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A transição para o capital industrial

No documento 2011TiagoPansera (páginas 89-93)

Após o término da Primeira Guerra Mundial, em 1917, as indústrias das potências capitalistas reorganizaram a produção e iniciaram a reconquista dos mercados consumidores do pré-guerra. Coincidentemente, após um curto período de bonança, durante o conflito, o setor manufatureiro do Brasil enfrentou dificuldades para desenvolver-se e para enfrentar a concorrência estrangeira. Segundo Nelson Werneck Sodré, nesse período, as indústrias brasileiras caracterizaram-se pela estagnação técnica, pela “carência de capitais” e “dificuldades de crédito”. Para o autor, a estrutura produtiva estava mal distribuída no território brasileiro. Em algumas regiões, o índice de produção de riquezas era alto, enquanto noutros, quase nulo. “Comparando-se [...] a produtividade da indústria têxtil nos estados da Bahia, Guanabara e São Paulo, verificaríamos, para 1957, diferenças gritantes [...]”. Continua aquele autor: “[...] o valor da produção por operário era em São Paulo quase o triplo da Bahia; o salário médio era na Guanabara quase o dobro da Bahia”. Destaque-se, porém, que essa desigualdade, no interior das formações sociais capitalistas, mesmo desenvolvidas, é uma constante, praticamente necessária às mesmas, apresentando-se no que referente à Inglaterra, aos Estados Unidos, à Bélgica, etc.165

Sodré investigou as desigualdades na distribuição da renda, utilizando dados estatísticos, sobretudo, do censo de 1950. Nas suas conclusões, constatou que 12,6 milhões de trabalhadores do setor primário constituíam 63% da população economicamente ativa. No entanto, representavam apenas 18,4% da renda. No setor industrial, “os grandes empregadores recebiam 250 vezes mais do que os empregados e artesãos; e estes, quatro vezes mais que os trabalhadores rurais”. 166

Em nossa opinião, Nelson Wernerck Sodré resumiu bem a contradição entre a industrialização no Brasil e o imperialismo. Segundo o autor, “o nosso desenvolvimento industrial teve impulso justamente nas fases em que era nulo ou reduzido o afluxo de capitais estrangeiros”. Prossegue a explicação. “Quando esse afluxo cresceu, o desenvolvimento industrial encontrou obstáculos consideráveis” e o aumento ou diminuição de entrada de capitais, ocorreu durante os períodos dos dois conflitos mundiais.

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Porém, sua compreensão teórica estava limitada por uma compreensão dogmática do marxismo, oriundo das distorções teóricas stalinistas, adotadas por parte da esquerda brasileira. Sodré adotou, ou transplantou o esquema do desenvolvimento linear das forças produtivas, elaborada por Marx, em sua análise da Europa ocidental, para a realidade brasileira. Referiu-se igualmente ao desenvolvimento industrial e nacional e a superação do atraso tecnológico, como fenômenos necessários à revolução burguesa, categoria sociológica que relacionou com a consolidação do Estado nacional e do capitalismo, no Brasil.

Na opinião do sociólogo Octavio Ianni, a industrialização brasileira e a substituição da matriz agrícola-exportadora ocorreram através de três formas diferenciadas, com implicações políticas imediatas. “Em primeiro lugar, surgem as emprêsas que resultam das aplicações de capitais de cafeicultores [...]”. Porém, “a dinâmica da economia cafeeira exigiu que o fazendeiro se transferisse para a cidade”, se tornando “comerciante e [...] banqueiro”, surgindo-lhes “novas possibilidades abertas à aplicação do capital”. Em resumo, “o cafeicultor percebeu outras possibilidades de investimento, encaminhando parte dos seus capitais para o comércio ou a indústria”.168

Ianni inverteu a ordem dos fatores ao analisar a relação do cafeicultor com a economia. Para o autor, o fato histórico que determinou movimento da totalidade histórica

166 SODRÉ, Formação [...]. Op. Cit. p. 245 167 Id.ib. p. 219

foi a percepção do cafeicultor de novas possibilidades de investimentos. O que não está incorreto, pois, enquanto indivíduo histórico, ele interage com a realidade. No entanto, acreditamos que o cafeicultor pôde perceber esta oportunidade, somente, devido às condições econômicas e políticas do momento. Ele agiu de acordo com a sua realidade histórica objetiva, que estimulava as atividades econômicas industriais naquele determinado momento histórico do Brasil e do capitalismo internacional.

