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1.4 A parte positiva: o behaviorismo na linguagem

1.4.1 A tese da aquisição da linguagem

Quine ao afirmar que a linguagem é de fato pública, constrói sua semântica behaviorista conectando sentenças, e não palavras, com o significado. Nesse sentido:

As palavras podem ser aprendidas como partes de sentenças mais largas, e algumas podem ser aprendidas também como sentenças de uma só palavra, mediante ostensão direta de seus objetos. Em qualquer caso, as palavras somente significam na medida em que seu uso em sentenças está condicionado a estímulos sensoriais, verbais ou de outra natureza. Toda teoria realista da evidência é inevitavelmente inseparável da psicologia do estímulo e resposta aplicada as sentenças (WO, 1960, p. 17)68.

O reconhecimento das sentenças como primárias não acelera somente a análise filosófica; proporciona-nos também um melhor quadro de como é que a linguagem é aprendida efetivamente. Primeiro aprendemos frases pequenas, em seguida obtemos informação sobre várias palavras através do seu uso nessas frases, e então, sobre esta base, conseguimos aprender frases mais extensas nas quais essas mesmas palavras ocorrem periodicamente (TPT, 1981, p. 03).

Assim, as sentenças são concebidas, de acordo com Quine, como a unidade semântica primária da linguagem e, ao contrário das palavras, elas são ilimitadas em sua variedade. Desta forma, as sentenças são concebidas de uma maneira mais clara até que o próprio fato, visto que aprende-se a usá-las como totalidades conectadas com um contexto e um comportamento observado. Uma sentença, então, diferentemente das palavras, não é um evento de uso singular, mas sim universal, é um esquema sonoro repetível, por isso, uma sentença não é um evento

68 Vale salientar que Quine observa um contraste entre aprender sentenças como totalidades e a construção das mesmas a partir das partes, isto é, das palavras. Assim, pode-se: 1. aprender uma palavra isoladamente, o que quer dizer aprende-la ostensivamente como uma sentença de uma palavra; 2. aprender uma palavra por abstração, como fragmento de uma sentença aprendida como totalidade; 3. aprender uma palavra contextualmente, usando-a por analogia como vista aparecer em sentenças anteriores (WO, 1960, p. 13 – 15).

de declaração, mas uma forma linguística que pode usar-se frequentemente, uma só vez ou nunca, e sua existência não fica comprometida pela falta de elocução (WO, 1960, p. 194).

Neste caminho, a sentença é fundamental, pois entender uma palavra consiste em saber como usá-la em sentenças e como reagir a tais sentenças. Além de atribuir-se mais facilmente más interpretações a palavras do que a sentenças (CM, 1979, p. 140). Nesse contexto, Quine (WO, 1960, p. 1) afirma que “cada um de nós aprende a sua linguagem da boca de outras pessoas, através da articulação verbal e observável das palavras em muitas precisas circunstâncias intersubjetivas”. Porém, elas não estão soltas, mas são assumidas na forma de sentenças, “os termos tal como as partículas gramaticais, significam por contribuírem para o sentido das sentenças que os contêm” (WP, 1981, p. 69).

Todavia, antes dessa aprendizagem se desenvolver, Quine parece conceber que é necessário que todo indivíduo seja dotado de uma capacidade perceptual, os padrões inatos de similaridade perceptual69, dado que só se conhece as coisas externas através dos sentidos, das terminações nervosas. Portanto, as estimulações dos receptores sensoriais constituem toda a evidência que possibilita se chegar a uma imagem do mundo e, o meio intersubjetivo que leva uma pessoa a compreender e a comunicar-se com outras pessoas são as disposições comportamentais geradas como respostas desses estímulos.

Com isso, é possível afirmar que a linguagem é adquirida através do comportamento público e através dos estímulos que os objetos causam aos sentidos. Isso quer dizer que quando se está adquirindo uma linguagem não se dispõe de mais nada, além do comportamento público observável de outros falantes em circunstâncias publicamente observáveis e o mundo físico. Deste modo, uma criança aprende a sua primeira linguagem a partir de enunciados observacionais.

69 Estes padrões inatos de similaridade perceptual são necessários para detectar e sistematizar as características salientes do ambiente em que o falante se encontra, auxiliado e motivado pelos traços de episódios codificados com prazer e dor, e dotado com um instinto para balbuciação e imitação (GIBSON, 1982, p. 40). Essa noção é mais desenvolvida por Quine em escritos posteriores a Word

and Object, como em The Roots of Reference (1974), porém essa noção será desenvolvida no último

capítulo ao analisar esta última obra. Entretanto, vale deixar claro que em uma de suas respostas em seu livro Theories and Things (1981) Quine afirma que a similaridade perceptual é o que era tratado resumidamente em Word and Object sobre o tópico de “espaço qualitativo”; assim, The Roots of

Reference é dita por ele como sendo uma ampliação sobre o terceiro capítulo de Word and Object

Estes são concebidos por Quine como sentenças observacionais e são a base inicial para concordância intersubjetiva, pois elas relacionam as palavras a situações estimulatórias compartilhadas.

