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A tradução literária do final do século XX

O final do século XX, a partir da década de 70, foi marcado pela difusão dos Estudos de Tradução (Translation Studies) em que teóricos como André Levefere, Susan Bassnett e Itamar Even-Zohar começaram a refletir sobre uma área de pesquisa promissora e importante, visto que possibilitava uma forma diferente de se pensar o processo de tradução, sendo percebido não somente como uma “transposição linguística”, mas também considerando os fatores históricos, culturais, econômicos e sociais envolvidos no processo, pois

uma tradução literária não é examinada do ponto de vista da precisão, expressão ou brilho com os quais consegue refletir o original; em vez disso, analisa-se o lugar que a tradução ocupa dentro do sistema da

63 língua para a qual foi traduzida (o sistema-alvo). (MILTON, 1998, p. 184).

Compreender as transformações ocorridas no processo de tradução no decorrer dos séculos é fundamental para a realização de uma análise mais aprofundada de uma obra literária traduzida, pois em cada época ocorrem diversas mudanças sociais e históricas nas sociedades, o que pode nortear e determinar as estratégias de análise de uma obra e sua(s) tradução(ões).

Além do conhecimento histórico da tradução, é importante, ainda, haver uma reflexão preliminar a respeito das culturas envolvidas (partida e chegada) para que a tradução, bem como o seu estudo, possa ser realizada de forma satisfatória. Segundo Bassnett (2003),

é na formulação de questões como esta que radica a perspectiva (possivelmente também já uma escola de pensamento) que encara a tradução como um dos processos de manipulação literária, uma vez que os textos são reescritos atravessando fronteiras linguísticas e que essa reescrita ocorre num contexto histórico-cultural claramente definido. (BASSNETT, 2003, p. XXIII-XXIV).

Os Estudos de Tradução recaem sobre questionamentos acerca de um processo de tradução extremamente questionador, que busca investigar o que acontece com um texto ao sair de uma cultura para outra, haja vista a tradução não se limitar apenas ao acesso facilitado a um texto escrito originalmente em outra língua, mas também procurar avaliar quais implicações que esse texto traduzido pode causar nas culturas envolvidas.

A tradução é capaz de revelar mundos e realidades desconhecidos até mesmo para a cultura de partida. Através do estudo de uma obra traduzida, pode-se perceber que existem possibilidades de ambas as culturas encontrarem algo novo, mediante a análise do texto traduzido. Berman (2002) afirma que,

(...) em uma tradução, não há somente uma certa porcentagem de ganhos e de perdas. Ao lado desse plano, inegável, existe um outro, em que alguma coisa do original aparece e que não aparecia na língua de partida. A tradução faz girar a obra, releva dela uma outra vertente. (BERMAN, 2002, p. 21).

Nesse sentido, a tradução começou a ser vista como um processo de criação e não mais como um ato mecânico. Consequentemente, criou-se a necessidade de se tratar

64 do assunto de forma conjunta, envolvendo a teoria e a prática de tradução, uma vez que “divorciar a teoria da prática, colocar o teorizador contra o praticante, como aconteceu noutras disciplinas, seria trágico” (BASSNETT, 2003, p. 29).

Considerando as relações entre teoria e prática, podemos ressaltar o fato de o tradutor também ser um leitor da obra, pois, antes de realizar a tradução, se faz necessário conhecer bem o texto. Entretanto, essa leitura deve ser feita com um olhar mais crítico, já que não se trata apenas de uma leitura comum, é uma leitura que objetiva apresentar o texto para outra cultura, logo, deve ser realizada de forma cuidadosa.

A leitura do texto deve estar acompanhada do conhecimento global da obra a ser traduzida: o tradutor desconhecer o contexto em que a obra foi produzida pode causar prejuízos em sua tradução. Bassnett afirma que,

é também bastante evidente que a ideia do leitor como tradutor e a enorme liberdade que esta visão confere devem ser tratadas com muita responsabilidade. O leitor/tradutor que não reconhece o materialismo dialéctico que serve de fundamento às peças de Brecht ou que não reconhece a ironia nos sonetos de Shakespeare ou que ignora o modo como a doutrina da transubstanciação é utilizada como artifício de subterfúgio para a produção do manifesto anti-fascista de Vittorini em

Conversazioni in Sicilia estará a descontrolar o equilíbrio das forças em presença ao tratar o original como propriedade sua. (BASSNETT, 2003, p. 134-135).

Dessa forma, vimos que o conhecimento do todo (obra e contexto) é fundamental para que o tradutor possa realizar uma tradução bem sucedida, pois a negligência de um desses elementos pode provocar a produção de um texto que poderá não alcançar o seu objetivo, que é proporcionar a troca de conhecimentos e informações entre as nações.

Por ser a análise das traduções de um romance o objeto de estudo deste trabalho16, é relevante considerar algumas questões fundamentais envolvendo a obra e

seu contexto, no que se refere à tradução de prosa. Para Bassnett, a discussão em torno da tradução de romance não é tão extensa quanto a respeito da tradução de poesia; no entanto, a tradução de prosa não é tão simplória quanto aparenta ser.

A alteração da estrutura do texto e a utilização de vocábulos inadequados, por exemplo, podem provocar profundas alterações na proposta do texto original. Não se

16 Conforme informado na introdução deste trabalho, o objeto de estudo desta dissertação é o romance Germinal.

65 trata de ser fiel ou não ao texto-fonte, mas de adequação da tradução para a língua de chegada, sem que haja alterações que prejudiquem o conteúdo disposto no texto original. Sendo assim, “o tradutor deve, portanto, em primeiro lugar, determinar a

função do sistema da língua de partida e procurar um sistema na língua de chegada que

cumpra essa mesma função” (BASSNETT, 2003, p. 189).

O texto traduzido pode ocupar posições importantes na cultura de chegada, delineando ideologias, hábitos e costumes que irão fazer parte do cotidiano dessas nações. André Lefevere17 (2007) cita, como exemplo, a tradução de textos sagrados que são considerados textos fundamentais, visto que as pessoas são guiadas através desse tipo de texto. Dessa forma, o texto traduzido pode se tornar um instrumento indispensável para o desenvolvimento e enriquecimento literário e cultural de uma nação.