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CAPÍTULO 4: A TRAJETÓRIA DAS PESQUISAS EM REDE

4.1 A Revista Ceres

A história institucional da Revista Ceres confunde-se com a própria trajetória

histórica da Universidade Federal de Viçosa. De acordo com Sabioni, “(...) após treze

anos da inauguração da Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV), foi criado, por iniciativa do então diretor da Instituição, Dr. John Benjamin Griffing (1936-1939), o

Clube Ceres” (2009, p. 1). As pretensões dos primeiros pesquisadores eram diferentes

do atual padrão editorial dos períodos científicos. A finalidade maior da revista era “(...)

divulgar as novidades científicas, sociais e econômicas” (Ibidem). As atividades do

clube se transformaram em revista em 1939.

O próprio editorial do periódico, dos primeiros anos até a década 60, anunciava a

revista como um conjunto de “(...) publicações de ensinamentos teóricos e práticos sobre agricultura, veterinária e indústrias rurais”110

. De acordo com de Azevedo (2002), a Revista demonstrou em suas publicações uma grande preocupação em articular o “(...) conhecimento com a prática e dar grande ênfase ao aprender fazendo, expressas pelo empenho na prestação de serviços, na difusão de métodos e técnicas de produção,

baseadas em experimentos científicos, sistematizados e comprovados”111

(2002, p. 3). Inicialmente, as pretensões dos pioneiros das ciências agrárias do Clube Ceres

era dividir o conteúdo da revista em dois: “(...) uma parte exclusivamente para

divulgação do conhecimento para os fazendeiros, e a outra parte, dedicada à publicação de artigos científicos” (2009, p. 2). No entanto, essa partição do periódico não chegou a ocorrer, conforme afirmou Vieira (1979). A predominância completa de publicações científicas sobre os trabalhos de divulgação técnica foi marcada a partir de 1959. Segundo Sabioni,

Isso claramente se explica pelo retorno dos professores da Instituição que estavam em capacitação no exterior e pelo apoio de professores do Projeto Purdue University-UREMG, com a publicação de artigos técnico-científicos visando ao início da pioneira pós-graduação da Universidade (2009, p.01).

Em 1979, a Revista possuía uma tiragem de 1000 exemplares, enviada para 60 países (VIEIRA, 1979, p. 526). O mais curioso é que, atualmente, a Revista Ceres possui uma tiragem menor, de 500 exemplares com distribuição em 59 países. A diferença é o alcance da internet, uma vez que suas publicações são indexadas em diversas bases de dados que podem ser acessados em todo o mundo.

As publicações eram e ainda são bimestrais. Antes da década de 1970, alguns períodos foram marcados pela irregularidade das publicações. Durante esse tempo, a quantidade de artigos por revista variava entre sete a dez publicações. A grande maioria dos autores é vinculada à Universidade Federal de Viçosa, seja como professor ou

110

Nas capas das revistas das décadas de 1950-1960 explicitam essa linha editorial. 111

O autor desse artigo chegou a essa conclusão a partir da análise do ciclo de vida deste periódico até o ano de 1949 (AZEVEDO, 2002).

estudante de pós-graduação. Mesmo os artigos de pesquisadores de outras instituições possuem como coautores membros com algum vínculo com a UFV. Assim, os pesquisadores são, em todas as publicações, devidamente identificados juntamente com suas origens institucionais e formações acadêmicas.

No que tange ao estilo de publicação do periódico, os artigos da Revista Ceres possuem um formato comum dos textos científicos das ciências agrárias. Todos os textos possuem uma apresentação do tema, seguida de uma breve revisão de literatura. Em seguida, são explicitados os materiais e métodos de experimentação para, enfim, expor os resultados e conclusões. O estilo textual conserva uma estética bastante técnica, até porque são publicações direcionadas para seus próprios pares. Os textos são enxutos e sem muito espaço para comentários longos.

A pluralidade temática das publicações perpassa os vários números do periódico durante toda sua existência institucional, uma vez que a Revista admitia artigos de todas as áreas das ciências agrárias. No corpo do editorial, encontra-se a informação a respeito

da aceitação dos artigos relacionados com “agronomia, ciências domésticas, engenharia florestal e ciências correlatas”. Embora as publicações bimestrais não fossem

classificadas por temas, de maneira nenhuma podemos descartar a possibilidade de perceber tendências na supremacia de determinados assuntos em detrimento de outros. Não é nosso objetivo observar esse tipo de informação, pois certamente fugiria do tema proposto. Um dos editores, que ficou mais tempo na presidência da Revista, Clibas Vieira, na publicação comemorativa de 40 anos do periódico, expôs um longo índice de assuntos de todas as publicações, de 1939 até 1979.

A grande diversidade temática não nos impede de interpretar a linha editorial adotada pelos autores durante as décadas de 1960-1970. Diante de um contexto com transformações profundas no panorama socioeconômico e cultural do Brasil, os cientistas empreenderam em suas pesquisas aquilo que apresentavam como tendência da época para a modificação do panorama econômico do país. Em diversas publicações, os pesquisadores apontam seus diagnósticos sobre a situação em que se encontra a produção agropecuária nacional. A partir disso, podemos analisar a conexão dos pesquisadores com outros atores envolvidos no processo de construção da ciência nos contextos em que os mesmos estão inseridos.

As publicações da Revista Ceres estão em total consonância com o projeto de modernização da agricultura preconizado pela rede científica que envolve os convênios da Universidade e as instituições estrangeiras. As pesquisas desenvolvidas na

UREMG/UFV refletem a ambição dos diferentes atores que encontraram em Viçosa um espaço privilegiado para a formulação de tecnologias que abarcasse automatização da produção agrícola e proporcionasse a produtividade compatível com o padrão tecnológico moderno.

Sabemos que o caminho trilhado foi longo. O convênio da UREMG com a Universidade de Purdue iniciou-se em 1958, porém, os resultados esperados foram colhidos nas décadas seguintes. A década de 1960, conforme explicitado no capítulo anterior, foi uma época de constante formação de alianças para atração de recursos, transformação da infraestrutura da Universidade e, sobretudo, para a formação acadêmica do quadro de professores/pesquisadores da instituição, uma vez que a grande parte não possuía pós-graduação.

Muitos dos professores enviados aos Estados Unidos tanto para fazer mestrado quanto doutorado, ou até mesmo para participar de cursos de curta duração, voltavam para o Brasil com uma enorme bagagem científica. Também, seus retornos indicavam a continuidade de um projeto considerado irreversível e universal, neste caso, o desenvolvimento rural do país por meio da modernização da produção agrícola.

Portanto, o volume de publicações da Revista aumenta consideravelmente nos últimos anos da década de 1960, sendo que nos anos 70 os resultados de pesquisas relacionadas com as grandes commodities tornam-se frequentes. Ou seja, mediante o contínuo amadurecimento da rede científica em Viçosa, com o fortalecimento de vínculos com diversas instituições, que os resultados das pesquisas tornaram-se visíveis nas publicações do periódico de maior visibilidade na UREMG/UFV.

Antes de analisar o impacto da rede na produção científica, faz-se necessário entender o quanto os cientistas de Viçosa estavam alinhados com a proposta de modernização da agricultura. As publicações do periódico demonstram as influências do discurso da modernização na prática científica na Universidade.