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1.5.1.O lugar da água na Tradição Cristã

1.6. A sacramentalidade da água

Na atualidade, há quem entenda a Igreja numa dimensão utilitária, recorrendo a ela somente quando a necessidade obriga. Em relação à compreensão dos sacramentos Jesús Espeja refere que “às vezes os sacramentos são interpretados como atos religiosos que se praticam nos templos, mas que nada ou pouco têm a ver com as tarefas seculares de cada dia.” Por outro lado, os praticantes devotos nem sempre alcançam o verdadeiro significado dos sacramentos, pensando que se trata de uma espécie de fórmula mágica e que convém realizar para agradar a Deus. L. Boff contrapõe dizendo que: “Não cremos que o homem moderno tenha perdido o sentido do simbólico e do sacramental. Também ele é homem como outros de outras etapas culturais e, como consequência, é também produtor de símbolos expressivos da sua interioridade e capaz de decifrar o sentido simbólico do mundo. Talvez se tenha mantido cego e surdo a um certo tipo de símbolos e ritos sacramentais que se deixaram vencer pela esclerose ou tornado anacrónicos. A culpa, neste caso, é dos ritos e não do homem moderno”47. Porque o homem é e vive encarnado, para que os seus pensamentos e experiências se tornem inteligíveis necessita de mediações visíveis. Porém, algumas realidades transcendem-no, não encontrando tradução adequada, nem em conceitos, nem em palavras; ultrapassa todas as expressões verbais. O homem sendo por natureza social, sente a necessidade de transmitir as suas conceções aos demais, o que se faz pela voz. Por isso, fazem-se necessárias vozes significativas para que os homens se entendam entre si. Portanto, a mensagem é tanto melhor compreendida pelo outro, quanto mais eficaz for a linguagem. Coloca-se, então, a questão da linguagem. No dia a dia utilizamos a chamada linguagem denotativa, que exprime as realidades na sua materialidade, mas também convivemos com outra linguagem chamada conotativa ou simbólica. A este propósito explica o Pe. Santiago que: “O prefixo “SYN” implica união de duas metades que se haviam partido como expressão de aliança ou pacto entre pessoas. Daí a sinfonia, sintonia, sinergia, simpatia, etc. “SYN – BOLOS” é um movimento de unificação, de comunhão, é a expressão mais sensível dos nossos “pontos de encontro”, dos lugares interiores dos nossos nós, em contexto mais ou menos íntimo, mas sempre em contexto de Pessoas e Afetos. Por se referir ao mundo das experiências humanas cheias de significado, a linguagem simbólica une pontos entre territórios diferentes…Entre o que queremos dizer e o que

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queremos ao mesmo tempo preservar, entre o que conseguimos dizer e o que não somos capazes, entre o que nos tocou profundamente e o que ainda não acabamos de perceber. Quer dizer, o Símbolo é sempre uma linguagem que excede a simples transmissão de factos. Utiliza imagens, exageros, metáforas…porque o que quer exprimir é mais fundo e interessante do que aquilo que está ao alcance da reprodução dos factos. No entanto, é uma das nossas grandes confusões, achar que Símbolo é contrário de Verdade. A linguagem Simbólica não serve para dizer outra coisa diferente da Verdade! Serve, isso sim, para conseguir tatear a Verdade mais profunda em cada acontecimento. A linguagem simbólica é a única maneira que nós temos de tentar dizer a Verdade que está para lá da simples aparência dos factos, a Verdade que explica e dá sentido aos acontecimentos. A linguagem simbólica atrai-nos aos limites da linguagem, expande- nos os significados, porque nos quer levar a intuir as coisas48. O próprio Jesus de Nazaré falou às pessoas recorrendo a esta linguagem simbólica, não só através de parábolas, mas com a sua própria vida: comer com os pobres, a última ceia com os discípulos, o lava pés e o seu silêncio humilde perante todas as acusações. Os sacramentos são símbolos. No seu tempo, S.Tomás de Aquino fez uma classificação dos sacramentos, quanto à própria pessoa: promovendo a vida, como dádiva do ser: batismo, como aumento do ser recebido: confirmação, como alimento da vida pela eucaristia, curando a enfermidade, curando os pecados na penitência e curando a debilidade na extrema unção; e, em ordem à comunidade, na faculdade de propagação natural pelo matrimónio e na faculdade de dirigir a comunidade e exercer atos públicos pelo sacramento da ordem. Jesús Espeja diz-nos que “esta classificação está condicionada logicamente por uma visão sacramental do século XIII, quando S. Tomás de Aquino escrevia”. Todavia, chama “extrema-unção” ao rito que, hoje, mais adequadamente chamamos “unção dos enfermos”. Tão pouco se dava prioridade ao matrimónio como sacramento do amor que completa e aperfeiçoa mutuamente os cônjuges. Porém, as três dimensões da graça sacramental – elevante, sanante e comunitária – são critério válido e permanente para uma apresentação adequada dos sacramentos. Neste sentido, fez-se uma reinterpretação desta classificação, enquadrando os sacramentos em três partes: em primeiro lugar, os sacramentos da iniciação cristã: batismo, confirmação e eucaristia; sacramentos de cura e reabilitação como penitência e unção dos enfermos, na segunda parte, e sacramentos de serviço da comunidade: o matrimónio e ordem, na terceira parte. Dado o tema deste

