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Capítulo 3: O ataque neoliberal às conquistas constitucionais de 1988:

3.1 A seguridade social a partir da Constituição Federal de 1988

É predominante na literatura referente à política social no Brasil, o destaque conferido à importância da introdução do conceito de Seguridade Social a partir da Constituição Federal de 1988. Resguardadas, é claro, as contradições que envolvem as diversas análises acerca do tema, a organização da proteção social no país por meio de um sistema inovador, que se destacava pela vocação de universalidade assumida por suas políticas é, consensualmente, um importante marco para a proteção social no país tal como a conhecemos atualmente.

A instituição da Seguridade Social Brasileira, com a Constituição Federal de 1988 trouxe consigo grandes avanços no que diz respeito aos direitos de cidadania garantidos pelas políticas sociais no país. Isso porque inovou ao promover a institucionalização do acesso da sociedade aos direitos de saúde, previdência e assistência social, com base em princípios como universalidade, uniformidade e equidade e no reconhecimento da garantia de tais direitos como obrigação do Estado.

Estado esse, cuja nova constituição definia como democrático e apresentava como responsável por garantir o “exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça” (BRASIL, 2006). Objetivo expresso dessa forma em seu preâmbulo e que a fez tornar-se conhecida como a “constituição-cidadã”.

A cidadania no Brasil chegava a um lugar até então desconhecido, a partir do reconhecimento dos direitos sob uma perspectiva inovadora: a cobertura do sistema previdenciário foi ampliada, alcançando especialmente os trabalhadores rurais, a quem os benefícios ainda eram inacessíveis; a Assistência Social foi reconhecida como política pública; foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), que universalizou o acesso ao atendimento da política de saúde, dentre outras ações

61 que consolidaram a base de um sistema de proteção social com o qual os cidadãos brasileiros ainda não haviam podido contar.

O termo Seguridade Social tem origem anglo-saxônica. Sua primeira utilização foi registrada no documento que instituiu a previdência social americana, o Social Security act, publicado em 1935. Posteriormente, registra-se sua utilização no ano de 1942, no Relatório Beveridge, publicado na Inglaterra sob a intenção de “libertar” as pessoas da condição de pobreza. Esse documento influenciou o reconhecimento da Seguridade Social, por parte das nações Unidas, como um dos direitos fundamentais inscritos na Carta dos Direitos Humanos, publicada em 1948. E por fim, em 1952 passou a vigorar a Convenção nº102 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde a Seguridade Social foi inscrita, de acordo com Delgado et al. (2009, p.22), sob a seguinte definição:

proteção que a sociedade proporciona a seus membros , mediante uma série de medidas públicas, contra as privações econômicas e sociais que, de outra maneira, derivariam do desaparecimento ou da forte redução de seus rendimentos em conseqüência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho, enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e morte, bem como da proteção em forma de assistência médica e de apoio a famílias com filhos.

É esta a definição que costuma conformar a Seguridade Social nos diversos países que ratificam a referida convenção, sendo que em cada um destes, a Seguridade Social vem tendo interpretações e configurações distintas. No caso do Brasil, como já visto, de acordo com a Constituição Federal vigente desde 1988, ela “compreende um conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 2006 p. 127).

O reconhecimento constitucional desses direitos reflete a conquista dos vários movimentos sociais que, à época da constituinte responsável pelo texto em questão, pressionavam para que suas causas fossem contempladas e garantidas como direito. No entanto, é equivocado crer que tais movimentos eram homogêneos ou “empunhavam” as mesmas bandeiras.

O regime de ditadura militar sob o qual o país viveu os vinte e um anos anteriores à promulgação da nova constituição desrespeitou e feriu a garantia de

62 uma série de direitos já reconhecidos por constituições precedentes. Assim, a promulgação da Carta Magna de 1988 sacramentou o processo de redemocratização iniciado no Brasil a partir da década de 1970.

No que diz respeito às políticas sociais, sua existência no regime ditatorial era muito mais no sentido de adquirir apoio popular e legitimar o governo vigente. Entretanto, seu caráter marcadamente excludente acabou por mobilizar a sociedade civil, que passou a organizar-se em movimentos sociais dedicados a lutar pelo restabelecimento da democracia e cuja força incluiu na agenda a questão das políticas sociais, que deveriam ser reconfiguradas, a fim de que se caminhasse no sentido de garantir proteção social, na contramão da repressão vivenciada no contexto da ditadura.

Assim, não se pode ignorar o contexto em que surgiu a estruturação desse sistema de proteção, bem como o fato de que compunha, ainda, o rol de estratégias adotadas na tentativa de superar a crise vivida pelo capitalismo naquele momento. Como bem ressaltam Castro e Ribeiro (2009), a democracia no país era restabelecida e o sistema de políticas sociais em vigor era substituído por um novo, farto de avanços, num momento em que, no contexto mundial, a hegemonia do pensamento neoliberal impunha a diversos países subdesenvolvidos a primazia por um “Estado mínimo”. Dessa forma, diante de tal influência, várias ações da Constituição deram-se, também, no sentido de garantir que os cidadãos contribuíssem com o desenvolvimento econômico do país.

Para os autores

embora a Constituição promulgada tenha sido, ao final, menos avançada e progressista do que parecia ser em alguns momentos ao longo do processo, esta foi, efetivamente, a Constituição possível naquelas circunstâncias, reflexo de uma vontade constituinte que legislou sob a influência de um conjunto de forças heterogêneas e ideologicamente diversas e antagônicas (CASTRO; RIBEIRO, 2009, p. 19).

Apesar disso, é incontestável o quanto se avançou no que diz respeito à proteção social brasileira. A Constituição de 1988 é, inevitavelmente, uma das maiores conquistas da cidadania no país, ainda que desde a promulgação do documento algumas ações necessárias ao sucesso dessa estratégia tenham sido, de certa forma, negligenciadas. Como, por exemplo, a integração da gestão das três

63 políticas sob a responsabilidade de um Ministério da Seguridade Social, o que até os dias de hoje não aconteceu.

Além de poucos avanços no sentido de se institucionalizar a Seguridade Social de forma a articular as políticas que a compõem, sabe-se que ela já surgiu num cenário onde a influência neoliberal começava a ocupar espaço e ameaçar as conquistas por ela representadas.

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