e a tendência da vida psíquica para “evitar o desprazer”: “Uma vez que é certamente conhecida por nós uma tendência da vida psíquica para “evitar desprazer”, estamos tentados a identificá-la com a tendência primária para a inércia.” 5

Apenas no capítulo 7 de “A Interpretação dos sonhos”, Freud passa a falar em um “princípio de desprazer”, que posteriormente será chamado de “princípio do prazer”. Segundo o que ele propõe neste texto, o sistema inconsciente – o processo primário – seria regido exclusivamente pelo “princípio do prazer”. O Prcc seria regido pelo que, em “Formulações sobre os dois princípios” (1911), Freud chamou de “princípio de realidade”. Essas hipóteses do capítulo 7 sobre a relação entre o sistema Icc e o princípio do prazer, por um lado, e entre o Prcc e o princípio de realidade, por outro, são mantidas inalteradas nos artigos metapsicológicos de 1915, com o acréscimo da hipótese de que as pulsões sexuais permaneceriam mais tempo sobre o domínio exclusivo do princípio do prazer do que as que pertencem ao eu. Mas, em “Além do princípio do prazer”, Freud acaba concluindo que o funcionamento regido pelo princípio do prazer não é originário: haveria uma forma de funcionamento anterior, a qual obedeceria a uma “compulsão à repetição”. Contudo, pode- se argumentar que esse funcionamento psíquico que estaria para “além do princípio do prazer” só representa uma “novidade” em relação às hipóteses sobre o aparelho psíquico apresentadas a partir de “A interpretação dos sonhos” e que o funcionamento regido pela

compulsão à repetição já estava, de certa forma, presente no “Projeto...”. Em 1920, Freud parece resgatar hipótese antigas, que haviam sido deixadas de lado na primeira tópica, assim como explicitar hipóteses que permaneceram implícitas em toda teoria, como é o caso do próprio conceito de pulsão de morte, assim como, é claro, introduzir novas hipóteses, como a do novo dualismo pulsional.

1.2)O processo primário no “Projeto...”

Os conceitos de “processo primário” e de “processo secundário” já se encontram formulados no “Projeto”. O processo primário consistiria em um tipo de funcionamento guiado exclusivamente pela tendência à inércia, isto é, anterior ao surgimento da tendência à constância. Seria um processo no qual toda a excitação seguiria pela via melhor facilitada, sem sofrer nenhum tipo de inibição ou direcionamento. Nesse momento, Freud reconhece que esse funcionamento primário poderia conduzir à reativação de representações que, mesmo em sua origem, produziram apenas desprazer. Isso ocorreria nas primeiras repetições de uma vivência de dor.

A dor foi definida como a irrupção de grandes quantidades oriundas do mundo externo na direção de ψ, como conseqüência da falha dos dispositivos de proteção desse sistema contra quantidades exógenas – esses dispositivos, segundo Freud, consistiriam nas próprias terminações sensoriais. A dor produziria, em primeiro lugar, um grande aumento no nível da excitação em ψ, sentido como desprazer; em segundo lugar, uma tendência à eliminação da excitação; e, em terceiro, uma facilitação entre esses caminhos de eliminação e a representação do objeto que provocou a dor (“objeto hostil”). Quando a representação do objeto hostil fosse ocupada novamente desde a percepção ou por alguma via associativa, haveria uma liberação de quantidade no aparelho, que geraria desprazer – isto é o que Freud chama de “afeto” – e uma inclinação para a desocupação da representação do objeto hostil.6 Assim como a vivência de satisfação teria como conseqüência o surgimento do “estado de desejo”, o qual inicialmente conduziria à alucinação e a uma vã descarga motora, a vivência de dor teria como conseqüência o surgimento do afeto e a defesa primária

6 Para explicar essa liberação de quantidade no aparelho, Freud introduz a hipótese dos “neurônios-chave”, que seriam neurônios que secretariam quantidade no aparelho. Na ocasião da vivência de dor, as representações constituídas em ψ estabeleceriam uma associação com esses neurônios secretores.

