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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 A AUTOCONSCIÊNCIA E A HIPÓTESE DA MEDIAÇÃO COGNITIVA

2.2.2 A teoria neurocognitiva e socioecológica de Alain Morin e a hipótese da mediação

Importante estudioso do campo, Alain Morin (2011), procurando superar concepções reducionistas, propõe um modelo compreensivo neurocognitivo e socioecológico da autoconsciência, o qual toma em consideração o aspecto neurológico -ativação das regiões cerebrais -, a influência social e do ambiente e os processos cognitivos que geram autoconsciência.

No que diz respeito à dinâmica neurológica envolvida nos processos de autoconsciência, importantes avanços tem sido assinalados. Morin (2011), referenciando trabalhos como o de Salmon et al. (2008); Van Der Meer, Costafreda, Aleman e Daid (2009) e Northoff, Quin e Feinber (2011) chama a atenção para um circuito específico que têm sido bastante relacionado com os fenômenos em tela, formado pelas estruturas corticais mediais, córtex lateral pré-frontal, insula, córtex cingulado posterior e anterior, junção temporoparietal bilateral e precuneus. Mais recentemente, estudos como os de Huang et al.(2016), o qual demonstrou a existência de uma sobreposição entre a atividade do substrato neural ligado ao

estado de repouso e o processamento nas estruturas corticais mediais ligado ao self, têm aprofundado a pesquisa acerca das relações entre fenômenos específicos do espectro da autoconsciência e os elementos do supramencionado circuito. Todavia, tais autores asseveram que, não obstante os avanços obtidos, mormente através do uso das mais avançadas técnicas e aparelhagens de imageamento, ainda permanecem envoltos em obscuridade os mecanismos neurológicos básicos por trás de tais relações. Mais ainda, também não parecem haver apontamentos claros acerca dos mecanismos cognitivos básicos que se envolvem em tal fenomenologia, e eis aí uma fieira importante perseguida no escopo dos objetivos do presente trabalho, haja vista que nele se buscou – partindo das hipóteses de Morin acerca da mediação cognitiva da autoconsciência – perscrutar precisamente os mecanismos cognitivos envolvidos na emergência e manutenção dos estados autoconscientes dentro dos estados meditativos.

Morin (2011), em sua teorização, no tocante aos aspectos cognitivos e socioecológicos envolvidos nos fenômenos de autoconsciência, basicamente localiza as fontes de autoconsciência em três lócus principais: o meio social, o mundo físico e o self. O meio social envolve interações face-a-face, feedbacks relevantes ao self que o indivíduo recebe na interação com outros, um mecanismo de comparação social que emula o processo de tomada de perspectiva e a presença de indivíduos observando o self. O ambiente físico consiste em objetos e estruturas que produzem consciência corporal e diferenciação entre o self e o mundo em crianças pequenas, estímulos autofocalizadores (que induzem autoconsciência) e reflexivos e material escrito disponibilizado em mídias diversas. O self pode, então, desenvolver consciência corporal através da propriocepção, e pode refletir sobre si mesmo engajando-se em processos cognitivos como a fala interna e as imagens mentais. Este último aspecto, respondendo mais especificamente pelos processos cognitivos que instanciariam a emergência e manutenção dos estados autoconscientes, tornar-se-á alvo de mais detalhada explanação a seguir, dada a sua importância fundamental para a abordagem empírica do presente trabalho.

Conforme chamam a atenção Nascimento e Roazzi (2013), tomando em consideração importantes formulações teóricas de Gibbons (1990) e Morin (2004), a questão dos mecanismos cognitivos específicos que fornecem suporte para a ocorrência e manutenção dos estados autoconscientes constitui-se como uma questão fundamental do campo ainda à espera de maiores elucidações.

