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CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL

2.4 A união aumenta a força – um estudo da família

Até esse tópico, discutimos sobre a posse de terras e os escravos dos imigrantes suíços. No entanto, daremos início a análise sobre o estudo da família e como os imigrantes construíram estratégias sociais bem definidas.

Carlos Bacellar assegura que o estudo da história da família é campo fértil de investigação.248 O historiador ressalta que, no Brasil, tal campo de pesquisa tem prosperado para além da história demográfica. Ana Silvia Scott afirma que a pesquisa sobre a família deve desenvolver-se para além dos dados quantitativos, possibilitando visualizar as estratégias e redes familiares. Nesse sentido, a historiadora ressalta a importância da micro história na escala de análise:

A observação possibilitada através dos jogos de escala permitiu avançar nas discussões relativas às estratégias familiares e às redes sociais para as sociedades do passado. Essa perspectiva apresenta-se como um campo rico de investigação, especialmente se admitirmos que toda a ação social é o resultado de escolhas, de decisões do indivíduo e do grupo familiar, por isso mesmo implica numa constante negociação e, por que não dizer, manipulação, diante de uma realidade normativa que oferece muitas possibilidades de interpretações e liberdades pessoais.249

Sobre a micro história ligada à história da imigração, Giovanni Levi certifica que essa abordagem não se refere ao estudo das coisas pequenas, e sim de coisas grandes com um microscópio, ou seja, a busca por algo complexo e/ou diferente em um objeto particular.250 Marcos Witt explica que os pequenos fatos familiares descortinam a vida dos imigrantes. “No dia a dia, nas minúsculas ações, nas poucas palavras e muitos olhares

247 Livro de Transcrição de Imóveis 003, Cartório de 1º Ofício de Cantagalo, 1880, pp. 157V. Centro de Memória Documentação e Pesquisa de Cantagalo.

248 BACELLAR, Carlos A. P. As fontes para o estudo da família no passado. In: SCOTT, Ana Silvia Volpi (Orgs.). Mobilidade social e formação de hierarquias: subsídios para a história da população. vol. 3 – São Leopoldo: Oikos – Editora Unisinos, 2014, pp. 263.

249 SCOTT, Ana Silvia Volpi. “Descobrindo” as famílias no passado... pp. 14. 250 LEVI, Giovanni. Micro-história e história da... pp. 248.

82 é que o imigrante e seu descendente agigantam a sua lógica de inserção e organização social”.251

Mas analisar a história das famílias dos imigrantes não seria possível sem o uso das diversas fontes a que tivemos acesso. “Ao historiador da família cabe, portanto, a tarefa de desbravar as fontes documentais disponíveis que restaram mais ou menos intactas”.252 Os registros de que dispomos, mostraram-nos um campo diferente a ser analisado na vida desses indivíduos que deixaram sua pátria e vieram estabelecer-se em solo brasileiro, porém Carlos Barcellar levanta uma questão importante para a qual devemos nos atentar: a importância das genealogias, no estudo das famílias.

Sobre as genealogias, iremos nos ater a duas fontes essenciais para nossa pesquisa: a primeira é a análise sobre a obra Imigrantes: a saga do primeiro movimento migratório

organizado rumo ao Brasil às portas da Independência, do Dr. Henrique Bon, lançado

na Suíça e posteriormente no Brasil. Dr. Bom é um descendente de imigrantes suíços, que após de 20 anos de pesquisa, escreveu uma obra de fôlego, traçando, a partir de diversas fontes documentais, a árvore genealógica de cada indivíduo que imigrou para o Brasil (alguns até a 3ª geração). A partir do trabalho de Henrique Bon, conseguimos perceber o intrincado conjunto social que as famílias dos imigrantes construíram.

