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O fenômeno do trabalho, nos últimos anos, parece indicar um movimento de busca no sentido de compreender a sua evolução, a partir de perspectivas mais abrangentes, sopesando-se outras esferas de análise que encontram guarida no âmbito do espaço empresarial, como indica a emergência da temática empreendedora. A referida temática fornece os subsídios para uma eficaz compreensão da lógica do processo produtivo e da organização do trabalho, assim como uma melhor compreensão da intrincada realidade do mundo do trabalho.

O destino dos trabalhadores relacionava-se diretamente ao destino da relação salarial, em um passado recente da história do trabalho (COCCO, 2000; FERREIRA, 1999). Contudo, passou-se a anunciar, por alguns doutrinadores, na última década, o fim dos empregos e, em contrapartida, o estímulo à carreira por conta própria (RIFKIN, 2004), ratificando no trabalhador a responsabilidade em administrar as transições tanto na vida pessoal como na carreira profissional.

Nesse sentido, para garantir controle, eficiência e competitividade máximos é engendrado, a partir do momento em que a “cultura do empreendedorismo” começa a ganhar visibilidade, um código de valores e condutas no sentido de orientar a organização das atividades. Diante disso, WOOD JR. e PAES DE PAULA (2002) pontua o surgimento da cultura do management, mediante o desenvolvimento de um novo imaginário organizacional e social.

Ainda sob a análise de WOOD JR. e PAES DE PAULA (2002) observa-se que é disseminada, em larga medida, sobretudo no tecido social, bem como é compartilhado nas empresas, um arranjo de pressupostos que reside no bojo do fenômeno supramencionado. Os referidos pressupostos estão relacionados à crença em tecnologias gerenciais que permitem racionalizar as atividades organizadas nos grupos; a crença numa sociedade de mercado livre; ao culto de símbolos e figuras emblemáticas, com palavras de efeito (inovação, sucesso, excelência) e ênfase aos gerentes heróis; ao culto da excelência como forma de aperfeiçoamento individual e coletivo e a visão do indivíduo como auto empreendedor.

Constitui-se como ponto central na gestão moderna a incorporação da cultura da mudança nas empresas e mais do que a adoção de uma nova técnica, a mudança em si envolve estar preparado, aceitá-la sem conflitos, com rapidez, agilidade, manipulá-la como algo natural sem o desgaste do poder, tornando-a ação e prática social no interior das empresas.

Nesse processo, os enunciados do poder vão sendo sofisticados, as ordens vão saindo de cena para dar lugar às regras. O objetivo é a identificação do indivíduo com a empresa, através da imposição de um quadro de referências a ser absorvido como um conjunto de valores, garantindo a adesão, não apenas aos objetivos formulados, mas à habilidade de alterá-los em função de resultados desejáveis.

Desta maneira, existe uma forte tendência na redução quantitativa do trabalho assalariado estável, com direitos jurídicos, reconhecidos na legislação trabalhista, sendo anunciado por ANTUNES e SOTELO (2003) que, na verdade, o que se tem é uma nova configuração do mundo do trabalho em que há uma extensão de novos proletários, que trabalham em tempo parcial, terceirizados ou precarizados.

A partir do exemplo da prática empreendedora, pode-se supor que o trabalho assalariado se reconfigura em outras possibilidades de ação produtiva. Encontra-se fortemente presente, no sujeito empreendedor, as tendências contemporâneas mais marcantes como o convívio com a incerteza, a flexibilidade, a individualização. Tornando-o emblemático como modalidade de emprego e de trabalho, ao ponto de muitos gestores enxergarem no empreendedorismo uma espécie de modelo do trabalho na sociedade informacional.

Existe uma ideia geral, observada por PAIVA e CORDEIRO (2002), de que a função social de identificar oportunidades e convertê-las em valores econômicos é tarefa a ser desempenhada pelo empreendedor. Mediante a introdução de inovações

que criam valor para os indivíduos empreendedores e para a sociedade, a referida linha de pensamento compreende o empreendedorismo enquanto processo causador de mudanças no sistema econômico, ocorrendo em diferentes cenários. Busca-se, segundo alguns, para além do herói mitificado neoliberal (OGBOR, 2000), compreender a figura do trabalhador empreendedor. Apresenta-se o empreendedor como indivíduo relacional, isto é, que tem no outro seu ponto de fortalecimento para a inovação, sendo elucidada por PAIVA (2004) a natureza do fenômeno empreendedor como coletiva.

