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1.3 – A Tuberculose em São Paulo e na Região da Sé

A incidência da TB no Brasil não é homogênea, quando comparada por regiões, sendo que o Sudeste notifica, em média, 45% do total de casos (CI: 47/100.000 hab.), seguida pela região Nordeste (31% - CI: 50/100.000 hab.), Sul (11,5% - CI: 35,5/100.000 hab), Norte (9% - CI: 51,7/100.000 hab.) e o Centro-Oeste (4,2% - CI: 27,4/100.000 hab.). O estado com maior incidência é o Rio de Janeiro, com CI de 80/100.000 habitantes; e a menor incidência se encontra em Tocantins, com CI de 19/100.000 habitantes (Brasil, 2006).

O PNCT está implantado nos 27 estados e em 5.561 municípios, dentre os quais, 328 são prioritários para a doença, segundo indicadores de magnitude e transcendência da doença. Destaca-se que, embora estes municípios concentrem 53% da população do país, devido à escassez de recursos humanos e financeiros, ainda há dificuldade operacional em empregar o DOTS para a totalidade dos pacientes (Bergel, Gouveia, 2005; Gonçalves, Penna, 2008).

São Paulo, com 39 milhões de habitantes, é o Estado que possui mais unidades administrativas prioritárias para o combate à doença – 73 municípios que representam, em média, 79% do total da sua incidência – com, aproximadamente, 21 mil casos novos notificados anualmente, representando, em números absolutos, o maior contingente de casos do Brasil (Estado de São Paulo, 2006a).

No entanto, o coeficiente de incidência do Estado não é o maior do país e situa-se próximo da média nacional, sendo, para todas as formas e para a pulmonar bacilífera, respectivamente, 44 e 22 casos por 100 mil habitantes, com cerca de 1.000 óbitos por ano (CM: 3/100.000 hab.). A maior incidência ocorre em pacientes na faixa etária entre 20 a 49 anos, sendo que, para o sexo masculino, este coeficiente é mais que o dobro do coeficiente das mulheres – respectivamente, 89/100.000 hab e 39/100.000 hab. Cabe ressaltar que os coeficientes para os maiores de 50 anos têm média de 94/100.000 hab. para o sexo masculino e 32/100.000 hab. para mulheres (Estado de São Paulo, 2006a).

Quanto à forma clínica, a pulmonar é a mais freqüente, perfazendo 86% dos casos – sendo que 60% desses são bacilíferos. Vale salientar que 14% dos casos de tuberculose do Estado estão co-infectados pelo HIV e que, apesar das iniciativas para efetivar o DOTS, há ainda cerca de 5.200 internações por ano causadas pela enfermidade, sendo a elucidação diagnóstica e a insuficiência respiratória, os principais motivos referidos para tal ação (Estado de São Paulo, 2006a).

É importante salientar que, durante o período de 1998 a 2004, quando se deu a implantação da estratégia DOTS no Estado, a taxa de cobertura do tratamento supervisionado para os casos bacilíferos, elevou-se de 5,4%, em 1998, para 42,6%, em 2004. Ademais, em 2005, aproximadamente 15% dos casos notificados permaneceram mais de três meses com os sintomas, antes de iniciarem a terapia medicamentosa, sendo a maioria destes casos descoberta por serviços de urgência e emergência, principalmente nos grandes centros urbanos (Estado de São Paulo, 2006a).

Para operacionalizar o controle da TB no Estado, foram eleitas quatro regiões, que apresentam grandes diferenças em termos de incidência da doença, sendo que a Baixada Santista apresenta a maior (95/100.000 hab.), seguida pela Capital (60/100.000 hab.), Grande São Paulo (40/100.000 hab.) e Interior (27/100.000 hab.). Quanto aos resultados de tratamento, as taxas de cura e abandono apresentaram certa semelhança nas regiões da Grande São Paulo, Baixada Santista e no Interior, com média de 80% e 8%, respectivamente. Nestes mesmos quesitos, a Capital apresenta as piores taxas, com média de 70% de cura e 12% de abandono (Monroe, 2007).

Dentre os 645 municípios que compõem o Estado, dez concentram 53% dos casos novos da doença, dentre os quais, inclui-se a capital – o Município de São Paulo – que merece destaque por albergar, aproximadamente, um quarto da população do Estado, registrando, anualmente, 6.800 casos novos e 370 mortes – CM de 3,7/100.000 habitantes. A incidência média estimada, para todas as formas e para a pulmonar bacilífera é de, respectivamente, 60 e 30 por 100.000 habitantes (Município de São Paulo, 2005).

Da totalidade dos casos do Município, 68,3% são do sexo masculino (proporção de 2,15 homens para cada mulher) e a faixa etária de maior incidência é a de 30 a 39 anos (45,1%), seguida de 40 a 49 anos (25%) e de 20 a 29 anos (16,2%), totalizando 86,3% dos casos em pessoas com idade economicamente ativa. A forma pulmonar é a mais comum, com 68,2%, e os resultados de encerramento da coorte de 2004, evidenciavam percentuais de cura baixos – 48,6% – e taxas altas de abandono – 12,4% (Município de São Paulo, 2005).