O que Quine faz é descrever a aprendizagem da linguagem na perspectiva de uma criança que está adquirindo sua primeira língua e é recompensada ou punida diante o proferimento de uma sentença em um dado contexto. Deste modo, a criança inicialmente é introduzida em uma forma de vida, que ao mesmo tempo é seu aprendizado de uma linguagem, originada principalmente através da ostensão - da observação de eventos físicos - conjuntamente com a penalização ou gratificação de seu proferimento. “Então, por exemplo, meus pais me ensinaram a semântica de ‘Está chovendo’ por gratificar-me por dizer ‘Está chovendo’ quando, em sua opinião, estava chovendo. E similarmente para outras grandes quantidades de sentenças” (FOLLESDAL, 1990, p. 102).

De acordo com Quine (PT, 1990, p. 38):

Na psicologia alguém pode ou não pode ser um behaviorista, mas em linguística não há escolha. Cada um de nós aprende sua linguagem por observar o comportamento verbal de outras pessoas e tendo seu próprio comportamento verbal balbuciante observado e reforçado ou corrigido por outros. Nós dependemos estritamente sobre o comportamento público em situações observáveis.

Portanto, o que uma criança faz ao aprender a linguagem é associar uma sentença observacional aos estímulos, aos sentidos corporais, mesmo sendo esta uma estimulação que não tem uma única referência. Ou ainda, a criança forma outras sentenças a partir das anteriores por uma substituição analógica. Sendo assim, Quine sustenta que a linguagem vai além do método de ostensão e reconhece igualmente, que ele não dá conta de toda a aquisição da linguagem. A partir disso Quine identifica dois métodos necessários para se adquirir uma linguagem: a ostensão e a síntese analógica.

O método inicial de aquisição da linguagem é a ostensão. Segundo este método as sentenças são aprendidas como um todo pelo condicionamento direto delas as estimulações não-verbais apropriadas. Por exemplo, a criança aprende a associar sentenças com estimulações não-verbais por observar o comportamento público de seus pais ou pessoas mais velhas sobre circunstâncias reconhecíveis publicamente. Isto é, a criança aprende indutivamente, a partir de estimulações, o uso correto de uma expressão. Este método é chamado muitas vezes por Quine de

“condicionamento direto”, assemelhando-se ao que Skinner propunha na psicologia com o “condicionamento”, mas também recebe vários outros nomes como: associação, treino, formação do hábito, reforço e extinção, indução. Porém, o condicionamento de Quine não é tão simples, não é apenas uma associação da expressão com o objeto, mas sim, exige uma indagação acerca da expressão para assim ser possível um assentimento ou um dissentimento. Por exemplo, quando se diz “Vermelho”, com referência a uma bola vermelha, deve-se questionar “Vermelho?” em presença dos estímulos sensoriais da bola vermelha, e esperar um assentimento ou dissentimento. Nesse exemplo, fazendo referência à aquisição da palavra “Vermelho” por uma criança, são apresentadas elocuções da palavra simultaneamente com apresentações de vermelho; seguidamente seu próprio balbuciar é aplaudido quando se aproxima de ‘vermelho’ na presença de vermelho. Finalmente a criança adquire a arte de aplicar a palavra de forma nem muito estreita nem muito alargada para o gosto de sua mãe (SLS, 1976, p. 231).

O exemplo que Quine utiliza para descrever esse método inicial é encontrado no terceiro capítulo de Word and Object e faz referência ao aprendizado de “Mamãe”, considerado como o aprendizado de uma sentença ocasional, isto é, uma sentença que pode ser verdadeira ou falsa dependendo dos estímulos relacionados a ela. De acordo com Quine a criança ao balbuciar pela primeira vez “Mamãe” pode ter vários estímulos presentes que a fizeram responder com essa sentença, como ver a face da mãe ou ainda sentir a brisa ou ouvir “Mamãe”. Porém, é através da associação do estímulo, da resposta e do reforço – a criança ao ser aplaudida (reforço positivo) ou repreendida (reforço negativo) –, que a criança aprenderá a palavra. O que acontece é que diante da resposta frente a uma brisa, não haverá reforço para sustentar a aprendizagem, mas somente quando a criança ver a face da mãe ou ouvir o som “Mamãe” (WO, 1960, p. 81). Não obstante, tendo uma vez aprendido “Mamãe”, a criança assentirá a sentença quando questionada na presença respectivamente saliente da Mamãe.

