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A tradição cerâmica Tupiguarani no sul do Brasil: os Guarani

Em toda a área de dispersão desta tradição arqueológica, os sítios mostram uma forte relação com um tipo específico de sistema ecológico: as áreas de vales de rios, cobertas por Floresta Estacional Decidual e Semidecidual, a partir de uma adaptação agrícola provavelmente iniciada em algum ponto da floresta amazônica.

A preferência por este tipo de ambiente permitiu que o Tupiguarani ocupasse as várzeas fluviais mais férteis e se movimentasse em direção oeste-leste; partindo do baixo Rio Paraná e adentrando o estado do Rio Grande do Sul através do eixo formado pelos Rios Uruguai, Ijuí e Jacuí (ROGGE, 2004:71-2).

O início da expansão, segundo Ferrari (1981) teria ocorrido por volta do início da Era Cristã, ou antes, ainda. Sítios relacionados a subtradição Pintada, foram encontrados na região do Paraná-Uruguai, ao longo do médio Rio Uruguai e no vale do Rio Ijuí. A partir daí teria ocorrido uma evolução à subtradição Pintada para a subtradição Corrugada, bem como uma expansão desta última em direção ao centro do Estado, via o alto e médio Rio Jacuí. Em se tratando de datações, é na região do médio Jacuí que se tem as datas mais antigas (BROCHADO, 1973a e b; SCHMITZ, ROGGE, ARNT, 2000).

Seguindo pelo Rio Jacuí, por volta dos séculos IX e XIII, a subtradição Corrugada ocuparia as áreas mais férteis desse rio com maior intensidade, ao mesmo tempo em que se dirigiria para ambos os lados do Rio Uruguai, ocuparia a faixa costeira e as matas da Serra do Sudeste, além de alguns locais florestados da costa ocidental da Lagoa dos Patos.

Esta expansão seguiria ainda ocupando áreas mais afastadas dos rios maiores ou as porções mais altas e mais estreitas dos vales dos rios que descem do Planalto, até chegar por volta dos séculos XV e XVI, momento em que já estariam estabelecidos praticamente por todas as áreas florestadas dos vales fluviais (com exceção das áreas de mata atlântica e terras altas do planalto) e à faixa litorânea. Possivelmente esse movimento teria seguido adiante se

16 Apresentação baseada na tese de doutorado de Rogge (2004). Também é importante informar que, neste

trabalho, quando se utilizar o termo subtradição Corrugada (taxonomia oficial utilizada pelo PRONAPA), “subtradição Guarani” (BROCHADO, 1984; RIBEIRO, P., 1991), “Proto-guarani” (PROUS, 1992), “Guarani pré-históricos” (SOUZA, 2002), “povos Guarani” (NOELLI, 1990/2000) estará se remetendo, de um modo geral, às ocorrências arqueológicas desta população no sul do Brasil e na região platina.

não tivesse sido interrompido pelo contato do indígena com o europeu (BROCHADO, 1973a e b, 1984; SCHMITZ, 1991a e b; RIBEIRO, P., 1991 apud ROGGE, 2004).

2.4.1 As evidências arqueológicas dos Guarani no sul do Brasil

No que se refere aos sítios arqueológicos, as áreas de ocupação desta subtradição são reconhecidas pela presença de “ manchas de terra escura”, resultantes do acúmulo de restos orgânicos. Associada, encontra-se também grande quantidade de materiais lito-cerâmicos e por isso estas áreas são interpretadas como locais de habitação.

Com relação aos sítios arqueológicos, muito pouco se sabe a respeito deles, pois a maioria não foi totalmente escavada17. Os trabalhos desenvolvidos com esse grupo provêm, em sua maioria, de coleções arqueológicas conseguidas através de coletas superficiais ou pequenas sondagens (SCHMITZ,1991a e b).

Sendo assim, fica difícil desenvolver um estudo mais profundo que leve em consideração a estrutura e a organização do assentamento. Um outro problema que impede os arqueólogos de escavarem áreas inteiras é que a maioria delas encontra-se bastante impactada pelas atividades antrópicas modernas, ocorrendo que a maior parte do material e a estrutura dos sítios já estão parcialmente ou totalmente destruídos devido à ação do homem (ROGGE, 2004).