O autor também identificou outro processo histórico que ensejou a industrialização: a utilização das poupanças dos produtores agrícolas. “São empreendimentos de menor vulto e estão apoiados em capitais ‘domésticos’, obtidos diretamente das poupanças de salários agrícolas (na cafeicultura) ou no pequeno comércio de gêneros de consumo diário”. Continuando, “fundaram-se empresas com os capitais externos. Estimulados pelas condições do mercado brasileiro em expansão, pelo baixo custo da fôrça de trabalho e matéria-prima [...]”. Foram companhias que investiram na “distribuição de combustíveis (gás, gasolina), na produção e distribuição de energia elétrica, em transportes urbanos e ferroviários, etc”.169

Segundo Ianni, “em todos esses empreendimentos [...] o que se concretiza é a diferenciação e a transfiguração contínua do capital agrícola”. Prossegue. “São unidades industriais geradas pelo capital agrícola, depois de sua passagem pelas fases comercial e financeira”. O autor repetiu a confusão categorial-sociológica, criando o capital agrícola e subordinando a ele as importantes categorias capital comercial e capital financeiro, que caracterizam períodos históricos e modos de produção específicos. Ianni deveria classificar o capital gerado pela atividade agrícola como comercial, embora estivesse em uma fase de transição para a hegemonia do modo de produção capitalista. A categoria capital agrícola refere-se ao ramo de atividade em que a acumulação foi possível. A finalidade da produção e da acumulação era o comércio exportador, ou seja, a mercantilização da produção, que viria gerar excedentes de capital.170

Octavio Ianni resumiu com perspicácia a situação política da industrialização brasileira. Escreveu: “Como a industrialização poderia vir a ser tentada segundo o modo socialista de produção, o capitalismo internacional redefiniu a sua política em relação ao Brasil”, evitando que fosse “naquela direção” e que se vinculasse “a certas frações do capitalismo mundial”. O autor propõe que o desenvolvimento industrial brasileiro evoluiu em oposição ao imperialismo, mas sem ruptura total, “em que o modo de produção seria

169 IANNI, Estado [...]. Op. Cit. p. 36 170 Id.ib. p. 37

necessariamente alterado [...]”. A partir dos anos 1950, verificou-se, no Brasil, “uma maciça entrada de capitais externos, associações de empresas nacionais com estrangeiras” sem os quais “o capitalismo industrial no país seria obrigado a encontrar outro caminho para passar à fase de produção de meios de produção”.171

Para o sociólogo Luciano Martins, as taxas animadoras de crescimento econômico após os anos 1950, indicaram o sucesso do modelo de desenvolvimento adotado. Nas suas palavras, acreditava-se que a superação de problemas sociais e resistências políticas “seria uma conseqüência natural da própria progressão do desenvolvimento [...]”. Esse pensamento criava a expectativa de um “desenvolvimento abrangente, democrático, e politicamente autônomo [...]”. O esquema de sustentação política era concebido por uma frente desenvolvimentista que englobava setores empresariais, operários do meio urbano- industrial e uma parcela da burocracia civil e militar. “Essas forças se contraporiam aos setôres designados como ‘tradicionais’” e aos setores “representados pelos interêsses externos e internos vinculados à parcela do capital estrangeiro tido como não favorável à industrialização”.172

Nesse processo, o Estado brasileiro atuou como mediador político e econômico entre as classes sociais. Embora estivesse envolto em uma imagem de neutralidade, representava e era conduzido pela burguesia. De acordo com Ianni, “é inegável que o Estado possui uma fisionomia própria e bem marcada [...]”. Suas características foram “a concentração e a acumulação do capital que governam parcela dos instrumentos e medidas postas em prática pelo Estado na ordenação e incentivo das atividades econômicas”.173

A industrialização brasileira desenvolveu-se por caminhos contraditórios e desiguais. Em determinados períodos, representou os interesses das frações hegemônicas das classes dominadoras brasileiras e da burguesia internacional. Ao contrário dos casos clássicos, onde prevalecia a acumulação primitiva de capital e um lento processo de desenvolvimento tecnológico, a maioria das manufaturas foi transplantada em pleno funcionamento. Necessitavam apenas das matérias-primas abundantes e da mão-de-obra barata.

Noutras épocas, sobretudo a partir dos anos 1930, a industrialização foi a expressão de um projeto nacionalista e desenvolvimentista. Fundamentada em políticas populistas, ensejou a consolidação do capitalismo industrial e do poder hegemônico

171 IANNI, Estado [...]. Op. Cit. p. 93, 95

172 MARTINS, Industrialização [...]. Op. Cit. p. 22, 23 173 IANNI, Estado [...]. Op. Cit. p. 22

burguês, no Brasil, e criou novas relações entre o Estado, os setores produtivos e as classes trabalhadoras. Sob o véu do desenvolvimento nacional, o governo administrava um capitalismo planificado e semi-independente, harmonizando e controlando os interesses contraditórios das classes sociais.

No documento 2011TiagoPansera (páginas 89-93)