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trabalho trataremos com mais desenvolvimento os sacramentos da iniciação cristã. Estes introduzem o novo ser no conhecimento e participação na comunidade crente que é a Igreja. Porém, em ordem à sua salvação, o homem necessita igualmente dos restantes sacramentos: penitência, santa unção, ordem e matrimónio, perfazendo um total de sete. S. Tomás de Aquino diz que “os sacramentos são sete e que devem ser precisamente sete, porque eles resumem todo o conjunto da vida espiritual do homem, desenvolvendo funções semelhantes às funções do nascimento, crescimento e amadurecimento da vida humana natural”. 49 No entanto, o mesmo autor acrescenta: “mas no que se refere à dignidade e importância dos mesmos, há que distinguir: como sacramento de iniciação é de suma importância o batismo, que abre a porta para os outros sacramentos; mas em ordem à perfeição, todos se voltam para a eucaristia, como plenitude da vida sacramental, na qual se comunica o próprio Jesus Cristo”. Na SE, S. João diz: “…Mas,

ao chegarem a Jesus vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas. Porém, um dos soldados trespassou-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água…”(Jo 19, 33-34) No Concílio de Trento afirma-se claramente que: “Si quis dixerit sacramenta novae legis non fuisse omnia a Iesus Christo Domino nostro

instituta….anathema sit (D.844)50. O II Concílio do Vaticano vê sair do Coração de

Cristo trespassado os sacramentos da Eucaristia e do Batismo. Sangue Eucarístico, água batismal. A Igreja não tem dificuldade em admitir, até acha natural, que Jesus ao fundar a maior parte dos sacramentos aproveitou fórmulas rituais pré existentes, mais ou menos anteriores a Ele ou acrescentou uma causalidade e significação superiores a factos que já tinham uma significação natural na vida dos homens51. No seu tempo, Jesus esclarece que: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas levá-

los à perfeição” (Mt 5, 17). Ao fazer-se baptizar no Jordão pelo primo, para além de

cumprir o que estava escrito, como ele próprio afirma: “Deixa por agora. Convém que

cumpramos assim toda a justiça.” (Mt 3,15), pretende dar um outro sentido ao batismo.

Quando João Baptista administrava o batismo dizia: “Eu batizo-vos com água, para vos

mover à conversão, mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu e não sou digno de lhe descalçar as sandálias. Ele há-de baptizar-vos no Espírito Santo e no fogo”(Mt 3, 11). O batismo de João Batista tinha um significado de morte: pretendia

afogar o passado, como se este ficasse “sepultado” na água batismal, pelo contrário, o

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Cf. AQUINO, S. TOMÁS, Suma teológica, vol. XIII, questão 65, p.138

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Cf. AQUINO, S. TOMÁS, Suma teológica vol. XIII, questão 64, p.107

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batismo de Jesus tem um significado positivo, porque o discípulo é batizado com a água vivificante do Espírito Santo, a vida divina de que já falavam os antigos profetas” (Is 44,3; Ez 39, 29; Zc 12,10).52 Para os padres da Igreja, o Dilúvio e a passagem do Mar de Juncos eram já antecipadores do batismo e esses testemunhos estavam destinados a certificar que este sacramento é um acontecimento salvífico com ecos na história da salvação. O elemento natural que é a água obtém a sua força sobrenatural graças à morte na cruz de Jesus. Como Noé se salvou do Dilúvio graças à arca de madeira, também o neófito é salvo, por meio da cruz, nas águas baptismais. O batismo assume-se como uma parábola da morte de Cristo, um morrer e ressuscitar simbólicos. “Pelo Batismo

