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A Situação Atual

No documento Tese (são Definitiva) (páginas 80-83)

Capítulo I – Quadro Teórico de Referência

5. Brincar no exterior

5.1 A Situação Atual

Enquanto futura educadora, e através das diversas experiências vivenciadas em contexto nas quais tive a oportunidade de desempenhar o papel de observadora- participante, mas também nas minhas constatações no dia-a-dia da sociedade em que estou inserida, contemplo que os espaços exteriores (recreios, parques), espelham o que julgo ser a conceção da sociedade, no geral, de espaço educativo e, inevitavelmente, do conceito de criança, do seu desenvolvimento, do conceito de educar e de todos os aspetos inerentes à educação e desenvolvimento da criança, neste caso, em creche e jardim-de- infância.

Esses espaços exteriores/parques revelam uma “sociedade do betão/cimento”, dos indivíduos, dos espaços impessoais, sem personalidade, sem contexto, da norma, da “igualdade” em contraste com a sociedade das pessoas, do contexto, da diferenciação. Espaços exteriores esquecidos, sem uma preocupação notória, tanto por parte da instituição como por parte da equipa pedagógica. Espaços interiores “fechados para dentro” de si próprios.

Formosinho defende que devemos “[…] considerar que o espaço pedagógico não

se encerra nos muros, janelas e portas das construções escolares” (Formosinho,

2011:15). O espaço pedagógico é muito mais que isso… É interior e exterior, é a sua relação dialética e complementar.

“A sala de uma escola infantil não pode ser, nunca, um espaço fechado em si mesmo. […] As salas nem sequer deviam ter paredes cerradas, mas sim grandes janelas que abrissem para o exterior” (Zabalza, 1992:132). É preciso “criar transparência, relação entre o interior e o exterior, diluindo fronteiras, […] ampliar o […] espaço de fazer educação […]. Contacto, por vezes quase fusão, inspira o ser e o aprender. Facilita as integrações que caracterizam uma pedagogia holística” (Formosinho, 2011:14).

Se valorizamos realmente o brincar, temos de conceber a zona de exterior de

recreio/parques como “um prolongamento importante do ambiente interior de

nuvens, vento, temperaturas quentes ou frias e alterações de luminosidade. […] Podem correr, atirar, espernear, trepar, baloiçar e cavar; encontram plantas, animais e insetos para examinarem minuciosamente. […] Riquíssimo em vistas, texturas, sons, cheiros e oportunidades para movimento, o espaço exterior de recreio alarga em muito o repertório das experiências sensoriomotoras das crianças” (Post e Hohmann, 2011:161).

Nesse sentido, Brock defende que a frequência das crianças no espaço exterior

“não deveria acontecer apenas no verão – o acesso ao espaço externo precisa existir durante todo o ano” (Brock et al., 2011:153). Dessa forma, as crianças poderiam

presenciar as diferentes estações do ano, as diferentes temperaturas, as diferentes condições meteorológicas e os fenómenos naturais a elas associados.

Muitas das vezes presenciamos ou temos conhecimento de explicações, por parte das educadoras, em relação à temática das estações do ano. Explicações estas, muitas das vezes, desprovidas de significado. Haverá melhor maneira de as crianças darem sentido à temática do que sentirem e cheirarem a terra molhada, pisarem as poças formadas pela chuva, testemunharem as árvores a ficarem “despidas”, saltarem e rebolarem nos montes de folhas caídas, sentirem o vento na cara, o calor do verão, o corpo a transpirar, os frutos a crescerem nas árvores, … “A criança desvenda a natureza, descobrindo as

características sensoriais das matérias-primas (água, terra, areia, neve, etc.) e o funcionamento dos seres vivos (animais, insectos, vegetais). […] Este contacto com os elementos naturais enriquece a experiência da criança; é um contacto com a vida!”

(Ferland, 2006:60).

Para além da realidade encontrada nos contextos educativos de creche e jardim-

de-infância da atualidade, no que concerne aos espaços exteriores (recreios), “diversos

estudos indicam que a mobilidade das crianças tem vindo a diminuir devido a vários fatores, nomeadamente o crescente urbanismo, a inadequação de espaços para brincar nas grandes cidades, o aumento do tráfego automóvel, as exigências profissionais dirigidas às famílias, bem como os receios dos pais e profissionais de educação”

(Figueiredo, 2010:35).

