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A teologia canned no protestantismo brasileiro

O protestantismo de missão no Brasil produziu uma reflexão teológica em que aliou a conquista da cultura local e a ausência cultural anglo-saxônica. O discurso civilizador estava presente na pregação dos missionários que além de passar o Evangelho propagou também à ideia de que a cultura anglo-saxônica era a melhor forma de viver e expressar o Evangelho de Cristo em terras tupiniquins.5 Por uma questão óbvia, quando se é “evangelizado” a partir de

pressupostos etnocêntricos, se produziu no País temas teológicos importados e traduziram-se textos que refletiam questões que, na sua maioria, não era oportuno por aqui. Os púlpitos ex- 4 Cf. MONDIN, Battista. Os grandes teólogos do século vinte: os teólogos protestantes e ortodoxos. Trad. José Fernandes. São Paulo: Paulinas, 1980, vol. 2, pp. 16-17.

5 Cf. WIRTH, Lauri Emílio. Protestantismo latino-americano entre o imaginário eurocêntrico e as culturas locais. In. FERREIRA, João Cesário Leonel (Org.). Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro. São Paulo: Fonte Editorial/Paulinas, 2009, p. 42.

ternaram uma teologia branda, sem cor, sem tempero. Importaram-se uma hinologia que não atentou para as raízes mestiças do País, ignorando a capacidade de miscigenação que o povo brasileiro tem em seus diferentes aspectos.6

O processo de “evangelização” teve uma conotação imperialista7 que deixou a sua con-

tribuição além de produzir uma visão míope da realidade e da cultura brasileira. Mas essa constatação não é de hoje. José Manoel da Conceição, convertido ao presbiterianismo, desde o início procurou agregar fé, cultura e raízes brasileiras ao protestantismo na tentativa de ade- quar os princípios protestantes à mentalidade do povo brasileiro.8 Infelizmente, essa foi uma

atitude unívoca no protestantismo brasileiro.

No Brasil se pensa teologia a partir de referências externas e importadas.9 A formação teo-

lógica nos principais seminários e faculdades do protestantismo de missão respirou por muito tempo - e ainda respira - uma reflexão puritana que tem como compromisso absorver métodos hermenêuticos, teologias, liturgias e agenda pastoral do Norte.10 Essa teologia exógena produ-

zida por aqui deixou suas marcas que até hoje sentimos a sua força desde a produção teológica até a liturgia. Com essa análise, não pretendo ser considerado xenofóbico por constatar que ao invés de se produzir uma teologia que levasse em consideração as características do povo brasileiro e seus dilemas, fomentou uma teologia canned que não respondia aos anseios da brasilidade e nem mesmo considerava relevante às questões ora levantadas. Fiquemos com um exemplo: Teologia da Prosperidade e Missão Integral.

Começo pela chamada “Teologia da Prosperidade”.

Esta surge nos EUA e seu principal expoente é Kenneth Hagin11 dentre outros. Como toda

teologia é fruto de uma cultura, a Teologia da Prosperidade não poderia ser diferente. Os EUA foram a principal potência responsável pela estabilização econômica do mundo sendo promo- tores do neoliberalismo econômico depois da Segunda Guerra Mundial. É dentro deste quadro que a Teologia da Prosperidade surge.

No Brasil, a “febre” pegou por volta dos anos 1970. Com a “igreja brasileira” sofrendo pro- fundas mudanças, os líderes neopentecostais importaram o produto; assimilaram a socieda- 6 Cf. ALENCAR, Gedeon. Protestantismo tupiniquim: hipóteses sobre a (não) contribuição evangélica à cultura brasileira. São Paulo: Arte Editorial, 2007, p. 79.

7 Não cabe aqui o julgamento, apenas constatações, até porque os missionários refletiram a sua cultura e sua cosmovisão daquela época.

8 Cf. VVAA. Protestantismo e imperialismo na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1968, p. 85.

9 Em Cristologia Protestante na América Latina: uma nova perspectiva para a reflexão e o diálogo sobre Jesus. São Paulo: Arte Editorial, 2011, há uma análise do uso da Teologia Sistemática como legitimadora de dogmas e doutrinas.

10 Cf. SILVA, Geoval Jacinto da. Educação teológica e pietismo: a influência na formação pastoral no Brasil, 1930-1980. São Bernardo do Campo: UMESP/EDITEO, 2010, p. 147.