Com relação ao material, artefatos líticos e cerâmicos estão presentes nas coleções arqueológicas. Entretanto, salienta-se que na cerâmica, apesar de ser o artefato mais recorrente e mais abundante nas coleções, dificilmente as peças são encontradas inteiras. Sendo assim, a maior parte dessas coleções é composta de fragmentos. Contudo, isso não impede que a cerâmica ainda seja o principal vestígio utilizado como objeto de estudos.

Especificamente sobre o lítico, mesmo que ainda mais raro e pouco estudado, os principais instrumentos são feitos de pedra lascada como os raspadores e talhadores. a pedra polida era usada para lâminas-de-machado, os quebra-coquinhos e tembetás; modificados intencionalmente ou pelo uso são os afiadores-em-canaleta e polidores; além disso, há lascas, sendo que algumas apresentam evidências de utilização (desgaste ou retoques) e, finalmente, há os resíduos de lascamento (ROGGE, 2004).

Com relação à cerâmica (Figura 2), evidencia-se a existência de cachimbos, além, é claro, de vasilhas que se diferenciam consideravelmente das vasilhas dos Tupinambá. As

formas Guarani têm contornos bastante variados, que vão de simples a complexos: são conoidais com contornos infletidos. Grande parte dos recipientes possui ombros escalonados.

Figura 2. Formas dos vasilhames Guarani, segundo Schmitz (1991a).

Os tamanhos das vasilhas também variam, indo desde pequenas tigelas a grandes talhas com bocas arredondadas. Os recipientes possuem funções variadas, que podem ser incluídas dentro de três categorias: processar, servir e armazenar alimentos sólidos e líquidos. Além disso, determinadas formas de recipientes, como para os Tupinambá, poderiam estar relacionadas com tipos e preparos de certos alimentos. Por exemplo, as formas mais fechadas

das vasilhas poderiam indicar a utilização de pratos cozidos de mandioca doce (SCHMITZ, 1991a e b).

Quanto à técnica de confecção das vasilhas, predominantemente, utilizava-se a sobreposição de roletes (“roletado” ou “acordelado”), mas algumas vezes, para recipientes muito pequenos, poderia ocorrer a técnica da modelagem. Quanto à técnica de acabamento de superfície, esta pode ser o alisamento (interno e externo), uma decoração plástica de vários tipos em superfície externa ou, ainda, um engôbo e/ou pintura policrômica na superfície externa e/ou interna.

Quanto às técnicas de acabamento de superfície, nos recipientes cerâmicos Guarani, predomina a plástica na parte externa. As vasilhas pintadas são em número menor, podendo a pintura ocorrer tanto em superfície interna quanto externa. Quanto aos desenhos, destacam-se os aspectos gráficos que envolvem figuras com formas geométricas, especialmente em superfícies externas. Também podem ocorrer em superfícies internas, porém aqui o número é menor, sendo mais comuns figuras com formas circulares ou espiraladas.

Um ponto importante é que, apesar das diferenças estilísticas das cerâmicas destas duas sociedades, um aspecto as iguala. Ambas possuíam uma relação com certos recipientes, especialmente os pintados, que envolviam mais que funções práticas. Muitos dos vasilhames estiveram relacionados com atividades ritualísticas; exemplo disso é o uso das grandes

igaçabas ou cambuchis, como urnas funerárias, e de recipientes menores, como “tampas” e

acompanhamento funerário. Além, disso, muitas vasilhas foram reutilizadas servindo de matéria-prima para o antiplástico usado na confecção de novos recipientes.

Vestígios ósseos e malacológicos, assim como uma variedade de outros objetos de origem orgânica presentes na cultura material dessa população, são raramente encontrados devido ao fato de serem perecíveis e não resistirem ao tempo. Mas dependendo das condições do solo, artefatos como pontas-de-projéteis, furadores, espátulas e adornos podem ser encontrados.

Para outros aspectos que estejam relacionados, por exemplo, com a organização interna do assentamento, reafirma-se que é muito difícil obter dados consistentes devido ao grau de deterioração dos solos.

2.5 A coleção cerâmica pintada Tupiguarani de Itapiranga, SC: relevância e histórico