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3. Do Pacto de Dover à Segunda Incursão

3.1. A segunda incursão

O movimento da Galiza, sob o comando de Paiva Couceiro, e obedecendo ao lábaro da monarquia constitucional, reorganizava-se para uma segunda incursão. O objectivo desta nova investida foi estabelecido com clareza no manifesto de Tavares Proença. Não se tratava de uma invasão militar para restaurar a monarquia, mas de «uma força» que servia de alavanca a um movimento nacional para expulsar a república, em nome da «liberdade das suas crenças – essa luz suavíssima que vem do alto

iluminar a consciência sereníssima dos crentes!»632. Em Tui imprimia-se

entretanto um jornal, o Portugal Novo, onde se cultivavam os valores da

pátria regenerada, e se vislumbravam os alicerces políticos e ideológicos da nova monarquia. Nas suas páginas ecoava a crença numa restauração iminente, prova de que o «comandante» não andava sozinho nesta esperança redentora. D. Manuel endossou entretanto uma carta à emigração, publicada nesse jornal, em que cumprimentava os «soldados» do seu exército, partilhando com eles a dor e a mágoa do exílio, mas a mesma esperança numa restauração próxima, na «salvação da Pátria – da Pátria que só pode viver com aqueles princípios de ordem, de justiça, de liberdade, de tolerância, de respeito pelas garantias individuais, que os recentes acontecimentos do nosso país irrecusavelmente mostram estarem em

Portugal consubstanciados com a Monarquia»633.

631Ibidem.

632

«Nós não vamos entrar em Portugal para impor pela força das baionetas um regime monárquico absoluto e feroz. Nós vamos entrar em Portugal para auxiliar com o apoio da nossa força, a livre expansão da alma portuguesa no que de nela há de mais enternecedor – os sentimentos patrióticos e as crenças seculares. Nós vamos levar aos nossos amigos a força que há-de permitir-lhes a expulsão dessa horda de bandoleiros, que se apoderaram do poder para roubar, para oprimir, para perseguir implacavelmente aqueles a quem a rectidão e a virilidade de carácter não permita a covardia da dissimulação» [MNE, AHD, 3P, A3, M716, n.º 5].

O movimento de restauração, seguindo o plano de Luís de Magalhães, previa uma acção militar levada a cabo a partir da Galiza, mas tinha como elementos chave as revoltas militares e os levantamentos internos. Couceiro não estava isolado na crença de que bastava a «conquista» de uma cidade para a partir dela se conquistar o resto do país. O projecto restauracionista elaborado por Luís de Magalhães previa que a primeira fase, fase essencialmente militar, começasse com as incursões e os «pronunciamentos militares e civis que se façam em qualquer parte do território português, até que em poder dos monárquicos caia uma capital de distrito, ou cidade ou vila importante, onde se possa organizar um governo provisório ou Junta Governativa que, em nome d’el Rei, concentre a direcção suprema do

movimento, quer sob o ponto de vista militar, quer sob o político»634. Não se

tratava, portanto, de uma estratégia irrealista, fruto da incompetência militar de Couceiro, mas de uma possibilidade admitida naquela conjuntura por vários estrategas e protagonistas da contra-revolução. As cúpulas monárquicas acreditavam que o exército estava com a monarquia, mas que dada a sua passividade natural precisava de um estímulo exterior, de alguém que ateasse esse rastilho. A coluna da emigração era esse rastilho. Acreditavam ingenuamente que a província podia impor-se a Lisboa.

Tornava-se por isso urgente a compra de armamento. O contrabando de armas, em Espanha e Portugal, intensificara-se logo após a derrocada da primeira incursão, presume-se que sob o controlo directo de Paiva Couceiro

e Jorge Camacho635. Havia já informações rigorosas sobre a aquisição de

duas metralhadoras vindas da Alemanha, e que se encontravam escondidas perto de Verín. Pela fronteira de Vilar Formoso teriam entretanto passado «1500 pistolas» pela acção de um «sargento reformado, dentro de «fardos

de fazenda»636. Para este contrabando de armas contribuíam os chefes

carlistas da Galiza, como o deputado Aguado Salaberri, que participava em reuniões na Galiza a pedir auxílio para os monárquicos portugueses, mesmo que isso exigisse «sacrifícios». Os carlistas empenhavam-se por isso na vitória da monarquia em Portugal, auxiliando os «paivantes» no contrabando

634 Luís de Magalhães, «Esboço dum plano político para a restauração da monarquia», in

Perante o Tribunal e a Nação. A Monarquia do Norte e o Julgamento da Junta Governativa do Reino, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 220-221.