11 Cf. ROMEIRO, Paulo. Supercrentes: o evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os profetas da prosperidade. 6ª ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1993, p. 10.

de de consumo; adequaram a mensagem ao mercado empresarial e formularam um discurso triunfalista repleto de prescrições aos fiéis que desejam progresso financeiro.

Quanto a Missão Integral, ela teve seu início embrionário no Congresso Mundial de Evange- lização em Lausanne, em 1974, dando origem ao Pacto de Lausanne, cujo relator foi John Stott, eminente teólogo inglês já falecido. O Pacto de Lausanne foi o combustível necessário para o que se tornaria a Missão Integral no continente latino-americano. Teólogos como Orlando Cos- tas, Samuel Escobar e René Padilla formularam uma teologia holística para as necessidades do continente.

A Missão Integral fez uma pergunta crucial que teve como consequência uma renovação na reflexão teológica latino-americana e um afastamento da teologia norte-americana.12 A per-

gunta foi: o que fazer diante do avanço do capitalismo neoliberal desumano? René Padilla, já em Lausanne mesmo, fez duras críticas ao imperialismo norte-americano, propondo, entre outras coisas, a rejeição de um cristianismo que carregasse consigo o famoso slogan: american

way of life.

A Missão Integral olhou para o Reino de Deus e seus valores e procurou implantá-los na realidade latino-americana com uma mensagem que fosse “o evangelho todo, para o homem todo”; uma evangelização que tenha na sua agenda não apenas o assistencialismo social, mas uma postura profética e comprometida com este tempo e que forçasse transformações.

Por uma razão muito simples a Teologia da Prosperidade teve a sua fama, contando com a mídia como principal elemento disseminador.

Outro exemplo de teologia canned é a crescente preocupação com a apologética.

Sabe-se que na história do Cristianismo sempre houve movimentos que reivindicassem a “defesa” ou a “proteção” do bom nome de Deus. Todas as vezes que houve um confronto com a sociedade e suas formas de conhecimento que a Igreja não tinha competência, ocorreu o cho- que. Foi o caso de Galileu Galilei que sofreu as investidas da Santa Inquisição por conta de sua

curiosidade sobre o Universo.

No caso do protestantismo a questão da veracidade é uma preocupação premente. É uma fé em busca de conhecimentos absolutos, irrefutáveis. A verdade é uma obsessão, sem ela não há fundamentação “protestante”. É tanto que o critério de participação na comunidade é a con- fissão da reta doutrina,13 o contrário disso provoca ruptura entre o indivíduo e a comunidade

de fé. Essa ruptura é cruel tanto quanto a Santa Inquisição, só que não há fogo literalmente, embora alguns quisessem esse item na disciplina também.

12 Cf. GONDIM, Ricardo. Missão Integral: em busca de uma identidade evangélica. São Paulo: Fonte Editorial, 2010, p. 61. 13 Cf. ALVES, Rubem. Religião e repressão. São Paulo: Teológica/Loyola, 2005, p. 105-106.

O fato é que o conceito de verdade persegue tanto algumas mentes lá do Norte e julgam que suas compreensões e inquietações também são de outros aqui do Sul. Obstante a isso, esse tipo de raciocínio encontra adeptos no Brasil que passa a transferir toda essa temática ao leitor brasileiro. É o que tem acontecido no mercado editorial protestante evangélico que tem esmerado em reproduzir a temática da apologética com a proposta de defender a fé cristã racionalmente visando, quase exclusivamente, o público acadêmico.

Em tempos de secularismo e pluralismo religioso, existem alguns caminhos a serem per- corridos pelas diferentes alas da igreja de segmento protestante. A ala notadamente conser- vadora (para não dizer fundamentalista) está promovendo através de livros, sites, blogs, encon- tros e congressos onde se rechaça esse fenômeno com posturas fundamentalistas tendo como discurso fundamental a “proteção da igreja”.

A preocupação teológica é sempre importada e não reflete prontamente o que se está dis- cutindo aqui. Nesse caso da apologética, percebemos que no Brasil nunca houve - por enquan- to - uma discussão ferrenha sobre Evolucionismo e Criacionismo. O Brasil respira religião e, embora exista, não temos um surto de ateísmo no País, pelo contrário, o que há é uma eferves- cência religiosa sem conteúdo, nutrindo um relacionamento com Deus com base no “toma lá, dá cá”.

Neste sentido, surge a seguinte pergunta: no atual cenário de secularização e pluralidade em todos os sentidos, a postura de enfrentamento e reclusão é a melhor solução para se pen- sar e dialogar com a sociedade?

Esses são alguns exemplos de teologia canned que respiramos em terras de “brava gente”.