Neste ponto, faz-se necessário discorrer sobre as singularidades do processo de implantação da Atenção Básica no Município de São Paulo, pois estas definem, atualmente, a operacionalização das ações de controle da TB: até meados da década de 1990, em detrimento do modelo de AB inscrito nas diretrizes do SUS, a gestão local estabeleceu o Plano de Assistência à Saúde (PAS), cuja lógica de organização pautava-se na formação de cooperativas profissionais de assistência à saúde, centradas no modelo médico-curativo tradicional (Calipo, 2002).

A partir de 1995, objetivando a implantação do PSF no município de São Paulo, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) de São Paulo, juntamente com o MS, constituiu uma modalidade de Saúde da Família, denominada Qualidade Integral em Saúde (QUALIS), por meio de duas Organizações Sociais de Saúde (OSS), definidas como entidades privadas, sem fins lucrativos, que exercem atividades de interesse público, incluindo administração de serviços, recursos orçamentários, instalações e equipamentos do poder público (Calipo, 2002).

Assim, por meio destas OSS – a Casa de Saúde Santa Marcelina e a Fundação Zerbini – se deu a expansão desta modalidade até o ano de 2001, chegando a um total de 226 equipes, distribuídas em Unidades Básicas de Saúde (UBS) das Zonas Leste, Norte e Sudeste do Município. A partir daquele ano, com o fim do PAS, a lógica de implantação e expansão do PSF obedeceu ao critério de inserir equipes nas áreas mais carentes da cidade, através de parcerias da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) com mais de uma dezena de OSS, de tal forma que, atualmente, a maioria das UBS do Município (cerca de 400 Unidades) operacionaliza a estratégia de saúde da

família e agentes comunitários de saúde através de tal relação de parceria, com uma ou mais OSS (Estado de São Paulo, 2007).

Com relação à Estratégia DOTS, a Secretaria Municipal da Saúde firmou, em 2003, convênio com a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e a Universidade Johns Hopkins, com a finalidade de investir no Programa de Controle da Tuberculose, por meio da Implantação de tal estratégia e dos seus cinco componentes. Mas, a sua cobertura não é homogênea nas diferentes áreas do município, sendo que a menor se dá na região Centro-Oeste (onde se localiza a Subprefeitura Sé, cenário deste estudo), com apenas 20,9% dos casos novos, contrastando com outras regiões (como a Sul), nas quais a estratégia chega a contemplar 56% dos casos (Município de São Paulo, 2005, 2006).

Cabe salientar o impacto positivo da estratégia DOTS em comparação com o tratamento auto-administrado (TAA) no município, tendo em vista os seus percentuais, respectivamente, de cura – 58,7% e 45,6% – e de abandono – 11,7% e 12,6%. O encerramento dos casos demonstra, ainda, que as maiores taxas de cura e as menores taxas de abandono, respectivamente, para os casos novos (80,1% e 6,9%), retratamentos (59,8% e 21,8%) e co-infectados TB-HIV (53,4% e 17,5%), ocorreram sob DOTS (Município de São Paulo, 2005).

Sobre este último grupo, no ano de 2004, o número de co-infectados TB/HIV residentes no município foi de 1220 pessoas, sendo que 76,4% (932) eram casos novos, 10,6% (129) recidivas e 13% (159) constituíram re- tratamentos. Ademais, vale ressaltar que a região Centro-Oeste apresenta o maior percentual de co-infectados (20,4%), seguida da região Sudeste (14,8%), Norte (13,7%), Leste (12,2%) e Sul (6,1%). Destaca-se ainda que, dentre os doentes com tuberculose sem residência fixa (pessoas vivendo em situação de rua, por exemplo), a positividade de co-infecção foi de 9,1% (Município de São Paulo, 2005).

Por fim, no período compreendido entre 2001 e 2005, a Subprefeitura Sé apresentou, em todos os anos, a maior incidência da doença dentre todas as 31 subprefeituras que compõe o Município, com incidência anual superior a 110 casos por 100.000 habitantes, contrastando com outras,

como Pinheiros, que sempre apresentaram taxas inferiores a 42 casos por 100.000 habitantes, como pode ser observado no Quadro 1 (Município de São Paulo, 2006).

Tal fato, somado à alta incidência de co-infecção com o HIV na região, realização de tratamento supervisionado e ações de controle da TB nas UBS e área geograficamente delimitada, com equipes de PSF e PACS, atendeu aos critérios adotados no Projeto-Matriz e desencadeou a escolha desta subprefeitura como cenário do presente estudo. Outros detalhes acerca desta região serão descritos no tópico “Cenário de Estudo”.

Sendo assim, tem-se por hipótese que a situação endêmica da enfermidade nesta região, está determinada, não apenas pelas condições de vida e saúde dos moradores daquela área, mas também em decorrência de fenômenos que atuam como mediadores do processo saúde-doença, particularmente o acesso aos serviços, o vínculo dos pacientes com os profissionais e a adesão ao tratamento.

Neste sentido, a situação importante da enfermidade no cenário apresentado, associada ao reduzido número de investigações sobre a doença na região, justificam a realização deste estudo, que terá como lastro teórico a determinação social do processo saúde-doença, tomando a tuberculose como agravo de relevância social e epidemiológica. Seus resultados, portanto, poderão oferecer subsídios à elaboração de projetos de intervenção que contribuam para aprimorar o controle da enfermidade nesta região, sob o ponto de vista da organização e desempenho dos serviços de saúde.

Quadro 1 - Coeficiente de Incidência de Tuberculose (por 100.000 habitantes) por Subprefeitura. Município de São Paulo, 2001a 2005