635 Cf. informações dos cônsules e espiões em AHM, 1.ª divisão, 34.ª secção, caixa 4, pasta 3.

de armamento para dentro do país637. Mas também Espanha seria acusada de auxiliar os emigrados portugueses com armamento. Com efeito, teriam sido identificadas armas «Remingtons» usadas pelo exército espanhol e «Mausers» produzidas na Fábrica Real de Oviedo, o que comprometia o

governo de Madrid638.

A presença dos emigrados portugueses foi sempre um problema para as autoridades espanholas que, apesar de tudo, só agiam por pressão do

ministro de Portugal em Madrid639. Na Galiza, na região de Ourense,

intensificavam-se as tensões entre os apoiantes dos emigrados,

normalmente as autoridades locais e as pessoas de «posição social», e os seus adversários, os republicanos e os carbonários galegos, envolvendo-se

numa autêntica guerra civil640. Aos republicanos galegos, ligados aos

carbonários e aos cônsules portugueses, interessava alertar as autoridades de Madrid para a presença dos emigrados portugueses, procurando

manifestar a sua «incompatibilidade com a população da Galiza»641. Já em

Tui, pelo contrário, a presença dos portugueses era encarada com optimismo e confiança e aproveitada como importante fonte de negócio.

Portugal ia pressionando Madrid, jogando o futuro da incursão no tabuleiro da diplomacia, apoiado pela Inglaterra e pela acção de José Relvas, que João Chagas tinha convidado para chefiar a legação de Portugal em na

capital espanhola642. As tensões entre os emigrados e os republicanos

galegos, juntamente com as insistentes reclamações de José Relvas,

637

AHM, 1.ª divisão, 34.ª secção, caixa 1, pasta 30.

638 Dizia assim o «Memorando» entregue ao governo espanhol: «Remingtons, de 11 milímetros, de tiro simples, que eram, como se sabe, as armas usadas ainda há pouco por todo o exército espanhol e são agora ainda as armas que se guardam nos seus depósitos; Mausers espanholas, de 7milímetros, com a marca da Fábrica Real de Oviedo (na coronha e na parte superior da câmara, uma coroa dentro dum círculo, a palavra «Oviedo» e a data «1911»), actualmente usadas pelo exército espanhol, mostrando quase todas, a madeira por envernizar, como se fossem fabricadas recentemente, e mais baratas. [...] Os canhões de 7 centímetros, são de tiro acelerado e de montanha e têm a marca da fábrica raspada. Há sabres baionetas [...] e espadas de oficial da Fábrica Nacional de Toledo. [...] Nem essas armas, nem estas munições de guerra - se exceptuarmos as espadas de Toledo - são jamais vendidas, aos centos, ou aos milhares, a compradores particulares. Muitas delas saíram, todavia, como se vê, de fábricas ou de arsenais do governo de Espanha» [in MNE-AHD, 3P, A28, M153]. Sobre a aquisição de armas e artilharia em Espanha, com a conivência de homens da corte e a espionagem de republicanos, veja-se Joaquim Leitão, Paiva Couceiro, o Capitão Phantasma, Porto, Edição de autor, 1914, pp. 199- 213.

639 Cf. Hipólito de La Torre Gómez, ob. cit., p. 126.

640 Ibidem. As actividades de espionagem, provocações, denúncias e outros actos hostis e belicosos podem ler-se nas pp. 127 e ss. Veja-se, ainda, Joaquim Leitão, ob. cit., pp. 215 e ss.

641Ibidem, p. 127.

642

Cf. José Relvas, Memórias Políticas, 2.º vol., prefácio de Carlos Ferrão, Lisboa, Terra Livre, 1978, pp. 36 e ss.

obrigaram Canalejas, em Maio de 1912, a ordenar a expulsão de todos os

emigrados da província de Ourense643. Mas a ordem não seria executada,

pois Couceiro dava instruções a Satúrio Pires para resistir «pela inércia». A estratégia estava em ganhar tempo e aproximar as forças da coluna da

fronteira de Portugal644. Ainda assim, o «comandante», face à pressão de

Madrid, abandonou a sua residência no Telheiro, solar de D. Eduardo Cea, e partiu para a capital espanhola para adquirir as armas necessárias à

incursão645. As denúncias dificultavam cada vez mais as operações de

contrabando de armas. Em Junho, o governo belga apreendia no porto de

Brugges, depois de denúncia, o barco Voz, carregado de homens e armas de

infantaria e artilharia, que se destinava a armar as forças internas e a

secundar o movimento646.