Nesse sentido, Morin (2004) defende o entendimento da autoconsciência como sendo instanciada por processos autorepresentacionais, dentre os quais figuram como atuando a partir do self a autofala e as imagens mentais. A autofala reproduziria mecanismos sociais que são geradores de autoconsciência. De acordo com Hurlburt, Heavey e Kelsey (2013), em importante trabalho acerca de tal fenômeno, a fala interna pode ser pensada como um ato de fala inaudível para um observador externo, e que ocorre sem o suporte do aparelho fonológico. Ao reproduzir as avaliações observadas na interação com outros, a autofala permite ao sujeito tomar consciência de si mesmo quando fora da interação imediata com outros, constituindo-se dessa forma como um mecanismo básico de construção do autoconceito. Ela tem sido estudada por diversos estudiosos (p.ex.: MORIN, 2005, CHIESA et al., 2011), em uma diversidade de campos no âmbito das ciências cognitivas.

A imagem mental consiste na experiência de fenômeno visual na ausência de quaisquer estímulos provenientes do mundo externo. O sujeito cria cenas mentais nas quais ele próprio aparece como ator, reproduzindo e expandindo mecanismos sociais responsáveis pela autoconsciência. A imagem mental reproduz mecanismos sociais emuladores de autoconsciência, tais como a tomada de perspectiva - na qual o indivíduo se vê da forma como provavelmente é visto pelos outros - e as audiências - processo através do qual o sujeito infere mentalmente, a partir das reações dos outros ao seu funcionamento geral-, além de permitir a visualização de aspectos da corporeidade fora das situações de percepção imediata. Quanto mais desenvolvidas forem as habilidades de visualização num sujeito, tanto mais as imagens mentais devem funcionar como mecanismos emuladores de processos auto-reflexivos e de autoconceito (NASCIMENTO, 2008).

Segundo Nascimento (2008), a Teoria do Código Dual de Allan Paivio (2006; 2007) vai ao encontro da hipótese da mediação imagética da autoconsciência, ao postular que todo e qualquer possível objeto de captura cognitiva se inscreve nos dois subsistemas de base da cognição, quais sejam, o verbal e o imagético, com conexões fechadas ligando a dupla inscrição. Dessa forma, Nascimento (ver NASCIMENTO, 2008; NASCIMENTO e ROAZZI, 2013) tem hipotetizado que a ontogenia do self contaria, inclusive, com material não-verbal remanescente de fases anteriores à aquisição da linguagem, somado a materiais semióticos de tipo verbal disponibilizado pelas interações sociais, sendo o autoconceito resultante formado por uma rede de auto-esquemas (self-schemata) visuais e verbais, em níveis crescentes de complexidade cognitiva ao longo do desenvolvimento.

Estando a autoconsciência organicamente enlaçada aos demais processos cognitivos, e tendo em vista o lugar de centralidade que esta parece ocupar, inclusive em estados não ordinários de consciência – conforme visto em Shanon (2003a) - faz-se necessários maiores esclarecimentos acerca dos processos cognitivos envolvidos em sua fenomenologia, mormente no que diz respeito aos processos que encetam e sustentam tal condição. Destarte, a proposição moriniana da instanciação de estados autoconscientes a partir de expedientes cognitivos autorepresentacionais específicos, quais sejam as imagens mentais e a autofala, tem recebido desde o seu lançamento lastro proveniente de abordagens empríricas (p.ex.: MORIN, 2005; CHIESA et al., 2011, no caso da autofala; NASCIMENTO, 2008; NASCIMENTO e ROAZZI, 2013, no caso das imagens mentais). Neste escopo se incluiu também o presente estudo, o qual, com apoio nas contribuições das abordagens focadas no nível puramente cognitivo dos aportes teórico-metodológicos supramencionados, se voltou também para o nível fenomenal dos processos da autoconsciência, nível este cuja proposição teórica e descrição fenomenológica se deu a partir do trabalho pioneiro de Nascimento (2008) – conforme será melhor explicado a seguir - todavia, necessitando ainda ao presente de maior aporte e apreensão na pesquisa de corte cognitivo.