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CAPS I – Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em

1.1.2 A Terapia Ocupacional e o cuidado em saúde mental

A profissão Terapia Ocupacional foi criada no Canadá e posteriormente nos Estados Unidos (EUA), na primeira metade do século XX, principalmente no atendimento às pessoas com diagnóstico de transtorno mental e também em hospitais gerais (MEDEIROS, 2003). No Brasil a profissão foi instituída na segunda metade do século XX (SOARES, 2007). A terapia ocupacional é fundamentada na compreensão de que o envolvimento em ocupações estrutura a vida cotidiana e contribui para a saúde e para o bem-estar. Os profissionais de terapia ocupacional acreditam que as ocupações são multidimensionais e complexas (CARLETO et al., 2010).

Pensar em vida cotidiana tem sido objeto de estudo da terapia ocupacional. Como área de conhecimento e prática em saúde, se preocupa com as problemáticas do homem em

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sua vida de atividades, ou seja, estas são consideradas como produto e o meio de construção do próprio homem, e procura entender as relações que o homem em atividade estabelece em sua condição de vida e saúde (MEDEIROS, 2003).

A ideia de vida diária impressa no significado vida cotidiana vem sendo utilizada desde a origem da profissão, porém com a pretensão de substituir os conceitos de atividades da vida diária e atividades da vida prática o termo cotidiano surge como uma busca de se fazer uso de conceitos que mais se afinem às leituras e proposições da ação da terapia

ocupacional (GALHEIGO, 2003). Assim, “a vida cotidiana é a vida do homem inteiro”, onde

se inserem “seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, ideias, ideologias” (HELLER, 2008, p. 31).

É na perspectiva da vida cotidiana que a pessoa se insere na sociedade. As atividades do dia-a-dia constituem uma trama de relações sociais, as quais são vinculadas às diferentes atividades do dia. Nessa trama, a pessoa apropria-se do seu modo de realidade e marca sua personalidade, mantém sua particularidade e constrói uma vida inserida na sociedade (HELLER, 1994). Portanto, a pessoa e seu cotidiano mantêm uma relação interligada, na qual o cotidiano se revela e nele acontece a inserção no mundo comunal, compartilhado, social e cultural (TAKATORI, 2001).

Entretanto, com a ruptura do cotidiano, as realizações de vida no âmbito individual se tornam impraticáveis, devido à falta de apoio na infraestrutura social, a qual é a articulação organizadora do cotidiano (BENETTON, 2010). É nesse sentido que a terapia ocupacional se insere no contexto da saúde mental, contribuindo para a construção desse cotidiano interrompido ou inexistente, no qual as situações se transformam em experiências significativas por meio da relação terapeuta-paciente-atividades (TAKATORI, 2001).

Historicamente a utilização do trabalho como meio para beneficiar a pessoa com diagnóstico de transtorno mental está presente na assistência psiquiátrica. Desta forma, vale ressaltar que o tratamento moral, desenvolvido no século XVIII, tornou-se um marco na história da terapia ocupacional por influenciar fortemente suas práticas. No Brasil, tanto o tratamento moral quanto a terapia pelo trabalho foram trazidos pela família real. A terapia pelo trabalho também foi chamada de ergoterapia, praxiterapia e laborterapia, posteriormente, esses conceitos foram substituídos por terapia ocupacional. A utilização do trabalho com objetivos terapêuticos surge no Rio de Janeiro, com Juliano Moreira e com o serviço de terapêutica ocupacional em Engenho de Dentro, coordenado por Nise da Silveira e, em São Paulo, com Franco da Rocha (MEDEIROS, 2003; SOARES, 2007).

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à assistência hospitalocêntrica, com o objetivo de ocupação, num processo de manutenção e organização dos hospitais e de reabilitação (BENETTON, 1994).

Segundo Mângia e Nicácio (2001) dois referenciais se tornaram importantes nos percursos de terapia ocupacional no campo da saúde mental: a perspectiva socioterápica e a perspectiva psicodinâmica. Sob a perspectiva socioterápica destacam-se a comunidade terapêutica e a psicoterapia institucional. No Brasil, a influência desses referenciais e sua relação com a terapia ocupacional estiveram presentes nas ações de Luiz da Rocha Cerqueira nos anos 1960 e 1970, sendo um grande defensor e incentivador da terapia ocupacional. Sob a perspectiva psicodinâmica destaca-se a abordagem psicodinâmica, introduzida nos EUA, por Gail e Jay Fidler; no Brasil a influência desses referenciais está nas ações de Maria José Benetton e colaboradores.

