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A Teoria da Fonologia Prosódica

No documento azussamatsuoka (páginas 38-42)

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3. A Teoria da Fonologia Prosódica

Como antecipamos na seção anterior, no modelo Teórico da Fonologia Prosódica (NESPOR & VOGEL, 1986), a fala se organiza em estruturas ou domínios prosódicos hierárquicos. Assim, um enunciado pode ser subdividido em unidades prosódicas

menores e cada constituinte de um nível superior se forma a partir do(s) constituinte(s) do nível imediatamente mais baixo, estabelecendo entre si uma relação de dominante/dominado (Figura 7).

Segundo Selkirk (2002), uma palavra, isoladamente, terá uma produção característica; no entanto, uma sentença, formada por sequências de palavras, não é apenas a soma dessas produções individuais. A realização fonética é uma representação de sua superfície fonológica. A autora defende que a representação fonológica faz interface com a superfície sintática, de modo que a organização gramatical pode influenciar a representação fonológica. Esse fato seria a razão pela qual a fonologia de uma sentença não ser simplesmente a soma da fonologia das palavras consideradas isoladamente.

De acordo com a hipótese da estrutura prosódica, nos termos de Selkirk (1984) e de Nespor & Vogel (1986), a representação fonológica de uma sentença pode ser organizada em uma estrutura de constituintes prosódicos independentes de, mas relacionados à, superfície sintática de uma sentença.

No modelo de Nespor & Vogel (1986), cada nível prosódico é delimitado por informações de ordem fonológica e não fonológica. O menor constituinte prosódico é a sílaba (σ), e o maior, o enunciado fonológico (U). Os dois primeiros constituintes – a sílaba (σ) e o pé métrico (Σ) - se caracterizam por informações de natureza estritamente fonológica. A relação entre o componente prosódico e os demais componentes da língua (interface entre fonologia e morfossintaxe) começa a se evidenciar a partir do próximo nível da hierarquia - a palavra prosódica (ω). Esse nível caracteriza-se por conter um único núcleo lexical e corresponder, de modo geral, a uma palavra. Acima desse nível está o grupo clítico (C), em que um ou mais clíticos estão associados ao núcleo lexical.

O nível do sintagma fonológico (φ) – constituído por um ou mais grupos clíticos - é formado por um ou mais itens lexicais e apresenta de quatro a sete sílabas. Cada sintagma fonológico se constitui por um único contorno melódico e a sua fronteira é marcada através do alongamento da tônica da palavra final. Segundo Nespor & Vogel (1986) esse nível é considerado o mais relevante para o mapeamento entre a fonologia e a sintaxe.

O sintagma entonacional (I) é formado por um ou mais sintagmas fonológicos e se caracteriza pela presença de um contorno entonacional e fronteiras, geralmente, delimitadas por pausas. É nesse domínio que as informações fonológicas interagem especialmente com informações dos níveis sintático e semântico. Por fim, o nível do

enunciado fonológico (U) é o constituinte prosódico que integra as informações fonológicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas.

Figura 7 - Estrutura arbórea de domínios prosódicos (NESPOR & VOGEL, 1986, adaptado de BISOL, 2001)

Embora não seja possível estabelecer uma relação isomórfica10 entre os componentes prosódicos e sintáticos, visto que cada constituinte é formado seguindo leis próprias de seus respectivos sistemas, é importante lembrar que, os componentes prosódicos constituem o primeiro nível de processamento na percepção dos enunciados pelo bebê. Podemos assumir que a criança penetra na sintaxe de sua língua a partir da interface fonética/fonológica (bootstrapping fonológico/prosódico) e, dessa forma, as propriedades da fala que sinalizam a estrutura sintática subjacente podem ser facilitadoras do mapeamento e/ou identificação do léxico e da própria sintaxe.

Christophe e colaboradores (2003b) avaliaram a relação entre a estrutura prosódica e a aquisição da sintaxe por bebês franceses de 6 a 12 semanas de idade. Os autores (Brit Van Ooyen) apresentaram evidências de que bebês dessa idade são capazes de discriminar duas línguas que se diferenciam em função da direção do núcleo (núcleo-

10 Por exemplo, os constituintes sintáticos são formados seguindo regras de natureza recursiva, o que

complemento vs complemento-núcleo), visto que a variação na direção do núcleo acarreta alteração no correlato prosódico.

As línguas utilizadas nesse estudo foram o turco e o francês, similares em propriedades fonológicas, tais como stress final de palavras, estruturas silábicas e ausência de redução de vogal. No entanto, enquanto o francês é uma língua de núcleo inicial, o turco apresenta núcleo final. Assim, a proeminência prosódica do sintagma fonológico é final em francês e inicial em turco (CHRISTOPHE et al. 2003b).

A fim de certificarem-se de que os bebês distinguiram as duas línguas com base apenas na informação prosódica, as frases gravadas por falantes nativos dessas línguas foram sintetizadas, tiveram os fonemas originais substituídos e a prosódia preservada.

Os bebês foram testados através da técnica de sucção não-nutritiva com relação à percepção de alterações nos estímulos em função da língua (francês ou turco). Segundo os resultados obtidos, os bebês perceberam as alterações prosódicas no sintagma fonológico decorrentes da direção do núcleo. Segundo os autores, a habilidade em perceber a direção do núcleo poderia ser usada pelos bebês como ferramenta para deflagrar a aquisição da sintaxe de uma língua, visto que, através da análise da proeminência do sintagma fonológico, os bebês podem perceber se sua língua é do tipo núcleo-complemento ou complemento-núcleo.

No estudo de Christophe, et al (2003a), fronteiras de sintagma fonológico auxiliaram bebês no acesso lexical. Através da técnica de escuta preferencial induzida, bebês de 10 e 13 meses foram treinados a virar a cabeça quando escutassem a palavra dissílaba paper.

Na fase de teste, os bebês foram apresentados a frases que continham as duas sílabas da palavra familiarizada, porém em contextos diferentes: (i) formando uma única palavra, ou seja, dentro de um mesmo sintagma fonológico (the college with the biggest

paper] φ [form is best) ou posicionadas entre fronteiras fonológicas (the butler with the

highest pay] φ [ performs).

Os bebês apresentaram preferência para as frases nas quais paper constituía uma única palavra. Esses dados sinalizam que bebês de treze meses interpretam a fronteira de sintagma fonológico como sendo compatível com fronteira de palavra e fazem uso das pistas prosódicas no reconhecimento lexical. Como fronteiras prosódicas coincidem com fronteiras sintáticas, acreditamos que essas pistas podem ser eficientes para a segmentação do fluxo contínuo da fala pelo bebê que ainda se encontra em fase de formação de seu léxico.

No documento azussamatsuoka (páginas 38-42)