fomos, pois, sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova. De facto, se estamos integrados nele por uma morte idêntica à Sua, também o estaremos na Sua ressurreição.”/ Assim vós também: considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus” (Rm 6, 4.5.11) S.Tomás de Aquino afirma que a água é precisamente a matéria própria para o batismo enumerando quatro fatores, que justificam a sua posição. Em primeiro lugar, porque o batismo segundo a sua natureza serve para começarmos uma nova vida espiritual à qual convém a água, os gérmens dos quais surgiram todos os viventes, plantas e animais são húmidos e pertencem ao elemento água. Baseados nisto, alguns filósofos puseram a água como princípio de todas as coisas. Em segundo lugar, porque os efeitos do batismo são parecidos com as propriedades da água: esta sendo húmida serve para limpar, por isso, possui certa aptidão para significar e causar a ablução dos pecados. Com a sua frialdade modera o excessivo calor e, assim, pode significar a mitigação do ardor da concupiscência. Pela sua diafanidade é susceptível à luz a qual se ajusta ao batismo que é um “sacramento de fé”. Em terceiro lugar, é apta porque representa os mistérios de Cristo, do qual procede a nossa justificação53. Juntamente com a fórmula “Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” é ministrada a ablução pelo sacerdote. A bênção desta água batismal é feita pelo sacerdote na vigília pascal. Caso o sacerdote exerça funções em várias freguesias, benze a água da paróquia da sua residência e transporta para as restantes. O lugar da bênção é o batistério. Se a quantidade de água batismal diminuir, pode-se acrescentar com água natural, desde que não se acrescente mais de metade e este procedimento pode ser repetido várias vezes. Caso a água fica choca ou até

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Cf. ALVES, Frei Herculano, Símbolos na Bíblia, p.15

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desapareça por completo, é possível renová-la independentemente do dia ou do momento, por meio de uma bênção. S. Tomás de Aquino indica que a imersão representa mais claramente a sepultura de Cristo, no entanto, em todo o tipo de ablução há uma parte do corpo que fica debaixo de água, tal como esteve o corpo de Cristo sob a terra.54Nem tão pouco é necessária a tripla imersão, a não ser por uma questão de simbolismo. Surge aqui a questão do batismo das crianças uma vez que estas ainda carecem do uso da razão, necessária para realizar o sacramento. A este propósito, S. Tomás de Aquino elucida que a criança, estando inserida numa comunidade, é batizada na fé dessa comunidade e da Igreja. Os padrinhos são importantes para garantir que o batizado continue fiel à fé cristã. No entanto, para ser padrinho há alguns requisitos, segundo S. Tomás de Aquino. Primeiramente, deve ser batizado e ter catorze ou mais anos; depois que não pertença a nenhuma seita, nem seja noviço, nem professo, nem ordenado “in sacris” em nenhuma religião; que não seja pai, mãe ou cônjuge do batizado; que tenha sido designado pelo batizando ou familiares e que receba o batizando nos braços depois da ablução. Por último, que não esteja excomungado e conheça os fundamentos da fé.55 Na SE afirma-se que há “Uma só Fé e um só Batismo”, por isso o batismo é irrepetível. S. Tomás de Aquino explica claramente a irrepetibilidade do batismo esclarecendo que, por ser regeneração espiritual, ou morte da vida antiga e começo de uma nova vida, também é dito que “quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino dos Céus”. Ninguém pode entrar de novo no ventre da sua mãe e voltar a nascer, o batismo é como a gestação, não pode repetir- se. Somos baptizados na morte de Cristo pelo qual morremos para o pecado e ressuscitamos para uma vida nova. E Cristo só morreu uma vez. Além disso, o batismo imprime caráter que é indelével e dá uma certa consagração. E, do mesmo modo que a Igreja não reitera nenhuma consagração, também não reitera o batismo. Por último, o batismo está ordenado para limpar o pecado original e como este não se repete, o mesmo acontecerá com o batismo56. O batismo perdoa os pecados, infunde a graça santificante e sacramental, enxerta no Corpo Místico de Cristo e imprime caráter. O caráter pode ser entendido comoa marca que distingue aqueles que pertencem a Cristo. Para além do Batismo, também a Confirmação e a Eucaristia constituem sacramentos da

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Cf. AQUINO, S. TOMÁS, Suma teológica, vol. XIII, questão 66, art. 7, p. 192

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Cf. AQUINO, S. TOMÁS, Suma teológica, vol. XIII, questão 67, p.213

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iniciação cristã, no entanto, estes não foram aqui explorados dada a sua relação indireta com a água.

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