A viagem de Couceiro visava ultrapassar estas e outras dificuldades, para armar a coluna que haveria de entrar em Portugal. No dia 2 de Julho, na véspera da entrada em Portugal, chegava à Corunha um carregamento de armas que seria transportado em automóveis até ao Telheiro, onde os seus homens aguardavam a chegada de Couceiro. As armas provinham da fábrica de Toledo, que recebera uma encomenda em início de Junho, mas que não conseguira cumprir na totalidade. As negociações contaram com a colaboração do deputado carlista Llorens e dos antigos polícias Robles e Iglesias, sendo o pedido encoberto com o expediente de se tratar de uma

encomenda da legação do Paraguai647.

Entretanto, em Portugal, as autoridades estavam preparadas para mais este arremedo contra-revolucionário. A vigilância das fronteiras e a espionagem dos cônsules revelavam os planos de Couceiro, que contava nas suas fileiras um espião republicano, infiltrado na coluna de Vítor Sepúlveda. Este fazia chegar ao governo e às autoridades militares informação rigorosa e actualizada sobre as movimentações das forças, do armamento que

643 Cf. Hipólito de La Torre Gómez, ob. cit., p. 128.

644 Joaquim Leitão, ob. cit., pp. 240-241.

645

Sobre as movimentações dos pelotões e a ida de Couceiro a Madrid, veja-se Joaquim Leitão, ob. cit., pp. 241 e ss.

646 Cf. Alfredo de Freitas-Branco, No Exilio. Scenas da Vida dos Conspiradores Monarchicos, Lisboa, Livraria Editora, 1917, pp. 19-20. Sobre as forças que deviam embarcar no Voz, escreveu: «Nessa expedição tomavam parte os Infantes, filhos do Senhor D. Miguel de Bragança, e seus Augustos primos e príncipes de Parma, muitos rapazes das principais famílias portuguesas - especialmente do norte, - oficiais estrangeiros da liga anti-maçónica, e grande número de soldados, bons campónios portugueses!».

possuíam e das datas e locais prováveis das incursões648. Por este espião sabia-se que Couceiro contava com Braga e Guimarães para dominar o Norte, mas que o Porto devia iniciar o movimento contra-revolucionário, para evitar a prevenção das autoridades: «O Paiva deu ordem para que no Porto rebente o movimento com algumas horas de antecedência da sua

entrada»649. O mesmo espião revelava a existência de um desentendimento

entre o Porto e a Galiza, que exigia que o «comandante» «entrasse adiante». As fraquezas do movimento externo ficavam claras na exposição deste infiltrado, para quem o exército de Couceiro, composto por setecentos

homens, seiscentas espingardas e duas metralhadoras «quase nada vale»650.

Mas reconhecia que havia um perigo interno para a República e pedia a máxima prevenção nas cidades do Porto, Braga, Guimarães, Monção, Viana

do Castelo, Chaves e Bragança651: «Eles por si nada podem fazer, o diabo é

dentro, dizem que o exército do norte está com eles em grande número»652.

O segundo movimento restaurador, exceptuando os levantamentos da região de Basto e algumas conjuras que as autoridades facilmente dominaram, em Leiria e Torres Vedras, cingiu-se às três colunas da Galiza. As conspirações internas, previstas para Porto, Lisboa, Évora, Guimarães,

648 Cf. AHM, 1.ª divisão, 34.ª secção, caixa 1, pasta 34. Os pontos de entrada não seriam conhecidos por outras pessoas «além do Paiva Couceiro».

649Ibidem, informação de Vigo de 29-06-1912.

650

Ibidem, Informação de Vigo, de 30-06-1912: «Cautela com os elementos de dentro porque isto de cá quase nada vale 700 homens 600 espingardas, diferentes qualidades e feitios 2 metralhadoras 2 kruppe e nada mais vejo. Pouco mais poderá apresentar além do que cito mas estou convencido que não excedem nada. Está tudo marcado para a Entrada ser no dia 2 principiando às 10 horas da noite sem contudo haver pontos definitivos de entrada que seja do conhecimento de pessoas além do Paiva Couceiro. [...]».

