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A tradução como estratégia de consciencialização e de contraste na aprendizagem de línguas

CAPÍTULO I AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS PRÓXIMAS

5. A tradução como estratégia de consciencialização e de contraste na aprendizagem de línguas

Em sentido amplo, pode-se falar de duas dimensões da tradução: a tradução mental e a tradução como atividade de comunicação, sendo que a primeira consiste num processo ou estratégia cognitiva que ocorre de forma natural na mente e que dificilmente poderá ser evitado (Calvo Capilla & Ridd, 2009) e ao qual Hurtado Albir (1988, como citado em

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Calvo Capilla & Ridd, 2009) denomina como tradução interiorizada. Esta dimensão da tradução está claramente relacionada com o papel da L1 na aquisição da L2 como filtro e modelo. A segunda consiste numa verdadeira atividade de comunicação que facilita a interação oral e escrita entre indivíduos que têm dificuldade em estabelecer contacto direto por não partilharem uma língua comum.

Quando se analisa o papel da tradução nos métodos de ensino de LE, percebe-se que esta foi excluída durante anos das aulas de línguas porque as linhas de investigação inclinaram-se sobretudo para os efeitos negativos deste contacto: a interferência. Apesar disso, L1 e tradução não deixaram de estar presentes na aula de LE, na mente dos aprendentes, sob a forma de traduções mentais (Calvo Capilla & Ridd, 2009). Efetivamente, a tradução volta a figurar entre as propostas dos investigadores, já que constitui uma atividade comunicativa com elevada carga cognitiva, permitindo ao aprendente trabalhar de forma consciente o contraste entre as línguas. Pretende-se neste estudo reconsiderar o papel da tradução na aprendizagem de segundas línguas, como um processo ao qual o aprendente pode recorrer tendo em conta as possibilidades que esta lhe possa oferecer. Ainda que não vá ser explorado este campo na ação pedagógica com os alunos, é pertinente referi-lo, na medida em que a tradução consiste num processo natural na aprendizagem de uma segunda língua.

Segundo alguns autores, a prática da tradução constitui a melhor forma de consciencializar os alunos das diferenças e semelhanças entre a sua língua materna e a segunda língua. Santos Gargallo (1993, p. 60) diz que “evidentemente, la mejor manera de hacer conscientes a los alumnos de las diferencias y similitudes entre su lengua nativa y la lengua que están aprendiendo es, sin duda, la práctica de la traducción”. Refere também que vários linguistas defendem o uso da tradução no ensino de uma língua estrangeira, considerando que esta é inevitável nas partes do sistema em que as estruturas da L2 apresentam correspondências com as da língua materna do aluno, dado que este não pode evitar pensar na L1 enquanto aprende uma segunda língua.

A tradução como atividade de consciencialização contrastiva, permite minorar as interferências e a sua fossilização no ensino aprendizagem no caso de línguas próximas, como o Português e o Espanhol (Calvo Capilla & Ridd, 2009). A tradução entre línguas próximas possui de facto, a tendência a uma menor dificuldade, daí que muitas vezes, a

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tradução entre o Português e o Espanhol fica reduzida a um processo de transformação linguística.

Ainda que a tradução em voz alta não se realize, no momento de associar a um objeto ou a uma ação um determinado significante da L2, produz-se no aprendente outra associação mental com um significante da língua materna, ou seja, mesmo que não se recorra à tradução explicativa, não podemos suprimir o que Albir (1998) denomina por “tradução interiorizada”. Deste modo, se a tradução é um processo mental dificilmente controlável, é absurdo tentar evitá-la. Seguindo a perspetiva de Albir, outras investigações psicolinguísticas, estabelecem uma relação natural entre aprender uma língua e traduzi-la.

A tradução, e mais precisamente o uso da L1, está na base de muitas estratégias de comunicação. Com a prática, estas estratégias de comunicação tornam-se semiautomáticas, posteriormente automáticas e, numa fase final, se se atinge um elevado conhecimento da L2, poder-se-á prescindir delas, já que se terá alcançado o nível desejado que permite pensar na L2 (Cohen, 1998, como citado em Martín Martín, 2000).

Brown (2000, como citado em Calvo Capilla & Ridd, 2009, pp. 162-163) propõe “pensar diretamente na língua meta” para “minimizar os erros de interferência” e “não recorrer à tradução” na aprendizagem da LE. Santos Gargallo (1993), ainda que refira as vantagens da tradução, não deixa de alertar que esta, embora possa ajudar numa primeira fase, converter-se-á num hábito difícil de erradicar em níveis mais avançados. Em níveis elementares, o aluno tenderá inconscientemente a procurar a estrutura aprendida na sua língua materna e, ao encontrá-la, sentir-se-á mais seguro e reconfortado. Mais tarde, este hábito será prejudicial, pelo que deveria habituar-se a pensar na língua que está a aprender, dado que estruturas mais complexas terão a forma sintática da língua materna e a morfologia e o léxico da língua a aprender, “lo cual, a oídos de un nativo, resultará lamentablemente irritante” (Santos Gargallo, 1993, p. 61). Martín Martín (2000) refere que a dependência da L1 está vinculada ao contacto com a L1. Se este se produz nas condições adequadas, a intervenção da L1 vai desaparecendo. Se, pelo contrário, não se dá esse contacto estreito com a L2, a L1 estará sempre presente, quer se tenham realizado ou não exercícios de tradução e estratégias de comunicação baseadas na mesma, com a desvantagem de que, neste caso, a capacidade comunicativa do falante será inferior. Ainda segundo este autor, a tradução “puede desempeñar una función comunicativa dentro del aula – generalmente de L2 a L1 -, cuando, por ejemplo, el profesor expresa en L1 algo

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presentado en L2 que no ha sido comprendido por la clase o cuando se solicita de un alumno que traduzca lo dicho en L2 por el profesor, para comprobar si lo ha entendido” (ibidem, p. 147).

As opiniões sobre o recurso à tradução não são totalmente consensuais, há professores de L2 que continuam a oferecer uma grande resistência em recorrer à L1 dos seus alunos; contudo, nas novas investigações considera-se que a rutura total com a língua materna não existe (Bouton, 1974; Ellis, 1985; Bley-Vroman, 1989, como citado em Ballester Casado & Chamorro Guerrero, 1991). Assim,

“pour l’adolescent et l’adulte qui découvrent la langue seconde, l’expérience que représente la situation d’acquisition est immédiatement réorganisée par la langue maternelle, […]. La formule verbale de la langue seconde ne se charge pas de signification qu’à travers l’écran de la langue maternelle” (Bouton 1974, p. 168, cf. Lavault 1986, p.15, como citado em Ballester Casado & Chamorro Guerrero, 1991, p. 395).

O papel da LM não deve ser descurado, servindo como fonte de hipóteses e modelo de aquisição da LE. Pode, com efeito, ser um instrumento pedagógico para tornar explícitas interferências, permitindo uma reflexão metalinguística.

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