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3. POLÍTICAS EDUCACIONAIS E CURRÍCULO: CONTEXTOS,

3.1 POLÍTICAS E DINÂMICA CURRICULAR

3.1.3 A seleção e a organização curricular

Segundo Lopes e Macedo (2011) na segunda metade do século XIX, os conteúdos e as atividades das disciplinas justificavam-se pela ampliação da memorização e/ou do raciocínio lógico – princípios do ensino tradicional ou jesuítico. Tendo em vista as mudanças econômicas, culturais, sociais e políticas na Europa, (Revolução Inglesa – 1688 e Revolução Francesa – 1779), a expulsão dos jesuítas em 1762 para vigorar uma racionalidade científica

moderna pautada “[...] na liberdade da subjetividade, do livre-arbítrio no pensar e agir do ser humano” (OLIVEIRA, 2016, p. 53), passou a transitar no contexto histórico da civilização ocidental.

No período moderno os fenômenos “Deus e religião” são deslocados para “natureza e ser humano”, assim, no lugar da verdade revelada, entra no processo de construção do conhecimento e do saber científico a força da razão. “Valoriza-se o ser humano e suas diversas dimensões, conforme as posições gnosiológicas: racional (racionalismo), sensitiva (empirismo), social (positivismo) e histórica (marxismo).” (OLIVEIRA, 2016, p. 124).

Na modernidade, o poder está no controle dos/as intelectuais e dos/as cientistas, e esses/as estão a serviço do capital e do Estado. Nesse contexto a educação escolar tem o objetivo de formar os sujeitos para exercerem funções no sistema produtivo social. Assim, a instituição escolar passa a ter domínio da transmissão do saber cientifico e da produção.

Segundo Lopes e Macedo, com o início da industrialização americana (1900), e, com o movimento da Escola Nova no Brasil (1920), considerando a formação dos indivíduos para o mundo do trabalho, a decisão sobre o que ensinar passa a fazer parte da seleção e da organização do currículo. Esse foi o ponto de partida para os estudos curriculares.

Devido a industrialização, a escola torna-se responsável pela resolução dos problemas sociais causados pelos contextos econômicos, políticos, sociais e culturais. Com isso, há uma preocupação pela utilidade dos conhecimentos aprendidos e vivenciados. “Mas como definir o que é útil? Útil para quê? Quais as experiências ou os conteúdos mais úteis? Como podem ser ordenados temporariamente? Por onde começar?” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 21). Para responder a utilidade desses saberes e experiências, diferentes teorias curriculares surgem com o passar dos anos.

Sob influência do comportamentalismo (psicologia) e do taylorismo (administração) no processo de urbanização e industrialização as demandas educativas aumentam já que o setor produtivo necessita de trabalhadores/as com participação na vida política e econômica. Tal preocupação tem a intencionalidade de substituir uma possível ruptura no processo industrial, devido as lutas de classe, por um clima de cooperação. Nesse sentido, a escola e o currículo são considerados instrumentos de controle social.

Segundo Lopes e Macedo (2011) dois movimentos surgem nos Estados Unidos para justificar a elaboração e organização curricular: o eficientismo social e o progressivismo.

O eficientismo social é baseado essencialmente por conceitos da administração escolar, como: eficácia, eficiência e economia; um currículo científico. Bobbitt, em 1918, defende um currículo voltado para preparar o/a estudante para a vida adulta, ativa economicamente, a partir do currículo direto e as experiências indiretas da atividade humana.

Assim, o/a formulador/a de currículo determina as grandes áreas do conhecimento, fragmenta e agrupa em categorias, dando origem aos objetivos do curso. Essa tarefa desempenhada por um conjunto de especialistas demanda escolhas frente a inúmeros objetivos, que variam desde simples habilidades, até posicionamentos que pressupõem embasamento teórico e conceitual.

A partir da identificação dos componentes particulares da atividade de bons profissionais, compõe-se um programa de treinamento, com objetivos selecionados por seu valor funcional, sua capacidade de resolver problemas práticos. Como se pode perceber, o eficientismo social não se refere, em nenhum momento, a conteúdos, ou à sua seleção, deixando de lado mesmo a discussão sobre se haveria alguma disciplina importante para a formação dos alunos. (LOPES; MACEDO, 2011, p. 22).