excessiva. Esse tipo de funcionamento, no qual toda a excitação seguiria automaticamente pela via melhor facilitada, tendo como conseqüência alucinação e desamparo ou afeto e defesa primária, é o que Freud chama no “Projeto...” de “processo primário”:

“Designamos como processos psíquicos primários a ocupação de desiderativa até a alucinação, o total desenvolvimento de desprazer trazendo consigo o gasto total de defesa; por outro lado, designamos como processos psíquicos secundários todos os processos que só são possibilitados por uma boa ocupação do eu e que são uma moderação dos apresentados acima.7

O processo secundário surgiria a partir da inibição e do redirecionamento do processo primário pelo “eu”. Com as repetições da vivência de satisfação e o conseqüente desamparo, o aparelho aprenderia a não ocupar tão intensamente a representação de desejo, nem as representações de movimento a ela associadas. Como conseqüência, certo nível de quantidade seria retido no núcleo de ψ, isto é, parte da excitação permaneceria em estado ligado, dando início à formação do eu. Com esse armazenamento de quantidade, o curso associativo seria parcialmente inibido e não mais seguiria unicamente pelas vias melhor facilitadas. A partir de então, a ocupação da representação hostil e a defesa primária excessiva passariam a ser inibidas pelo eu.

A inibição da alucinação e da descarga motora seriam condicionadas biologicamente pelo desprazer. Já a inibição da ocupação intensa da representação do objeto hostil seria um processo gradual, alcançado após várias repetições do mesmo processo, e que pressuporia a constituição do eu. 8 Freud esclarece isso na terceira parte do

7

EP, p.422; PP, p. 204.

8 Podemos nos perguntar por que a não ocupação da representação hostil não é condicionada biologicamente pela primeira regra biológica, assim como ocorre em relação às conseqüências da vivência de satisfação. Por que, nesse último caso, é necessário ocorrer um processo de gradual ligação da excitação afetiva por parte do eu? Freud se faz essa pergunta e a resposta que ele oferece é a seguinte:

“Poder-se-ia perguntar por que essa defesa de pensar não se dirigiu contra a recordação ainda capaz de afeto. Contudo, aí, podemos supor, que a segunda regra biológica levantou-se contra ela, que ela exigiria atenção caso um signo de realidade estivesse presente, e a recordação indomada fosse ainda capaz de extorquirr signos de qualidade reais. (AAP, p. 472; PP, p.255)

A segunda regra biológica – a regra da atenção – teria, assim, se sobreposto à primeira. As primeiras repetições da representação hostil seriam alucinatórias e, portanto, produziriam “signos de qualidade reais”. Diante de tais signos, a regra da atenção falaria mais alto que a da defesa. Essa explicação de Freud não

“Projeto..”, onde ele observa que o pensamento, entre outras coisas, pode conduzir ao desprazer, devido à ocupação de representações que pertenceram à vivência de dor. Então, ele afirma:

“Caso se siga o destino de tais percepções, como imagens de recordação, nota-se que as repetições iniciais ainda despertam tanto afeto como também desprazer, até que, com o tempo, perdem tal capacidade. Ao mesmo tempo, elas sofrem uma outra modificação. No início, retinham o caráter de qualidades sensoriais; quando não são mais capazes de afeto, também o perdem e tornam-se semelhantes a outras imagens recordativas.”9

Trata-se, nesse caso, de “recordações ainda indomadas”, mas, então, pergunta-se Freud: o que acontece com as “recordações” capazes de afeto até que elas sejam “domadas”? Sua resposta é que é preciso uma ligação grande e repetida, por parte do eu, para que a facilitação para o desprazer seja equilibrada. Como tais representações formaram-se por ocasiões de vivências de dor, essa ligação seria mais trabalhosa para o eu do que a ligação das demais representações:

“Como traços de vivências de dor, elas (conforme nossa suposição sobre a dor) foram ocupadas a partir de Qφs muito grandes e adquiriram uma facilitação muito intensa para liberação de desprazer e de afeto. É preciso uma ligação repetida e particularmente grande a partir do eu, até que essa facilitação para o desprazer seja contrabalançada.”10

Então, o eu inicialmente não teria condições de impedir a ocupação de tais representações ou, mesmo, de inibi-las parcialmente. Gradualmente, ele iria adquirindo poder sobre elas, por meio de repetidas tentativas de ligá-las. Antes de serem ligadas, não parece resolver o problema, pois as primeiras repetições da representação de desejo seriam também alucinatórias. Talvez a diferença possa ser explicada pelo fato das facilitações estabelecidas pela vivência de dor serem bem maiores que as decorrentes da vivência de satisfação.