651 Ibidem, Informação de Vigo, de 29-6-1912: «O Paiva Couceiro regressou

definitivamente, esteve a noite passada em Caldellos de Tui, e seguiu de madrugada para um lugar chamado Salgueiro próximo de Guizo de Lunia e próximo da Quinta do Eduardo Ceia. [...] Por telegramas seguiram a noite passada e esta madrugada para a Coluna os últimos homens, que aqui estavam sucedendo a mesma coisa em Tui e em Ourense. Por isso, aqui estamos apenas eu, Guilhermino, um tal Pereira e um tal Marques, que devemos ser chamados por telegrama à ultima pelo Sepúlveda, porque fazemos parte do grupo de comando do Sepúlveda, que ainda está em Tui e que deve entrar por próximo de Monção, um ou dois dias depois da entrada de Paiva Couceiro. [...] o ponto de concentração é Braga, e contam com o regimento de Guimarães. O Paiva Couceiro deu ordem para que no Porto rebente o movimento com algumas horas de antecedência da sua entrada, a fim de não haver prevenção, mas os elementos do Porto, parece que queriam que ele entrasse adiante. No Porto o sinal deve ser na Serra do Pilar e consta que os elementos militares do Porto só rebentam quando a serra esteja tomada, portanto mande já prevenção para o Porto, Braga e Guimarães e bem assim Arcos de Monção e Viana do Castelo, e não esqueça Chaves e Bragança».

652Ibidem, informação de Vigo, de 03-07-1912. O mesmo espião informava em 4 de Julho:

«A entrada é entre 5 a 9. Dizem que o Paiva Couceiro vai pelo Minho, e também há quem diga que vai por Chaves ou Bragança. [...] Eu, agora nada mais poderei dizer, estão fulos comigo, por não aparecer no posto».

Elvas, Braga, Almeida, Castelo Branco, Viseu e Figueira da Foz, teriam sido

paralisadas por um telegrama que não chegou à emigração653.

As autoridades tinham organizado linhas de defesa militar nas cidades mais importantes da fronteira, onde contavam com o auxílio de grupos civis,

armados e treinados pelas autoridades militares654. Aos ministérios do

interior e da guerra chegavam entretanto centenas de ofertas de «revolucionários civis» ou simples republicanos dispostos a combater os «aventureiros desse bando foragido, às ordens dos reaccionários criminosos

e dos interesses dos Braganças»655. Eram «verdadeiros republicanos»,

carregados de «acrisolado» amor ao regime, os indivíduos que em algumas cidades de fronteira, como Viana do Castelo, desempenharam tarefas de vigilância durante um ano. Com esta ameaça de incursão, cerca de cento e onze homens pertencentes ao Batalhão de Voluntários de Viana do Castelo, acabaram armados pelas autoridades para proteger locais e infra-estruturas

estratégicas, sob o comando do major António Gonçalves Barreiros656.

Conhecedor do fraco valor das forças de Couceiro, o ministro da Guerra,

Xavier Barreto, regressado ao lugar no governo de Duarte Leite657, informou

entretanto a 3.ª divisão, no Porto, sobre a composição das forças de Couceiro, os prováveis pontos de entrada, para concluir que a «incursão não tem valor militar e deve ser esmagada com rapidez e com graves e

importantes perdas para o inimigo»658.

653 Cf. Carlos Malheiro Dias, ob. cit., p. 63.

654

Cf. AHM, 1.ª divisão, 34.ª secção, caixa 10, pastas 2 e 29.

655 AHM, 1.ª divisão, 34.ª secção, caixa 1, pasta 7.

656

AHM, 1.ª divisão, 34.ª secção, caixa 5, pasta 3.

657 O governo de Duarte Leite, que ficara com as pastas da presidência e do interior, tomara posse em 16 de Junho e era constituído por Francisco Correia de Lemos (justiça), António Vicente Ferreira (finanças), Francisco José Fernandes Costa (marinha), Augusto de Vasconcelos (negócios estrangeiros), António da Costa Ferreira (fomento), Joaquim Albuquerque e Castro (colónias).

658 AHM, 1.ª divisão, 34.ª secção, caixa 1, pasta 6: «Segundo informações recebidas agentes governo na Galiza parece certa incursão desde amanhã e dias próximos. Deverá fazer-se em quatro colunas de pequena forças uma sobre Valença entrando por Monção - outra sobre Chaves - a terceira por Trás-os-Montes, quase pela mesma forma da incursão anterior -a quarta será pela Beira Cidade Rodrigo - sobre Pinhel -Penamacor ou Guarda - A coluna de Valença é comandada por Sepúlveda - a de Chaves por Camacho - a de Trás-os-Montes por Couceiro e a da Beira por Azevedo Lobo- As quatro colunas somarão um total de 800 a 900 homens armados com espingardas de diversos modelos com poucas munições. A coluna de Couceiro parece dispor de duas peças de tiro simples de antiquado modelo. A de Camacho parece dispor de duas metralhadoras. As duas colunas Valença e Beira terão efectivo diminuto contando as de Chaves e Trás-os-Montes com 300 a 400 homens o máximo cada uma. Admitindo que sejam certas as informações a incursão não tem valor militar e deve ser esmagada com rapidez e com graves e importantes perdas para o inimigo. Mandou-se ordem 5ª divisão para enviar urgente Bragança uma divisão de artª 2, com fim de evitar pânico que poderia causar nas nossas forças o aparecimento artilharia do lado inimigo.