Assim, os objetivos dos cursos nem sempre coerentes com a resolução de problemas sociais, mas sim, por seu valor funcional e prático, assumem papel central na formação dos/as estudantes. Esse princípio curricular eficientista é visível, até hoje, no ensino vocacional.

Rompendo com o mecanismo de controle social coercitivo eficientista, o progressivismo vê na educação uma possibilidade de diminuir as desigualdades sociais, a partir de objetivos voltados para a construção de uma sociedade realmente democrática.

Os progressistas reconhecem que a distribuição desigual do poder na sociedade é uma construção social, portanto, suscetível à mudança pela ação dos indivíduos e pela educação – que os capacita. Pode-se dizer que essa postura, superficialmente, dá abertura para pensar o currículo em meio a um contexto que separa o objetivo do subjetivo, o conhecimento científico do conhecimento comum.

John Dewey defende os conceitos de inteligência social e mudança, para a superação da distância entre escola e o interesse dos/as estudantes. A aprendizagem por ser considerada um processo contínuo, e não uma preparação para a vida adulta, torna única essa teoria curricular.

A organização curricular é relacionada com as experiências direta da criança - com foco na resolução de problemas sociais. O ambiente escolar por apresentar uma série de

problemas, presentes na sociedade, oportuniza a ação democrática e cooperativa, a apropriação de habilidades e o estímulo à criatividade da criança.

O currículo compreende três núcleos: as ocupações sociais, os estudos naturais e a língua. Os conteúdos – assuntos que se relacionam a problemas de saúde, cidadania e meios de comunicação – deixam de ser o foco da formulação curricular, tornando- se uma fonte através da qual os alunos podem resolver os problemas que o social lhes coloca. [...] Como é importante que todas as experiências da criança tenham unidade, Dewey argumenta que elas devem ser organizadas a partir das mais contemporâneas. Os assuntos escolares surgem de necessidades práticas e apenas posteriormente devem assumir formas abstratas mais avançadas. (LOPES; MACEDO, 2011, 23 - 24).

Ou seja, o currículo não é organizado de maneira fragmentada, mas sim, em um enfoque interdisciplinar no qual os conteúdos (saberes) tornam-se fonte de aprendizagem dos núcleos que contemplam a formação ampla da criança. Os princípios de Dewey embasaram as reformas educacionais no Brasil em 1920, promovidas pelos educadores escolanovistas Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo.

Por haver uma tensão entre a vivência das crianças e dos adultos, Ralph Tyler, em 1949, produz uma abordagem eclética, articulando abordagens técnicas do eficientismo e o pensamento progressivista. Mesmo estando mais próximo do eficientismo, esse modelo perdurou por mais de 20 anos no Brasil e nos EUA. Ou seja, nesse período o currículo apresentava-se fragmentado, dissociado com a formação ampla e humana do sujeito.

O modelo de Tyler, de procedimento linear e administrativo, possui quatro etapas: (i) - definição dos objetivos; (ii) – seleção de aprendizagens apropriadas; (iii) - organização das aprendizagens a partir da eficiência no processo de ensino; (iv) – e, avaliação do currículo.

Além de resolver as questões referentes à seleção e organização curricular, Tyler agrega em seu modelo, algo novo: a avaliação do rendimento do/a estudante para alcançar a eficiência (melhor rendimento com mínimo de erros e/ou prejuízo) na implementação do currículo (LOPES; MACEDO, 2011).

A nova agenda centrada na formulação de objetivos como procedimento curricular tem repercussão até os dias de hoje. Pode-se mencionar como exemplo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb e a Avaliação Nacional de Alfabetização - ANA.

Compreende-se que tanto no eficientismo social, como no progressivismo o currículo assume somente um caráter prescritivo, sendo restrito ao planejamento de atividades, segundo critérios objetivos e científicos (definição, posteriormente, nomeada de currículo formal ou

pré-ativo). Nessa conjuntura, a dinâmica curricular prevê dois momentos: a produção e a implementação do currículo. Mesmo que o progressivismo e a racionalidade tyleriana reconheça a importância da participação dos/as professores/as e dos/as estudantes na construção curricular, a produção é prescrita por um conjunto de especialistas e passa a ser “usada” nas escolas. Se não bastasse, com frequência, os insucessos de tal processo, dissociado da realidade local, regional e nacional, são associados a problemas de implementação (das escolas e dos/as docentes).