Atualmente “assistimos progressivamente ao confinamento da infância a espaços

sociais condicionados, arquitetados e controlados pelos adultos” (Vale, 2013:11),

postura de supervisão constante em relação às crianças, a antecipar e a evitar o perigo: “-

Não faças isso que podes cair”, “-Cuidado (com isto, com aquilo e aqueloutro) ”, “Vais-

te magoar”, entre tantas outras. Com esta atitude, fazemos as crianças crerem “que é

desejável que vivam num ambiente quase asséptico: assim, sob o pretexto de que está sujo, proibirão a criança de agarrar numa minhoca, de comer um tomate acabado de colher da horta, depois de o ter esfregado na roupa, ou de trazer objetos do exterior (pinhas, folhas, rochas, etc.) para compor o seu tesouro” (Ferland, 2006:36).

De facto uma das grandes preocupações quer dos profissionais de educação, quer das famílias, prende-se com a necessidade de segurança, de higiene, da saúde e organizam-se situações, protegem-se as crianças muitas vezes em torno desses aspetos de uma forma por vezes exagerada criando condicionalismos ao brincar, ao crescer e ao

aprender de uma forma integral. “As questões da defesa, proteção e segurança da criança

vieram ao de cima, sobrepondo-se, ou mesmo limitando, o seu natural interesse pela exploração” (Vale, 2013:11), nesse sentido, privamos as crianças de agir em “espaços menos normalizados, menos assépticos, ou seja, potencialmente perigosos” (Vale,

2013:11), onde as crianças têm o privilégio de serem mais autónomas, “livres”, de arriscarem, de se emanciparem e de se decentralizarem do adulto. Desta forma,

transmitimos uma ideia das crianças como “seres biologicamente imaturos,

culturalmente ignorantes, socialmente incompetentes, moralmente irresponsáveis, cognitivamente irracionais” (Ferreira e Sarmento, 2008:65), incompletos.

Contudo, no seu dia-a-dia, “as crianças não vivem numa redoma, os riscos e os

perigos existem onde menos se espera e nos lugares menos suspeitos” (Vale, 2013:12).

Se o nosso conceito de criança é um ser com direitos, competente, “ativa,

inventiva, envolvida, capaz de explorar, curiosa” (Kishimoto e Pinazza, 2007:281), “um ser totalmente provido de humanidade: um ser curioso, que pensa, que fala, que sente, que cria, que constrói, que se defende e que interage na sociedade em que vive”

(Kishimoto e Pinazza, 2007:163), “um ser histórico-social, um ser afetivo, um ser

inteligente e criador de cultura como o adulto, artífice de seu próprio desenvolvimento e saber. […] que adquire os conhecimentos como alguém que está imerso na realidade e que participa intensamente no quotidiano” (Kishimoto e Pinazza, 2007:163).

Se o nosso conceito de prática pedagógica parte da escuta, atenção e da observação

contínua da criança “para transformar a ação pedagógica em uma atividade

compartilhada” (Kishimoto e Pinazza, 2007:7) de acordo com os seus interesses,

necessidades específicas, motivações, saberes, intenções, desejos, do aprender fazendo,

aprender a ser, sendo, da expressão, num clima de apoio, “que inclua um vasto leque de

experiências diversificadas, através da materialidade e organização do espaço, […], proporcionando-lhe novos e múltiplos tipos de vivência, a fim de descobrir e captar gradualmente o sentido do que a rodeia” (Esteves, 1998:118).

Então, torna-se “importante equacionar a (in) segurança como objeto educativo,

proporcionando espaço e tempo pedagógico às crianças (e adultos) para aprenderem a lidar com os riscos e os perigos, promovendo a sua autonomia, independência e relações interpessoais. Aprender a conhecer os perigos e os riscos lidando com eles ensina a criança a proteger-se, a conhecer os seus limites e a avaliar o ambiente que a cerca, levando-a a agir de modo mais controlado perante novas situações […]” exercitando a “[…] arte de lidar com os riscos e não de os evitar” (Vale, 2013:13).

Segundo Dempsey e Frost (2002), citando Smith (1990), “os recreios “são

caracterizados por uma atitude menos diretiva por parte dos adultos do que nos contextos interiores, isso torna-os especialmente significativos na experiência das crianças”

(Dempsey e Frost, 2002:707). Por isso, deixemo-las “voar, brincar sem teto” (Vale,

2013:11).

No documento Tese (são Definitiva) (páginas 80-83)

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