9 EP, p. 470; PP, p.253. 10 EP, p. 471; PP, p. 254.

seria possível impedir nem inibir sua recordação e, tampouco, o desprazer resultante. Depois de ligadas, a ocupação destas representações se limitaria a um mínimo que permitisse apenas sinalizar ao curso associativo que aquele caminho conduz ao desprazer e deve ser abandonado.

Na primeira parte do “Projeto...”, Freud descreve a vivência de dor e suas conseqüências e estabelece que, a partir de certo momento, o eu passa a inibir a ocupação da representação do objeto hostil. Na terceira parte desse texto, ele procura esclarecer como isso ocorreria. Tratar-se-ia de um processo gradual e, até que estivesse completo, ou seja, até que as representações fossem domadas, não seria possível evitar sua ocupação. Encontra-se formulada, portanto, no “Projeto...” – mais especificamente, na sua terceira parte –, a hipótese de que há um processo no aparelho que faz retornar representações que, em sua origem, foram desprazerosas, ou seja, a idéia de um processo “repetitivo” que ocorre enquanto as representações ainda não foram ligadas e que não poderia ser evitado até que alcançada a ligação. Mas esse processo estaria “para além do princípio do prazer”? Para responder essa questão é necessário retomarmos o conceito de princípio do prazer, tal como Freud o define nos textos posteriores ao “Projeto...”.

1.3) O princípio do prazer

No “Projeto...”, Freud não fala em um “princípio do prazer”. No início do texto, ele enuncia o princípio de inércia e, adiante, diz que “está tentado” a identificar a tendência da vida psíquica para evitar o desprazer com a tendência inicial à inércia. Se partimos da hipótese de que tal identificação está mesmo pressuposta na teoria, então teríamos que dizer que esse funcionamento repetitivo que antecede a ligação da representação não está para além do princípio do prazer. O princípio de inércia, em sua forma originária, aspiraria a libertar-se de quantidade pela via mais direta possível: em um funcionamento por ele regido, a quantidade sempre tramitaria pelo caminho melhor facilitado. Contudo, o caminho melhor facilitado, em algumas ocasiões, acabaria levando ao desprazer, como é o caso das primeiras repetições dos estados de desejo e das primeiras ocupações da representação do objeto hostil após a vivência de dor. Mas, mesmo nesses casos, o processo associativo estaria sendo guiado pelo princípio de inércia, pois é justamente a tendência a buscar a via

mais direta possível de descarga da quantidade que faz com que a ocupação prossiga pelo caminho melhor facilitado, o qual acaba levando à produção de desprazer. Como esse processo guiado unicamente pela tendência à inércia acaba levando ao desprazer, ocorre uma mudança nessa tendência originária. O aparelho aprende – é condicionado pela primeira regra biológica – a não ocupar tão intensamente as representações associadas à vivência de satisfação, o que tem como conseqüência o armazenamento de certo nível de quantidade em seu interior. Com isso, a tendência primária seria substituída pela tendência à constância. Mas, mesmo após estabelecida essa modificação do princípio de inércia, ainda poderiam tornar a ocorrer processos primários relacionados à vivência de dor enquanto as recordações hostis permanecessem “indomadas”, isto é, enquanto elas não tivessem sido ligadas.

Então, retornando à questão anteriormente colocada, o processo repetitivo do “Projeto...” não estaria para além da tendência a evitar o desprazer de que Freud fala neste texto, se consideramos que esta seja identificada ao princípio de inércia. Mas a noção de princípio do prazer é formulada, de fato, apenas no capítulo 7 de “A interpretação dos sonhos”; portanto, é em relação a essa formulação que devemos tentar compreender a hipótese proposta em 1920 de que haveria um funcionamento que antecederia aquele regido pelo princípio do prazer.

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