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CAPÍTULO IV – PARADIGMAS VIGENTES NA EDUCAÇÃO HODIERNA

4.1 A teoria do capital humano aplicada à educação

A teoria do capital humano, de Theodore Schultz, elaborada na década de 1960 e ressignificada nos anos 1990, encontrou na educação um solo fértil, galvanizando que um investimento no setor habilitaria o indivíduo a concorrer competentemente no mercado de trabalho e, por consequência, sua escolarização poderia assegurar-lhe uma mobilidade social. A educação seria “reconhecida como uma variável, política estratégica capaz de intensificar o crescimento da renda, produzir a modernização ou construir uma sociedade justa” (CUNHA, 1980, p. 16).

A teoria do capital humano vincula, assim, a escolarização à consecução de competências como meio de atingir uma melhor posição na sociedade, pois “ao investirem em si mesmas, as pessoas podem ampliar o raio de escolha posto à disposição. Esta é uma das maneiras por que os homens livres podem aumentar o seu bem-estar” (SCHULTZ, 1971, p. 33).

Além de proporcionar a ascensão social, a educação promoveria a democracia, sendo então convocada, “talvez prioritariamente, para expressar uma nova relação entre desenvolvimento e democracia, como um dos fatores que podem contribuir para associar o crescimento econômico à melhoria da qualidade de vida e à consolidação dos valores democráticos” (MELLO, 1994, p. 31).

Por isso, na educação depositou-se “a expectativa de que esta possa, através da mobilidade social, melhorar os mecanismos de distribuição de renda e inserção produtiva, através do preparo dos indivíduos para o mercado de trabalho” (OLIVEIRA, 1997, p. 91).

Em função do poder explicativo desta teoria e da legitimação em que aprovisiona às despesas com educação com vistas “a preparar os indivíduos para a vida profissional, ela se tornou um dos fundamentos correntes das políticas

educacionais, sob forte incentivo de organismos multilaterais de fomento, financiamento e assessoramento a governos” (PIRES, 2005, p. 44).

Os ideais da teoria do capital humano reaparecem atualmente revigorados e associados aos objetivos educacionais das agências multilaterais como a UNESCO (Organização das 525 Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), que, além de funcionar como um laboratório de ideias, forma acordos universais nas questões mais emergentes.

Dos principais tópicos da UNESCO, constam:

I. Perspectivas da educação e do desenvolvimento nos primórdios do pensamento econômico: artigos históricos.

II. Educação como prioridade do desenvolvimento.

III. Desenvolvimento econômico, alfabetização e a pirâmide educacional. IV. Função de produção agregada e crescimento não explicado da renda nacional.

V. O objetivo e a medição da formação do capital humano.

VI. Medidas da contribuição do ensino para o crescimento da renda per

capita.

VII. Ensino, experiência a diferencial de renda: algumas abordagens pioneiras.

VIII. Relações entre custo e benefícios do investimento em ensino e treinamento no trabalho.

IX. O conteúdo e o locus da educação e sua efetividade econômica.

X. Desenvolvimento econômico, estrutura do mercado de trabalho e a demanda por habilidades humanas.

XI. Recursos para a educação e critérios de decisão. (PIRES, 2005, p. 74) Visando aprimorar a educação, a UNESCO promove agendas, apontamentos e diretrizes a serem seguidas. Organismos internacionais delineiam o arkhétypos educacional a ser adotado por meio de políticas, programas e projetos. Acredita-se que os países que seguem as recomendações podem atingir um ótimo nível educacional e concorrer plenamente no mercado mundial.

Nas recomendações da UNESCO há menção à teoria do capital humano, que alia a educação ao desenvolvimento econômico. Segundo a UNESCO, os índices de uma renda mais elevada estão associados a um maior patamar educacional. A educação, portanto, é entendida como mecanismo para solucionar os problemas da sociedade.

Melhor educação contribui para renda mais alta durante toda a vida e para um crescimento econômico mais robusto para o país, além de ajudar os indivíduos a fazerem escolhas mais informadas sobre fertilidade e outras questões importantes para o seu bem-estar. (UNESCO, 2005, p. 2)

Assentindo com a teoria do capital humano, a UNESCO estabelece uma sinonímia entre a escolarização, melhor qualidade de vida e de renda, o que culminaria em uma condição social mais favorável, ideais que, portanto, coincidem com aqueles postulados pela teoria do capital humano.

