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A SOLIDARIEDADE PASSIVA COM FUNÇÃO DE GARANTIA

4. SOLIDARIEDADE PASSIVA COM FUNÇÃO DE GARANTIA E INSTITUTOS AFINS: UM COTEJO NECESSÁRIO

4.2 A SOLIDARIEDADE PASSIVA COM FUNÇÃO DE GARANTIA

Assim, percorrido o pantanoso terreno das figuras de garantia, sejam as típicas ou atípicas, e assentados na premissa de que é possível conferir às figuras que não tiveram na sua criação a intenção - ao menos expressa e nítida - de funcionar como garantia, esta especial função, finalmente chegamos ao ponto crucial da investigação: a solidariedade a funcionar especificamente como reforço do direito de crédito115.

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114 JANUÁRIO GOMES alarga tanto o conceito de solidariedade, contido no artigo 512o, 2 que admite a existência de solidariedade com acessoriedade, na medida em que sustenta a existência de obrigações solidárias com benefício de excussão, op. cit.,p. 268- 269. E tal afirmativa é feita ao verificar que, em sendo possível que as obrigações dos co- devedores estejam sujeitas a termo ou condições distintas, não haveria razão para não se admitir que uma delas esteja sujeita ao benefício da excussão, da mesma forma que a expressão “termos diversos” contida no n. 2 do 512o autorizaria a existência de obrigações solidárias com acessoriedade. A nosso sentir, embora amplo, o artigo 512o não permite a criação de tais figuras, posto que devem estas se adequar ao esquema de funcionamento da solidariedade para que sejam consideradas obrigações solidárias. Do contrário, no plano prático, as figuras se aproximariam mais a outros institutos jurídicos, e a própria fiança está aí incluída, que não podem ser taxados de solidárias, quando muito a elas aplicam-se as normas da solidariedade.

115 JANUÁRIO GOMES, op. cit, p. 101: “Apesar de não ter sido delineada como garantia, é de admitir, mas não sem reservas, que os intervenientes na operação de crédito, naturalmente por impulso do credor, a “utilizem” como alternativa v.g, à fiança, caso em

MENEZES LEITÃO116 já na primeira frase dedicada ao instituto o apresenta como “Outra garantia pessoal das obrigações vem a ser a solidariedade passiva”. E prossegue, especificamente quanto ao caso de ser a solidariedade estipulada como garantia, a afirmar que

A função de garantia da solidariedade passiva pode ainda ser reforçada na hipótese de nas relações internas apenas um devedor responder pela dívida, respondendo, porém, os outros nas relações externas. Trata-se da chamada solidariedade em garantia, em que essa função é ainda mais visível.

PAULO CUNHA qualifica a solidariedade passiva como uma garantia pessoal recíproca, na medida em que cada co-devedor responde, frente ao credor, pela sua quota parte na dívida e também pela parte dos outros devedores117.

BARASSI118 chega mesmo a afirmar que a função de garantia da solidariedade se revela como a razão de ser do instituto, sendo seu elemento intrínseco. E aduz:

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! que, no dizer expressivo de HECK, o credor fica na posição de um “pachá jurídico”, atenta a posição confortável em que fica investido. (...)”. Sobre o tema, o Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se manifestar, quando do julgamento do processo n. 068643, relatado pelo Desembargador Amaral Aguiar, cujo acórdão data de 28 de julho de 1981, ocasião em que se levantou o debate acerca da existência de solidariedade quando um dos devedores internamente nada deve (como no caso paradigma). Assim se manifestou, com razão, num caso envolvendo a possibilidade de chamamento a demanda em ação cambiária proposta contra o sacador da letra. Vejamos um trecho: “(...)E, assim, o artigo 524º do Código Civil não se opõe ao que se permite no seu artigo 516º, mas tão-somente regula o caso mais vulgar de a solidariedade na obrigação respeitar a vários devedores com comparticipações diferentes ou iguais na dívida. Não se vê, pois, qualquer razão para que o conceito legal de solidariedade, acima definido, não compreenda também o que vem sendo chamado de solidariedade imperfeia, ou seja, quando só um dos devedores responsáveis é o principal devedor, isto é, quando um só deles, nas relações internas, deve suportar o encargo da dívida em sua totalidade. Pode haver nessas relações várias nuances na sua regulamentação, mas o conceito de solidariedade é só um, o do artigo 512, n. 1, do Código Civil, e, como vimos, abarca as dívidas cartulares ou cambiárias e outras, ou seja, aquelas que da relação jurídica existente entre vários devedores resulte que um só deles deve suportar o encargo da dívida total – artigo 516, parte final, do Código Civil. (...) E também não há, como nos parece evidente, quaisquer razões que imponham uma interpretação restrivia deste preceito processual, dado que o chamamento a demanda tanto se justifica num caso como no outro [...]”.

