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O interesse em estudar o cárcere, evidentemente, não é apenas histórico. Revisitar as origens do sistema penitenciário na Europa e Estados Unidos significa, na realidade, buscar as razões de fundo que explicam a crise do sistema carcerário nos dias de hoje e colocar-se o problema da homogeneidade entre as instituições carcerárias e os modelos econômicos e políticos da nossa sociedade (MELOSSI, 2010). No embalo de exigências orçamentárias e da moda política “menos Estado”, os estadunidenses levaram à mercantilização: assistência social e prisão (WACQUANT, 2011). Desse modo, subcontratam algumas empresas para o acompanhamento administrativo dos beneficiários de ajudas sociais, e, significativa parte dos detentos ficou internada em prisões privadas (WACQUANT, 2011).

Nesse sentido, os pobres e prisioneiros são rentáveis no plano econômico e ideológico do pensamento americano, dando origem ao complexo comercial carcerário-assistencial. A ideia é vigiar e subjugar, punir e neutralizar, amparados por uma tradição política – conjunto institucional – que se articulou entre os setores

público e privado, a partir da fusão das funções: fichamento, recuperação moral e repressão do Estado (WACQUANT, 2011). Assim, os EUA lideram o ranking de encarceramento mundial (CABRAL; SAUSSIER, 2013). Na tentativa reformadora do jovem, os Estados Unidos constataram na política do controle social, uma invenção peculiar, quer dizer, o sistema penitenciário. A história do sistema penitenciário americano se delineia nas origens da organização do trabalho penitenciário, ou seja, a reconstrução da história de emprego da população internada da primeira metade do século XIX (PAVARINI, 2010).

A partir do encolhimento do Estado de bem-estar americano na década de 1970, o sistema penal consolida sua ascensão por meio de saturação da massa carcerária e eclosão descontrolada dos custos prisionais. Destarte, ocorreu a elaboração de estratégias para reduzir os custos, tais como, baixar o nível de serviços dentro das prisões, transferência de custos para os internos (famílias), uso da tecnologia para produtividade, reintroduzindo o trabalho carcerário. Não obstante, tais estratégias não contribuíram para a redução dos custos do encarceramento, muito menos aliviaram os encargos sociais e econômicos, dado seu impacto de desmantelamento na vida das pessoas, familiares e comunidades miseráveis (WACQUANT, 2002). Importando o modelo de punição americano, na década de 1980 os países membros da União Europeia aumentaram seu parque penitenciário (WACQUANT, 2011). Assim, a rede penal na Europa foi superpovoada por prisões que influenciaram o funcionamento dos serviços correcionais, relegando à prisão uma função: depósito dos indesejáveis pela sociedade. Nesse sentido, constatam-se dissimuladas médias nacionais de superpopulação carcerária e significativa parte dos prisioneiros cumprindo sentença em condições alarmantes (maus-tratos ao serem detidos pela polícia, privação de alimentação, pressões psicológicas, etc). Cabe ressaltar que os alvos prediletos do aparelho penal europeu eram: os estrangeiros e os jovens das classes populares. O slogan “tolerância zero” chegou às terras europeias, e, em torno da articulação em prol da maior repressão aos delitos menores e das simples infrações, propagou-se uma rede de ideias neoconservadoras, apoiadas pelos campos burocrático, acadêmico e jornalístico (WACQUANT, 2011).

Nesse sentido, um novo senso comum penal neoliberal assistiu ao agravamento das penas, a vigilância dos territórios (considerados perigosos), a desregulamentação da administração penitenciária, entre outros. Na penalização da miséria, a tolerância

zero é o apêndice policial imprescindível ao encarceramento em massa dos delinquentes americanos e britânicos. Os Estados Unidos e Reino Unido estimularam a produção de riquezas, a criação de empregos, a redução dos gastos sociais e o menos Estado (providência). Desse modo, não se preocuparam com as devastadoras consequências sociais: pobreza de massa, insegurança social, crescimento das desigualdades, segregação, desamparo das instituições públicas e criminalidade. O desmantelamento do Estado-providência assiste a sobre- regulamentação penal e desregulamentação econômica, quer dizer, o superinvestimento carcerário e o desinvestimento social. Assim, o vento punitivo soprou nas Américas e Europa, consagrando com ele, o menos Estado (WACQUANT, 2011).