Segundo Lopes e Macedo (2011) as teorias curriculares passam a ser criticadas por considerar a escola e o currículo instrumentos de controle social. Fazia-se necessário repensar a finalidade da instituição educativa visto que a escola não forma somente o indivíduo para o mundo do trabalho, ela também passa códigos de como agir em sociedade. Assim, surgem as chamadas teorias de correspondência ou da reprodução, produzidas nos anos de 1970 no campo da sociologia.

As teorias marxistas “[...] defendem a correspondência entre a base econômica e a superestrutura, indo de perspectivas mecanicistas, em que a correspondência é total e exata, a concepções em que a dialética entre economia e cultura se faz mais visível.” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 27). Cabe considerar que essas teorias advêm de um determinado contexto histórico, sendo esse permeado de tensões entre as classes sociais em um período de desafios políticos e sociais devido a produção em massa e a ampliação do trabalho assalariado (2º Revolução Cientifica e Tecnológica).

Em 1971, Althusser sem tratar especificamente da escola, define os mecanismos que o Estado utiliza para a reprodução da estrutura de classes, e, aponta a escola, aparelho ideológico do Estado, como sendo conservadora da estrutura social. Para ele a escola auxilia no modo de produção do sistema capitalista, formando mão de obra com ideologias diferenciadas para a captura das diferentes classes sociais. Sob influência de Althusser, Baudelot e Establet esclarecem como ocorre à diferenciação social no âmbito escolar, e denunciam a falsa garantia de oportunidade a todos que a escola assegura. Em 1976, Bowles e Gintis focalizam a materialidade da ideologia para a função reprodutora da escola. Ambas as teorias possuem um caráter determinista ao relacionar estrutura social e estrutura de produção. Além disso, não analisam com profundidade a escola e o currículo.

Buscando atender, de maneira menos determinista, as questões relativas às relações de classe, Bourdieu e Passeron, em 1970, definem os mecanismos de reprodução social e

cultural. Nesse modelo, a escola naturaliza a cultura das classes médias e esconde através da ideologia seu caráter de classe, o que dificulta a escolarização de classes populares.

A reprodução cultural se assemelha “[...] à reprodução econômica: o capital cultural das classes médias, desigualmente distribuído, favorece aqueles que o possuem e, com isso, perpetua a desigualdade dessa distribuição.” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 28). No contexto atual pode-se agregar a esse capital cultural o machismo, o racismo, a homofobia, a marginalização histórica de grupos indígenas, afrodescendentes, das comunidades tradicionais, dos quilombolas, dos trabalhadores do campo, entre outros grupos sociais.

Considerando as críticas à função reprodutora da escola, a sociologia britânica em 1970, se dedica, especificamente, com as questões curriculares. Michael Young, em 1971, inicia o movimento Nova Sociologia da Educação (NSE), com questões referentes à seleção e a organização do conhecimento escolar.

Diferentemente das perspectivas técnicas, tais questões buscam entender os interesses envolvidos em tais processos, compreendendo que a escola contribui para a legitimação de determinados conhecimentos e, mais especificamente, dos grupos que detêm. A elaboração curricular passa a ser pensada como um processo social, preso a determinações de uma sociedade estratificada em classes, uma diferenciação social reproduzida por intermédio do currículo. (LOPES; MACEDO, 2011, p. 29).

Ou seja, ao se deter aos processos de construção do currículo, esse passa a ser um espaço de reprodução simbólica e/ou material. Assim, abre-se caminhos para estudos voltados para a relação entre conhecimento e currículo, tendo em vista seu potencial de formar o conhecimento (objeto da escolarização previamente definido a partir de interesses de grupos sociais).

No contexto do Brasil, em meados de 1980, evidencia-se a influência teórica de Michael Apple, na medida em que refutava o currículo educacional pautado no tecnicismo e na abordagem tyleriana, próprios do período militar. Em 1985, num processo de redemocratização do país, foram reincorporados aos discursos educacionais e curriculares as perspectivas marxistas. “Retornavam ao cenário as formulações de Paulo Freire, ao mesmo tempo em que Dermeval Saviani lançava as bases da Pedagogia Histórico-Crítica ou, na formulação de José Carlos Libâneo, da pedagogia crítico-social dos conteúdos, [...]” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 30).