Esse método é o mais básico para a aquisição da linguagem e requer somente uma capacidade de observação, disso segue-se que as primeiras sentenças aprendidas são “sentenças observacionais”70. Segundo Quine as

primeiras sentenças que as crianças adquirem são a partir deste método de ostensão (WO, 1960, p. 9). Entretanto, deve-se observar que ao aprender ou ensinar ostensivamente o professor e o aluno devem ambos ver o objeto, e pelo menos um deles deve também ver que o outro vê o objeto ao mesmo tempo. No exemplo citado anteriormente com respeito à sentença “Vermelho”, deve-se ressaltar que ambos, a criança e a mãe, devem ver a superfície vermelha e pelo menos um deles deve ver também que o outro vê a superfície vermelha ao mesmo tempo. Por isso Quine (WP, 1976, p. 232) afirma:

As semelhanças e os contrastes que estão na base da primeira aprendizagem da linguagem de alguém devem não só ser pré-verbalmente apreciáveis; elas devem, adicionalmente, ser intersubjetivas. A sensibilidade ao vermelho de nada valerá à criança, ao aprender “Vermelho” da mãe, a não ser na medida em que a mãe está em posição de apreciar que a criança é confrontada com algo vermelho.

Após esse estágio, Quine (WO, 1960, p. 82) afirma:

Uma vez a criança tendo atingido este estágio, sua aprendizagem da linguagem posterior torna-se independente do comportamento operante inclusive no aspecto ativo; e a partir de então, com pouco ou nenhum encorajamento por parte de seus pais, ela procede a acumular a linguagem aceleradamente.

O segundo método de aquisição da linguagem então se faz presente e, é denominado por Quine de síntese analógica. De acordo com este método a maioria das sentenças que uma pessoa aprende é formada por partes de outras sentenças que já se tem adquirido – principalmente pelo método de condicionamento direto - e são baseadas sobre analogias. Ou seja, frases são produzidas pela substituição analógica de termos adquiridos pelo primeiro método. É a partir desse método que o discurso se enriquecerá e possibilitará que o falante fale não apenas de coisas físicas, mas também de coisas distantes a observação. O exemplo utilizado por Quine é a sentença “Meu pé dói”, afirmando que é a partir dela, por analogia, que se pode construir a sentença “Minha mão dói”. Segundo Quine (WO, 1960, p. 9):

[...] é evidente como novas sentenças podem ser construídas de materiais antigos e apresentadas sobre ocasiões apropriadas simplesmente em virtude de analogias. Tendo sido diretamente condicionada ao uso apropriado de ‘Pé’ (ou ‘Isto é meu pé’) como uma sentença, e ‘Mão’ do mesmo modo, e ‘Meu pé dói’, como um todo, a criança pode de modo concebível proferir ‘Minha mão dói’ sobre uma ocasião apropriada, ainda que careça de toda experiência anterior com essa sentenças.

Após possuir um número de sentenças adquiridas a partir de uma ligação a estímulos não-verbais, se torna possível construir teorias compostas de sentenças associadas com outras sentenças. Há nesse segundo momento, relacionando-se sentenças com sentenças, não mais uma ligação direta com estímulos não-verbais, mas sim conexões lógicas e causais, e o aprendizado das sentenças se farão muitas vezes contextualmente (WO, 1960, p. 11).

Disso se segue que a linguagem científica é um produto de irreduzíveis pulos de analogia, além de aprendizagens ostensivas. Contudo, qualquer interconexão de sentenças necessita em última instância estar adequada ao condicionamento de sentenças tanto como resposta a sentenças quanto a estímulos. Quine, assim, parece definir a linguagem como sendo uma “rede de sentenças diversamente associadas entre elas e a estímulos não-verbais mediante o mecanismo de resposta condicionada” (WO, 1960, p. 11).

Todavia, a linguagem baseada no comportamento publicamente observado sempre permitirá uma indeterminação da linguagem, não somente com respeito à tradução de linguagens diferentes, mas também, do próprio significado e da referência em uma mesma linguagem. De acordo com Follesdal (1990) o que Quine parece propor é que ao se aprender uma linguagem não se aprende somente ela, mas sim, uma linguagem com teoria. E observado isso, há um problema que se estabelece frente à tentativa de comparar a “minha teoria” com a “teoria de outro”, o de correlacionar minhas sentenças com as sentenças de outra pessoa, em tal caminho que as sentenças que tenham o mesmo significado sejam encontradas. Por isso, questiona-se: “Mas, qual é o critério para a identidade de significado? Quais são as correlações entre linguagens que contam como traduções?” (FOLLESDAL, 1990, p. 102).

A subseção seguinte se dedica a expor este “problema” encontrado na linguagem, o que Quine denomina de indeterminação da tradução. As reflexões de Quine levam a considerar que para um linguista uma identificação empírica e uma tradução somente é possível a sentenças observacionais e não a sentenças teóricas.