116 MENEZES LEITÃO. op. cit., p.165. 117 CUNHA, Paulo. op. cit., p. 19 ss.

118 BARASSI, Lodovico. La Teoria Generale Delle Obligazione, v. 3, 2ª ed., Milano: Giuffre,1948, p. 213 e ss.

È probabile che questo risultato non fosse ben chiaro nella mente

dei compilatori del cod. Nap. Ma non è dubbio che l´idea di um vincolo reciproco di garanzia che lega i membri del gruppo anche di fronte all´altra parte, e non come un fatto puramente interno del grupo (questo è ciò che più importa), penetrò largamente nella dottrina del diritto comune.

É a solidariedade passiva, portanto, considerada por diversos autores, a exemplo de ROMANO MARTINEZ, uma garantia pessoal quando acordada neste sentido119. Permita-nos transcrever a seguinte passagem da sua obra:

A solidariedade passiva, sendo uma modalidade de obrigações, pode valer como garantia na medida em que aumente a segurança de pagamento ao credor. Não se trata de uma típica garantia de cumprimento das obrigações, mas de um acordo que pode ter esse efeito.

Importa destacar a seguinte discussão da doutrina: se na solidariedade passiva em garantia há que se ter sempre presente um interesse econômico da parte do devedor garante. Isso porque, normalmente, nos casos como o aludido (paradigma), são familiares ou pessoas próximas que, na praxis, intervém como garante (devedor secundário), a fim de auxiliar o devedor originário na obtenção do crédito junto à instituição bancária.

Autores alemães, a exemplo de REIFNER120, entendem que o requisito seria essencial para a própria configuração da relação de solidariedade. Do contrário, faltando o requisito do interesse econômico, reconduzir-se-ia à figura da fiança. Afirma o autor que seria irrazoável prejudicar a parte com a cláusula de solidariedade quando a mesma circunscreve direitos essenciais que o obrigado teria como fiador, como sejam os relativos à forma e as exceções.

Para nós, nas obrigações negociais, o interesse em jogo depende da autonomia privada, cf. MENEZES CORDEIRO121. Ou seja, não é necessário interesse econômico, mas antes algum interesse, seja ele de que natureza for. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

119 ROMANO MARTINEZ, Pedro. op. cit., p. 255.

120 REIFNER apud JANUÁRIO GOMES, op. cit., p. 101, nota 417.

121 MENEZES CORDEIRO, Op. Cit., De um princípio que já foi quase que absoluto, contemporaneamente a autonomia da vontade possui diversas restrições, seja em decorrência da imperiosa consecução de interesses sociais, seja em razão da sua necessária consonância com os demais direitos fundamentais previstos na Constituição. Como vimos, no entanto, há campos nos quais ainda hoje a autonomia da vontade

Com efeito, desde que o devedor garante assuma a posição de devedor em igualdade de condições com os demais, e por livre vontade – seja por razões meramente altruístas ou não -, e estando ciente de que está se obrigando como devedor solidário (e não como fiador), nada há que impeça o acordo entre as partes.

Pode ocorrer, por exemplo, de o devedor B ser credor do devedor C em outra obrigação e o último assumir o pagamento solidariamente com ele da dívida frente ao credor A. Pode acontecer, ainda, de serem sócios em outros negócios e interessar ao devedor C (garante) a realização daquele negócio jurídico. Ou, ainda, podem ser parentes próximos e não haver interesse econômico algum.

Como já vimos, nesta seara vigora o princípio da ampla liberdade contratual, e as partes – nesse contexto – são donas absolutas das suas próprias vontades, podendo convencionar o que melhor lhes aprouver, seja criando novos instrumentos, seja aproveitando aqueles já existentes com função diversa da prevista em lei.

Na mesma linha, também JANUÁRIO GOMES 122, com acerto, sublinha:

Acresce, no que à solidariedade passiva em garantia concerne, que a erupção negocial de mecanismos de garantia pessoal à margem do modelo clássico de fiança – com destaque para as garantias bancarias autónomas e as cartas de conforto – sendo, de per si, já um sintoma e manifestação da insuficiência do modelo positivo, “empurram” os sujeitos privados para a “invenção” de novas formas de garantia, dando assim resposta às novas realidades e necessidades que surgem na vida.

Dessa forma, continua o autor a defender que não há razão para que se proíba a utilização da solidariedade passiva como garantia, afastando o muro

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! aparece com muita força. É esse o caso dos direitos das obrigações, eminentemente de cunho patrimonial privado.

divisório entre solidariedade e fiança que alguns autores alemães insitiram em traçar.

Passamos, então, à análise das normas legais que se devem aplicar ao caso em estudo (paradigma).

4.3 REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À SOLIDARIEDADE PASSIVA COM FUNÇÃO DE