No essencial, as informações de Xavier Barreto estavam correctas. A segunda incursão comportava de facto três colunas. Paiva Couceiro entrou com uma coluna por Montalegre, dirigindo-se a Chaves, acompanhado de cerca de 470 homens armados com 360 espingardas mauser, com 120 cartuchos por arma. Havia ainda duas pequenas metralhadoras que não funcionavam e duas peças de artilharia, com sessenta granadas,

comandadas pelo conde de Mangualde e pelo capitão Ferreira.

Desta coluna faziam parte Jorge Camacho e João de Almeida, antigo oficial africanista e governador do distrito de Huíla, em Angola. Chaves era uma praça de grande valor estratégico para os conservadores, como seria sempre um meio propício a conspirações e conflitos. Couceiro escolheu a praça de Chaves porque aparentemente tinha aí «sólidos compromissos»

com o comandante do regimento659. Igualmente conscientes da sua

importância estratégica, as autoridades militares tinham preparado a defesa da praça, com a chegada de um contingente de civis que se havia misturado

com a tropa e a quem fora distribuído armamento e um comando militar660.

Um conspirador informara a Galiza destas contrariedades, mas asseverava a Couceiro que, face à hipótese de neutralidade da guarnição militar, sobrava ainda a possibilidade de um levantamento popular, para o qual havia

«magníficos elementos», mas que precisavam de armamento661. Em Chaves,

o «comandante» haveria de travar um longo combate, durante cerca de 8 horas, na madrugada de 8 de Julho, contra 170 praças de cavalaria 6, infantaria 19 e guarda fiscal, antes de retirar vencido para a fronteira,

levando atrás de si cerca de 30 mortos e 150 feridos662.

Deram-se ordens à 2ª divisão hipótese entrada na Beira. As informações recebidas indicam quase certa incursão por quanto a não se realizar em breves dias o governo espanhol será forçado a internar conspiradores. Com estes esclarecimentos tomará V. Ex.ª providências que julgar convenientes ficando certo que a dar-se incursão nossas tropas mostrarão mais uma vez seu devotado patriotismo e amor às instituições».

659 Francisco Manso Preto Cruz, ob. cit. p. 41; D. José Luís de Almeida (Lavradio), ob. cit., p. 222.

660 AHM, 1.ª divisão, 34.ª secção, caixa 1, pasta 50. Leia-se, igualmente, Maria Teresa de Souza Botelho e Mello, ob. cit., p. 65.

661

AHM, 1.ª divisão, 34.ª secção, caixa 1, pasta 50.

662 Cf. D. José Luís de Almeida, ob cit., p. 222. Uma pequena descrição do combate de Chaves foi realizada no parlamento, nessa noite, onde Correia Barreto leu um telegrama pormenorizado do administrador da cidade, Teodorico Santos Ferreira. Veja-se o Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 08-07-1912 (à noite), p. 3. Sobre o combate de Chaves, pode ler-se Joaquim Leitão, O Ataque a Chaves, Porto, Edição do Autor, 1916; Remédios da Fonseca, Vítor de Meneses, Satúrio Pires, A. Braz, O Ataque a Chaves. Memoria, Paris, 1913; A. Carvalho, A Defesa de Chaves no dia 8 de Julho de 1912, Lisboa, Tip. da Coop. Militar, 1912.

A segunda coluna, comandada pelo capitão Sousa Dias, entrou por Vila Verde da Raia, nas proximidades de Chaves, e era composta por 180 homens, incluindo muitos miguelistas, como o próprio D. João de Almeida, e

estava armada com 180 espingardas Winchester, com 60 cartuchos por

arma663. A coluna devia encontrar-se com o grupo de Couceiro, mas foi

interceptada por um esquadrão de cavalaria 6, uma divisão de artilharia 4 e uma companhia de cem homens de infantaria 19. Para o seu comandante, o objectivo desta coluna era desviar as forças republicanas da coluna de Couceiro664.

O terceiro grupo, constituído por cerca de 150 homens, era comandado por Vítor Sepúlveda e atacou Valença com o objectivo de imobilizar Viana do

Castelo e estabelecer a ligação com Braga665. Esta coluna atacou e ocupou a

estação de caminho de ferro, o posto da guarda-fiscal junto da ponte

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