De acordo com a agência, a desigualdade social é ensejada pela má qualidade na educação, de modo que uma melhor colocação no mercado de trabalho e uma eficaz competitividade estariam relacionadas ao desenvolvimento educacional do país, que deve investir no capital humano de sua população. Isto é, os países questionam se o fator humano em formação enquadrar-se-á nos valores impostos pelo sistema vigente.

Apesar de a UNESCO (2005, p. 10) detectar “relações existentes entre qualidade do ensino, crescimento econômico e renda pessoal”, o fato é que a educação fica dependente da política econômica. Com isso, a educação e os educandos assumem um caráter adaptativo ao sistema econômico contemporâneo.

Nesse sentido, o que a teoria do capital humano não revela é que necessariamente ao indivíduo recai toda a responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso e pelas desigualdades sociais, como tipifica o próprio liberalismo desde a sua gênese. Segundo Frigotto (1993, p. 53), “uma das funções efetivas da teoria do capital humano reside não enquanto revela, mas enquanto esconde a verdadeira natureza dos fenômenos”.

O investimento no capital humano é, pois, um fator resolutivo para o desenvolvimento econômico, todavia oculta o fato de a função social da escola estar subordinada aos interesses do capital.

O investimento no “fator humano” passa a significar um dos determinantes básicos para o aumento da produtividade e elemento de superação do atraso econômico. Do ponto de vista macroeconômico, constitui-se no fator explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e, consequentemente, de mobilidade social. (FRIGOTTO, 1993, p. 41)

Os fins da educação, no sistema educacional brasileiro, assim como de outros países, estão associados ao ideário do mercado capitalista, perpetuado por meio de um sistema de atitudes e de valores que mantém indene os valores do próprio capital, em cujo contexto neoliberal, vincular-se-ia “a educação institucionalizada aos objetivos estreitos de preparação para o local de trabalho” (GENTILI; SILVA, 1996, p. 12).

Na sociedade atual, é patente a desvalorização da escola e, por consequência, do trabalho do professor. Além disso,

A sociedade capitalista não tem interesse que os homens tenham consciência de sua condição de exclusão dessa sociedade dos bens culturais. Não podemos negar que os professores estão enfrentando este mal-estar; no entanto, é necessário entender o processo que vem ocorrendo de desmantelamento da escola e mesmo de uma banalização do conhecimento em prol de uma “sociedade do conhecimento” na qual o objetivo maior é pensar na empregabilidade, em formas de adequar os alunos aos preceitos neoliberais, na qual a competência e a aquisição de habilidades são mais importantes que o conhecimento histórico-científico, conhecimento este que pode impulsionar mudanças na consciência dos alunos que passam pelo processo de escolarização (FACCI, 2004, p. 33- 34).

Em verdade, à educação cabe formar “o ser humano integral, englobando todas as dimensões de sua relação com o mundo, indo além do preparo de competências direcionadas para a mera possibilidade de adaptação ao mercado” (SILVA, 2007, p. 108).

Não obstante, na sociedade capitalista, a educação atende a interesses específicos, conforme a demanda de produtos, serviços e de mão-de-obra, seja esta prioritariamente técnica ou formal, isto é, “a educação dos diferentes grupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los técnica, social e ideologicamente para o trabalho” (FRIGOTTO, 1993, p. 26).

Na perspectiva de investimento nos indivíduos para melhor prepará-los para o trabalho, a educação torna-se definida pelos critérios de mercado, e o objetivo deste não é outro senão

Averiguar qual a contribuição do “capital humano”, fruto do investimento realizado, para a produção econômica. Assim como na sociedade capitalista, os produtos do trabalho humano são produzidos não em função de sua “utilidade”, mas em função da troca, o que interessa do ponto de vista do mercado (FRIGOTTO, 1993, p. 67).

A educação, nesse compasso, não resolveria as mazelas da sociedade brasileira, e, sob o olhar da teoria do capital humano, os problemas que ocasionam as desigualdades sociais não seriam solucionados.

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