Apple aborda a correspondência entre dominação econômica e cultural, no entanto, confirmando a potencialidade do tempo/espaço histórico, em diálogo com as problematizações da Nova Sociologia da Educação, o autor

[...] retoma os conceitos de hegemonia e ideologia como forma de entender a ação da educação na reprodução das desigualdades, rejeitando perspectivas excessivamente deterministas. De Bourdieu e Passeron, traz a ideia de que nas sociedades capitalistas não apenas as propriedades econômicas, mas também as simbólicas (o capital cultural) são distribuídas de forma desigual. (LOPES; MACEDO, 2011, p. 30).

Com relação ao capital simbólico Apple, ao articular reprodução com produção, afirma que instituições como a escola, ajudam a manter a desigualdade social, ao produzir em seu interior, mecanismos de dominação nas práticas educativas. Ou seja, além do fator econômico, as contradições sociais e políticas, presentes nas experiências e vivências dos sujeitos da escola, também estão envolvidas nas desigualdades.

Ao articular as práticas educativas com o conjunto de crenças, normas e valores que são partilhadas por um grupo determinado ou pela classe dominante, Apple busca entender como as contradições sociais, são [re]criadas nos currículos escolares (ênfase pouco dada pelos reprodutivistas).

Ao conciliar as interações cotidianas, o “conhecimento oficial” pautado no currículo, e a ação do/a docente ele identifica como as relações de classe se reproduzem econômica e culturalmente pela/na escola. Para isso, ele reformula o conceito de currículo oculto, afirmando que subjaz ao currículo formal um currículo oculto, “[...] em que se escondem as relações de poder que estão na base das supostas escolhas curriculares, sejam elas em relação ao conhecimento [...], sejam no que diz respeito aos procedimentos que cotidianamente são reforçados pelas ações curriculares.” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 32).

Libâneo, Oliveira e Toschi (2012) elencam três níveis de currículo, e os sintetizam da seguinte maneira:

O currículo formal ou oficial é aquele estabelecido pelos sistemas de ensino, expresso em diretrizes curriculares, nos objetivos e conteúdos das áreas ou disciplinas de estudo. Podemos citar como exemplo os parâmetros curriculares nacionais e as propostas curriculares dos estados e dos municípios.

O currículo real é aquele que de fato acontece na sala de aula, em decorrência de um projeto pedagógico e dos planos de ensino. É tanto o que sai das ideias e da prática dos professores, da percepção e do uso que eles fazem do currículo formal, como o que fica na percepção dos alunos. Alguns autores chamam de experienciado o currículo tal qual é internalizado pelos alunos. É importante ter claro que, muitas

vezes, o que é realmente aprendido, compreendido e retido pelos alunos não corresponde ao que os professores ensinam ou creem estar ensinando.

O currículo oculto refere-se àquelas influências que afetam a aprendizagem dos alunos e o trabalho dos professores e são provenientes da experiência cultural, dos valores e significados trazidos de seu meio social de origem e vivenciados no ambiente escolar – ou seja, das práticas e experiências compartilhadas na escola e na sala de aula. É chamado de oculto porque não se manifesta claramente, não é prescrito, não aparece no planejamento, embora constitua importante fator de aprendizagem. (p. 490).

Através desses níveis, entende-se a dimensão ética, cultural, psicossocial e política, que o currículo ocupa nas práticas pedagógicas e nas situações de escolarização, ao incorporarem, com maior ou menor ênfase, os procedimentos pedagógicos, as relações e os valores sociais, culturais e identitários dos diferentes grupos humanos e sociais presentes no cotidiano escolar.

Diante da amplitude do currículo, não mais como simples processo de transmissão de conhecimentos e conteúdos, mas como experiências e práticas concretas, construídas por sujeitos imersos em relação de poder, as teorias da resistência passam a denunciar o aprisionamento da consciência da classe trabalhadora.

Na tentativa de mudar a história do sujeito, inviabilizada pelas teorias da correspondência/reprodução, a resistência devolve ao sujeito a possibilidade de mudar a sociedade através da emancipação e da consciência crítica.

Não há como desprezar as contribuições de cada autor mencionado nesse texto, cabe analisar em que contexto histórico, social, político e econômico eles estavam para no momento atual, agregar às nossas inquietações os apontamentos que ainda persistem na produção curricular e na sociedade.

3.1.4 Uma releitura do currículo diante de seu caráter histórico, político, social e