Ao retraçar o impacto da consultoria carcerária, foi possível reconstituir a trama das múltiplas relações estabelecidas entre instituições americanas e inglesas, visualizando diferentes posições de poder no seio dos campos econômico, político, universitário, jornalístico e outros. No vasto tráfego de ideias, a penalização da miséria é resultante da estrutura das relações de conluio, competição, dependência e subordinação que amarram os efeitos do poder (WACQUANT, 2011). Nos EUA, o argumento convencional em relação à expansão estupenda da punição, é fomentado por dizeres de aumento da criminalidade. No entanto, o país tornou-se seis vezes mais punitivo, mantendo constante o crime. O encarceramento demonstra aumento ininterrupto e resistente em toda a Europa Ocidental desde o início da década de 1980 (EICK; WINKLER, 2011).

O boom da prisão não foi fomentado pela busca de lucro (interesses privados são exceções à parte ao castigo) e tão pouco por desejo de exploração do presidiário no trabalho dentro das prisões, o fato é a elaboração de um projeto político de Estado (EICK; WINKLER, 2011). Ao final da década de 1990, a cifra de um milhão de sentenciados por contestados não-violentos reclusos nos Estados Unidos refletia que nas prisões dos condados, 60% eram negros ou latinos; menos de 50% estavam empregados em tempo integral no exato momento de ser preso, e aproximadamente 67% eram provenientes de famílias que tinham renda inferior à metade do considerado limite de pobreza (WACQUANT, 2011). O nascimento da prisão como instituição está prontamente conectado aos programas e organizações responsáveis em prestar assistência às pessoas pobres (WACQUANT, 2008a).

No entanto, o método Panóptico e punição do sistema penal contaminam e redefinem os objetivos e mecanismos que deveriam assistir a população. Em 1996 – no governo do presidente Clinton –, são perceptíveis as práticas intrusivas por meio de controle e registros, o monitoramento da conduta dos indivíduos no que se refere ao emprego, educação, sexualidade e consumo de drogas, sob a força das sanções criminais e administrativas, evidenciando a repressão do Estado e estigmatização (WACQUANT, 2008a). Indubitavelmente, o crescimento do número de presos nos Estados Unidos da América foi justificado pelo encarceramento dos delinquentes (particularmente os toxicômanos), que representavam 75% dos condenados. Estes, condenados por furto, negócios com drogas, roubo, atentados à ordem pública, eram provenientes de famílias subproletariadas negras, precarizadas da classe trabalhadora, que foram culminadas pelas transformações da proteção social e trabalho assalariado. Nesse sentido, os discursos político e midiático predominante contrariamente alegavam que as prisões estavam superlotadas de criminosos violentos e perigosos. (WACQUANT, 2011).

Ao aumentar substancialmente o número da massa encarcerada, em curto prazo, os EUA reduziram artificialmente o índice de desemprego, omitindo das estatísticas um número considerável em busca de empregos, ademais, no médio e longo prazo, constata-se o grave problema da não empregabilidade para os ex-internos. Nesse sentido, a somatória dos efeitos do aprisionamento resulta: estigmatização, acusação, suspensão das atividades escolares, profissionais e matrimoniais, a desestabilidade familiar, a cultura de resistência nas comunidades, sofrimentos, violências (inter)pessoais normalmente ligadas à passagem pela instituição prisional (WACQUANT, 2011). Os padrões de modernidade das relações econômicas, sociais e culturais que afloraram nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e em outros lugares no final século XIX, incutiram com eles, um considerável aumento da insegurança e controle, que tiveram um papel crucial na maneira que formamos novas respostas: ao combate do crime, aos problemas de controle sociais ineficazes, às críticas de justiça penal tradicional, enfim, aos riscos, incertezas e as recorrentes ansiedades em relação à expectativa de uma mudança e ordem social (GARLAND, 2008).

A maneira como os Estados Unidos e a Europa construíram e administraram as prisões foi certamente inspirada no projeto paranóico de Bentham. Tal influência deve ser considerada ao passo que em toda sociedade se introduzia ao mesmo

tempo uma nova tecnologia do poder, por exemplo, um novo sistema de vigilância no exército ou novas regras na escola, realizando o sonho e verdade paranoica da sociedade (FOUCAULT, 2003). Ao discutir a criminalidade nos EUA, evidencia-se que o Estado não se preocupa com as causas que levam as classes pobres a cometerem um crime. Revés, o foco está nas consequências dos atos destes que estão à margem, pois, devem ser punidos com eficácia e incomplacência. A ideia é, na ausência da pena de morte, a reclusão, a privação de liberdade são os meios mais eficazes na prevenção de assassinatos, estupros, roubos e furtos. Consequentemente, a justiça pune os culpados, indeniza os inocentes e defende os interesses dos indivíduos que honram a lei, afinal, é o criminoso que está em falta com a sociedade (WACQUANT, 2011).

O legado utópico de Bentham, tal como, a fórmula de punição da massa carcerária proposta por consultores americanos, cativa a terra do pau-brasil.