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1. INTRODUÇÃO

1.5 A trajetória histórica da atenção à pessoa com deficiência visual

Diversas concepções são atribuídas à deficiência, que ao longo do tempo foram passando por mudanças. Na Grécia antiga, era praticado o abandono dos recém-nascidos com deficiência. A ausência de qualquer iniciativa pública que defendesse a existência e dignidade dessas pessoas reforçava a tradição de exclusão e aniquilamento. No advento do cristianismo, na Idade Média, acreditava-se ora que a deficiência era resultado da possessão do demônio - como resultado de uma punição espiritual - ora como um desígnio divino (56).

Com os anos, ganhou espaço a concepção organicista, a qual defendia que a deficiência deveria ser investigada pela medicina. A partir desse momento, os conceitos científicos de deficiência começam a tomar corpo e serem difundidos. Esta concepção médica direciona suas ações na deficiência, excluindo características externas daquele corpo. Ainda hoje é possível vê-la refletida em discursos de profissionais da saúde, colocando a deficiência apenas como resultado de elementos patogênicos no organismo do indivíduo (57).

Há ainda outros dois conceitos, um centrado na situação e outro interacionista. O primeiro conceitua a deficiência como decorrente unicamente de fatores ambientais, como sociais e educacionais, os quais podem levar a prejuízos ao indivíduo. O segundo conceito, interacionista, interpreta a deficiência em sua intrínseca e complexa relação com o meio. Segundo Baleotti e Omote (2014) (57), ninguém se apresenta com deficiência em todo o tempo, para todas as atividades e em todas as situações, assim como ninguém desempenha todas as tarefas cotidianas sem que haja qualquer tipo de dificuldade. Sempre há alguma barreira a ser vencida ou superada. Atualmente, a concepção interacionista acerca da deficiência é considerada predominante.

Além destes conceitos, há também o modelo social, o qual coloca a deficiência como “resultado da interpretação do meio social” (57)

, em outras palavras, ela seria gerada e mantida pelo grupo social, por tratar como desvantagens humanas as heterogeneidades e dificuldades individuais.

Ao encontro destas concepções apresenta-se a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), a qual engloba em seus conceitos os modelos médico e social, reunindo em um único modelo dinâmico os fatores intrínsecos - com determinações genéticas e características pessoais - e os fatores contextuais - influenciadores e determinantes por oferecerem barreiras ou facilitadores, fazendo com que as atividades cotidianas sejam desenvolvidas com algum nível de diminuição de desempenho ou restrição na participação (25). A CIF será, posteriormente, melhor discutida.

Em relação às pessoas com deficiência visual, na Idade Moderna, o olhar caritativo direcionado a elas resultou no surgimento de asilos com o objetivo de alocá-las. O primeiro asilo para cegos surgiu no início do século XIX, na França, após os sarracenos arrancarem os olhos de soldados franceses, durante o movimento das Cruzadas (56).

A partir da filosofia Humanista, o homem tornou-se o centro dos olhares e ações, o que justificaria as tentativas de educar, mais tarde, as pessoas com deficiência asiladas, dando

seguimento na Idade Contemporânea, em que a Revolução Francesa auxiliou na afirmação da cidadania exercida por todos (56).

A primeira escola para a educação de pessoas com cegueira teve início na França em 1784, fundada por Valentin Hauy, com o nome de Instituto Real dos Jovens Cegos. Anos mais tarde, em 1825, o aluno do instituto, chamado Louis Braille, lançou seu sistema em relevo para a escrita e leitura de materiais impressos (56).

No Brasil, teve início a abertura de instituições para o atendimento de pessoas com deficiências de ordem física, mental e sensorial, principalmente, nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro (4). A primeira escola para educação de cegos foi fundada no Rio de Janeiro, por D. Pedro II em 1854, chamado Imperial Instituto dos Meninos Cegos, mais tarde, chamado de Instituto Benjamin Constant, onde ainda foram criadas as Classes de Conservação de Visão para alunos com baixa visão. Essas classes contavam com recursos de auxílio aos alunos, com o objetivo, na época, de que não houvesse desgaste da visão que ainda possuíam (56). Assim,

Até meados do século XX, a maioria das crianças com deficiência visual estudava em escolas residenciais e os professores ensinavam Braille para todos os alunos, indiferentemente de possuírem ou não algum resíduo visual. Havia os ambientes de “conservação da visão”, pois até a década de 1930 os oftalmologistas acreditavam que para evitar a perda da visão residual, essas crianças deveriam ficar em salas escurecidas. (Chou, 2010)

Em 1928, no estado de São Paulo, deu início o atendimento especializado na área da deficiência visual com a Escola Profissional para Cegos, mais tarde chamada de Instituto Padre Chico. Seus propósitos eram a educação básica, a formação profissional e a integração da pessoa com cegueira na sociedade (56).

Apenas em 1950 e 1957, respectivamente, em São Paulo e Rio de Janeiro, o ensino de pessoas com deficiência visual passou a ser realizado de forma integrada em escolas regulares (56)

. Tais mudanças no ensino à pessoa com deficiência visual foram influenciadas, significativamente, a partir do trabalho da educadora Natalie Barraga, que desde a década de 1960 nos Estados Unidos, passou a desenvolver pesquisas para aprimorar a qualidade do ensino às crianças com deficiência visual (33).

O século XXI representa o período da luta pela educação inclusiva em escolas regulares, através da elaboração e divulgação de políticas, programas e documentos inclusivos. A inclusão da pessoa com deficiência, ainda hoje, é discutida e representa um desafio para profissionais educadores e sociedade, pela presença de inúmeros obstáculos

estruturais, de formação e culturais (58). Gasparetto (2010) (58) ainda aponta como um desafio no processo de inclusão escolar a desigualdade como tem se mostrado, devido à diversidade socioeconômica e cultural, além do escasso apoio técnico oferecido aos professores, evidenciando uma dificuldade na articulação saúde-educação. Corsi (2010) (59) pontua a responsabilidade de toda a sociedade frente à inclusão da pessoa com deficiência no sistema educacional, incluindo a colaboração e o envolvimento direto dos familiares da pessoa com deficiência, e a necessidade de se construir um modelo de ensino que seja centrado no aluno, em todas as suas particularidades e necessidades, apresentando ele deficiência ou não. Segundo a autora (59), a inclusão do aluno com deficiência nas escolas regulares ainda mostra- se em plena construção, dependente não somente de leis, mas principalmente de atitudes inclusivas.

Inúmeras lacunas e obstáculos ainda devem ser superados, como os desafios à inserção ao trabalho, com ações no combate ao desemprego e ações voltadas à garantia a lei de cotas; ampliação e manutenção dos benefícios legais da pessoa com deficiência, nas áreas de transporte, previdência, tributário, educação inclusiva, trabalho em serviços públicos e privados, eleitoral, judiciário, acessibilidade, saúde, lazer, cultura. Muitos avanços ainda devem ocorrer para que a pessoa com deficiência visual tenha pleno acesso aos seus direitos. Para que possam ser realizadas ações nessas áreas, inicialmente, deve-se conhecer suas necessidades.

1.6 BREVE HISTÓRICO SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À

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