Logo, emerge a concepção de um ator social capaz de tomar decisões, com habilidades no gerenciamento e mobilização de recursos, comunicação e na resolução de problemas. Diferentemente da perspectiva do trabalho como uma atividade cada vez menos coletiva, do mito do trabalhador atomizado e isolado. Nesse sentido, parte-se da visão de que o indivíduo empreendedor engloba, na sua ação, uma visão reflexividade, estratégica, e de aprendizagem (PAIVA, 2004).

O empreendedor, visando o estabelecimento de parcerias e aproveitando as oportunidades, procura relações complementares em outros empreendedores. Com isso, buscando-se a formação de uma rede de atores confiáveis que forneçam os subsídios necessários para o reconhecimento das oportunidades com seus respectivos estoques de experiência.

Contudo, percebe-se uma aparente contradição no sentido de que para trabalhar em empreendimentos competitivos imersos no capitalismo flexível e globalizado, a conotação do empreendedor como um ser autossuficiente parece não atender ao perfil dessas empresas. Têm de conviver, paralelamente, a iniciativa e a autonomia com a dependência da função, evolução e comportamentos de outros segmentos da organização.

Portanto, seguem-se as transformações organizacionais e culturais das unidades de produção, ocorre determinada adaptação aos ambientes de apoio e às estruturas de acesso as informações, estruturas de mercado e, mudando no mesmo ritmo, as estratégias de outros membros das organizações.

A partir de uma configuração social, os indivíduos conectam-se a uma maior gama de informações, conhecimentos e abertura de novas oportunidades a baixo custo (GRANOVETTER, 1995), através da geração de múltiplos laços.

Consoante CASTELLS (1999), exige-se, no que tange a natureza do trabalho, em setores de ponta, interação constante e processamento de informação entre

trabalhadores, entre trabalhadores e administração e entre os seres humanos e a máquina, bem como autonomia e responsabilidade dos trabalhadores, cooperação e trabalho em equipe. Ainda no rastro de CASTELLS (1999), numa área que se quer inovadora põe-se em prática, em todo instante, decisões em um ambiente sistemático, tornando-se uma força cada vez mais concreta.

A crescente interdependência da força de trabalho, uma vez que os trabalhadores que estabelecem conexões por iniciativa própria lidam com um novo método de gerenciamento flexível, tornando indispensável às conexões, por exemplo, na comunicação de sugestões mútuas ou no conhecimento tácito.

Tem-se como umas das principais fontes de inovação o conhecimento tácito (SCHON, 1987), sendo transmitido e desenvolvido por meio de uma rede de interações, troca de experiências pessoais e é considerado diferencial básico de competitividade, encontrando-se associado a contextos organizacionais e territoriais específicos. As interações locais na produção e a difusão do conhecimento tácito, nos estudos desenvolvidos por ALBAGLI e MACIEL (2005), demonstram ser uma fonte potencializadora de inovação e competitividade nos arranjos e sistemas produtivos e de inovação locais.

Portanto, surgem mudanças na natureza das relações de trabalho, isto é, na seara das transformações nas relações produtivas no mercado de trabalho e, por conseguinte nas competências exigidas dos trabalhadores inseridos nesse contexto. Assim, nas atividades que requerem autonomia, iniciativa, responsabilidade, comunicação ou intercompreensão (HIRATA,1996), afigura-se clara a emergência. Nesse sentido, homens e mulheres, que preteritamente eram concebidos como simples recursos, passam a ser protagonistas na construção e funcionamento de uma nova realidade organizacional. São postas a trabalhar suas mentes e emoções (COCCO, 2000; LAZZARATO & NEGRI, 2001). Invoca-se agilidade, bem como que riscos sejam assumidos de forma contínua, além de que se estejam sempre abertos a mudanças no curto prazo, dependendo-se cada vez menos de leis e procedimentos formais (SENNETT, 1999).

3. A AUTONOMIA DA VONTADE E SUAS RAMIFICAÇÕES NO DIREITO