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3 QUANDO A ARTE APORTA NA ESCOLA

3.1 A TEMPESTADE

“Pesquisar é um ato cognitivo, porque ele nos ensina a pensar num nível mais elevado (Kincheloe, 1997, p.179).” Neste contexto, tentei exercitar os objetivos desta pesquisa por intermédio de um processo metodológico que pudesse me ajudar a ir mais longe na visão da arte inserida nos processos escolares. Por meio dessa construção, busquei reconhecer a minha própria imagem, lançada nas bases da pesquisa e resgatar meus desejos na forma de troca com outros navegadores.

Espero poder ter avançado com eles, identificando aspectos da ordem social dominante que tentam impedir nossa conquista emancipatória e melhorando a prática diária de alunos e professores da escola envolvida na metodologia dessa dissertação. Desta forma espero ter avançado também na conquista de meu espaço como artista, professora e pesquisadora, como parte de minha própria educação contínua, num espelhamento de minha própria prática pedagógica.

Em consonância com os objetivos dessa dissertação, que tratam de perseguir como a arte se insere na escola, o alvo de minha investigação foram os professores, a partir do sentido que eles dão para as práticas pedagógicas. Introduzi no cotidiano de professores, experiências artísticas, em uma perspectiva crítica, de libertação de corpos e mentes, baseada na construção da relação dos atores da escola..

Buscando identificar o que eles pensam sobre arte, e como ela se enquadra na relação professor-aluno, entrevistei professores que trabalham em uma escola da cidade de Londrina, Paraná, na qual coordenei e desenvolvi, à convite da instituição, um projeto que visa oportunizar o aprimoramento dos conhecimentos dos professores, por meio da pesquisa aplicada à prática pedagógica .

A instituição escolhida foi uma escola de 1° e 2° graus, situada próxima à área central da cidade. Essa escola, na verdade, “me escolheu”, em virtude do convite por parte dos professores e da direção para a coordenação do projeto denominado “Vale Saber”.

Esse projeto é iniciativa do governo do estado do Paraná e é um componente do Programa de Formação Continuada desenvolvido pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná, através da Universidade do Professor. O objetivo é “financiar projetos que reforcem o aprendizado do aluno no que é mais importante: suas habilidades de comunicação, uso ágil das quatro operações e busca independente de conhecimentos.”3

Nessa escola, os professores propuseram um projeto de encenação de peças teatrais escritas por autores brasileiros. Foram aliados conteúdos das disciplinas de Literatura, Língua Portuguesa, Redação e História para a montagem de um espetáculo de teatro. A peça foi resultado de uma colagem de trechos de textos clássicos brasileiros, relevantes para sua época e que fossem interessantes tanto como obra literária quanto como cenicamente. A escolha dos textos foi feita entre alunos e professores.

Assessorei diretamente os educadores, criando espaços de acompanhamento do pensar, discutindo temas como o conceito de arte; estética; prática pedagógica; interação professor-aluno e experiências com processos artísticos. Com o intuito de construir uma criação coletiva, elaborei vivências de processos corporais, vocais e de improvisação.

Paralelamente ao processo de criação da peça teatral, foram coletados depoimentos, a partir de entrevistas semi estruturadas e através de relatos escritos. Os depoimentos foram gravados, transcritos e submetidos à analise de conteúdo. Foram realizadas também observações participativas nas salas de aula, durante os ensaios. A leitura dessas impressões foi sistematizada por meio da análise de depoimentos durante a realização do projeto.

Inicialmente, a intenção era montar uma peça teatral com cada grupo de alunos envolvidos. Como o projeto teve a participação de seis professores atuando em dois turnos, em turmas de 4ª a 8ª série, essa idéia foi descartada já nos primeiros encontros. Posteriormente, os professores concordaram em fazer uma só montagem, com a participação de todos. E a dúvida que surgiu foi sobre qual texto escolher. Antes que houvesse um acordo, os professores consultaram suas turmas para saber do interesse dos alunos.

Durante as vivências com os professores foram surgindo as práticas a serem utilizadas em sala de aula, sem que eu interferisse na relação dos professores com os alunos. A partir da análise ativa que os professores fizeram durante o processo eles geraram seus próprios métodos de trabalho junto aos grupos de alunos envolvidos na montagem. Em conseqüência a esse processo, aos objetivos iniciais do projeto Vale Saber foram incorporados as reais condições existentes nessa relação em sala de aula e a idéia de se montar um só texto se tornou inviável, em decorrência da impossibilidade dos alunos quanto aos horários de ensaio.

A participação de alunos dos dois turnos e a concordância em não excluir nenhum participante do projeto mudou a rota inicial pretendida.

A solução encontrada pelo grupo foi trabalhar um texto em cada turma, o que gerou um novo problema: qual seria a forma de agrupá-los em um só espetáculo? A decisão foi pela escolha de um tema único para o qual convergiriam todos os textos. Esse tema seria o conflito da adolescência, que toma novas formas, no entanto se repete. Isso ajudou na escolha da obra literária, em cada turma e provocou uma leitura com vistas ao tema. Nesse momento foram selecionados os trechos das obras literárias escolhidas e também foi elaborado um texto, que fosse elo de ligação entre as cenas, fechando a elaboração do texto final.

A situação concreta que foi assumida por professores e alunos permitiu dimensionar as possibilidades e limites do grupo, direcionando o trabalho de cada um como partes de um objetivo único: a montagem de uma peça teatral. Nesse momento parece ter havido um verdadeiro reconhecimento do desejo inicial dos professores em tomar parte do projeto “Vale Saber”, sob uma perspectiva construtivista. A obra pronta foi resultado de esforços possíveis a alunos e professores e foi apresentada com a “cara” da escola.

Ainda assim, como o espiral, o projeto não se encerrou na data da apresentação. A construção elaborada por alunos e professores teve seqüência nos bastidores do trabalho. As obras literárias encenadas se tornaram objeto de interesse dos alunos, fazendo com que eles recorressem aos empréstimos da biblioteca, provocando um verdadeiro “sumiço” dos exemplares das obras utilizadas. Houve curiosidade em descobrir o texto completo, mesmo se tratando de obras pouco lidas, tais como a carta de Pero Vaz de Caminha e O Noviço. Os professores, por sua vez puderam desenvolver o conteúdo referente em sala de aula, de forma

mais participativa, após a leitura das obras que embasaram o texto teatral. Eles puderam trabalhar com todas as disciplinas envolvidas no projeto, a partir da análise dos elementos constituintes do processo de criação da peça de teatro.

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