É importante ressaltar que a terapia ocupacional acompanhou a trajetória da reforma psiquiátrica brasileira, sendo a desinstitucionalização italiana inspiradora para as inovações nas práticas da terapia ocupacional no campo da saúde mental no Brasil. O objeto da ação terapêutica passa a ser a pessoa e suas necessidades e não a doença e os sintomas (RIBEIRO; OLIVEIRA, 2005). Nesse contexto, a complexidade da vida cotidiana da pessoa passa a ser alvo da ação terapêutica, englobando os aspectos práticos, concretos, simbólicos, relacionais e materiais, de forma a produzir movimentos capazes de oferecer suportes, proteção e resolução de problemas que contribuam para a superação da situação existencial (MÂNGIA, 2002).

Nesse interim, estudos revelam que terapeutas ocupacionais brasileiros vêm adotando os pressupostos da reabilitação psicossocial como principal referencial teórico em suas práticas no cuidado em saúde mental (ALMEIDA; TREVISAN, 2011; RIBEIRO; MACHADO, 2008; WACHHOLZ; MARIOTTI, 2009).

Assim, cabe à terapia ocupacional pontuar o quanto a sua formação e conhecimento sobre a atividade humana podem contribuir para que se alcancem os objetivos da reabilitação psicossocial. Diante das diversas transformações no campo da saúde mental, as identidades profissionais e a cisão entre diferentes práticas são frequentemente discutidas (ALMEIDA; TREVISAN, 2011). Desta forma, há uma grande heterogeneidade dessas práticas e os recursos da terapia ocupacional se mostram pontuais no cuidado oferecido no processo de desinstitucionalização, apesar desses recursos se articularem com outras especificidades no trabalho em equipe. Entretanto, as intervenções da terapia ocupacional no campo da saúde mental não requerem recursos sofisticados, mas necessitam de tecnologias que alcancem as demandas das pessoas com diagnóstico de transtorno mental, utilizando de

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conhecimentos teóricos e técnicos (BALLARIN; CARVALHO, 2007).

Portanto, a terapia ocupacional na área de saúde mental, mesmo sendo uma das áreas que possui um maior número de profissionais inseridos, necessita do desenvolvimento de pesquisas e relatos sobre as práticas desenvolvidas, especialmente pelos profissionais que vivenciam a clínica (WACHHOLZ; MARIOTTI, 2009).

Nesta perspectiva, a terapia ocupacional percorre, juntamente com a saúde mental, caminhos que se deslocam dos modelos tradicionais de intervenção, buscando novos cenários que sejam capazes de realizar uma abordagem de fato biopsicossocial que ocupe espaços reais do habitar, do trabalhar, do conviver e em atividades do cotidiano significativas que permitam a participação ativa dos indivíduos no processo terapêutico e priorizem a liberdade de criação de todos envolvidos (ALMEIDA; TREVISAN, 2011; MÂNGIA, 2000; RIBEIRO; MACHADO, 2008; SARACENO, 1999).

Assim, a partir da reforma psiquiátrica, a política de saúde mental no país tem sofrido transformações. Adotam a concepção da reabilitação psicossocial e o território de vida das pessoas passa a ser o cenário de intervenção com vistas à inserção social (BEIRÃO; ALVES, 2010).

Atualmente, a atuação da terapia ocupacional desloca-se do campo hospitalar para os extra-hospitalares, como CAPS e outros locais, no quais todos possuem o objetivo da inserção social (BALLARIN; CARVALHO, 2007). Além disso, a constituição de redes de atenção psicossocial que trabalham rumo à implantação de uma rede integrada de base comunitária vem sendo estimulada sob a diretriz da reabilitação psicossocial. Nesses novos locais de atenção o terapeuta ocupacional deve levar a ampliação do cuidado e a possibilidade de resgate dos direitos de cidadania desses sujeitos (RIBEIRO; MACHADO, 2008).

Sobre a inserção do terapeuta ocupacional nas ações de saúde do país, sabe-se que 12.933 portarias foram publicadas pelo Gabinete do Ministro e pela Secretaria de Atenção à Saúde nos anos de 1998 a 2008, das quais 51 faziam referência à terapia ocupacional (BRASIL, 2008).

A inserção da terapia ocupacional no SUS está mais estruturada na política e serviços de saúde mental, para o qual a política de governo visa à consolidação do modelo de atenção comunitário de base extra-hospitalar, com vistas à integração social. Sendo assim, um dos maiores avanços da normatização do SUS para a profissão foi no ano de 2002, quando a terapia ocupacional ganha espaço dentro da política de saúde mental do SUS, na atuação em centros de atenção psicossocial (BEIRÃO; ALVES, 2010).

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objetivo a promoção do resgate da autoestima, exercício de cidadania, melhoria na qualidade de vida e reinserção familiar, e, junto com os outros profissionais, suas ações e projetos terapêuticos visam à construção de espaços de troca e de convivência com os diferentes, valoriza a individualidade da pessoa, considerando-a como um ser expressivo, lúdico, criativo, social e com capacidade de desenvolver-se funcionalmente de forma mais independente e autônoma possível (BARROS, 2010). Outro estudo revela a atuação da terapia