A segunda fonte genealógica de pesquisa que nos possibilitou a construir esse estudo foi o site Family Search, onde encontramos a o desenho genealógico. Essas duas fontes de pesquisa são utilizadas como ferramentas para o cruzamento das informações encontradas nos documentos a que tivemos acesso. Segundo Ana Silvia Scott, a partir do interligamento de fontes é possível chegar à compreensão das relações;

Desta maneira, estão reunidos os elementos fundamentais para o estudo dessas redes, constituídas através dos vínculos de consanguinidade, aliança ou afinidade, bem como a partir de relações de outra natureza, como os vínculos de subordinação e/ou dependência.253

As famílias de imigrantes na Vila de Cantagallo uniram-se entre si, a partir do casamento, e formaram clãs sólidos, em que a fortuna familiar era unida e mantida. De acordo com Marcos Witt, com os acordos familiares, às vezes formavam-se grandes parentelas que visavam ao enriquecimento econômico, a projeção política e o status social

251 WITT, Marcos Antonio. Mobilidade social e formação de hierarquias: diálogo possível com os estudos sobre imigração alemã. In: . In: SCOTT, Ana Silvia Volpi (Orgs.). Mobilidade social e formação de

hierarquias: subsídios para a história da população. vol. 3 – São Leopoldo: Oikos – Editora Unisinos,

2014, pp. 241.

252 BACELLAR, Carlos A. P. As fontes para o estudo da família... pp. 269. 253 SCOTT, Ana Silvia Volpi. “Descobrindo” as famílias no passado... pp. 15.

83 e espacial.254 Retornemos ao caso do inventário de Dona Carolina Lemgruber Kropf e analisemos sua família: o pai de Carolina era Fidel Leimgruber255 e sua mãe, Maria Luiza Monnerat Lutterbach256, proveniente da união de duas famílias de imigrantes. A partir da análise das fontes de que dispomos e das genealogias já aqui citadas, traçaremos a trajetórias das famílias aqui envolvidas.

A família do pai de Carolina, os Lemgruber, alcançou expansão e prestígio, na Vila. Além da firma Lemgruber & C., surgem dois irmãos do pai de Carolina: Marcos Lemgruber e João Batista Lemgruber que também são citados no Almanak como fazendeiros de engenho e terreiro de pedra. No Livro de Transcrição de Imóveis nº 002, o tio paterno de Carolina, Marcos Lemgruber, é mencionado comprando duas casas, uma em dezembro de 1872, no valor de um conto e quinhentos mil réis (1:500$000)257, e outra, em janeiro de 1873, no valor de um conto e setecentos mil réis (1:700$00).258 Além disso, em 1879, Antonio Ubelhart Lemgruber, primo paterno de Carolina, acha-se vendendo o Sítio Boa Esperança, no ano de 1880, por vinte e cinco contos oitocentos e trinta e sete mil e quinhentos réis (25:837$500)

As famílias da mãe de Carolina são: os Monnerat e os Lutterbach, famílias de prestígio e posses na Vila de Cantagallo. A avó materna de Carolina era da família Monnerat: Marie Barbe Regine Monnerat.259 Nos anos de 1853 a 1858, e de 1860 a 1865, Francisco Monnerat260, tio avô materno de Carolina (irmão da avó materna), é citado no Almanak Administrativo como fazendeiro de engenho. Em 1873, João José Monnerat, também tio avó materno de Carolina, aparece como proprietário na descrição das confrontações de um imóvel vendido: “Confronta pelos seus diversos lados com terras de Augusto de Souza Brandão, João José Monnerat, Laurindo José de Macedo [...].”261, e em

254 WITT, Marcos Antonio. Mobilidade social e formação... pp. 247.

255 Fidel Leimgruber – Genealogia da Família Leimgruber. In. BON, Henrique. Imigrantes: a saga do

primeiro... pp. 614.

256 Maria Luiza Monnerat Lutterbach – Genealogia da Família Luterbach. In: BON, Henrique. Imigrantes:

a saga do primeiro... pp. 627.

257 Livro de Transcrição de Imóveis 002, Cartório de 1º Ofício de Cantagalo, 1872, pp. 21V. Centro de Memória Documentação e Pesquisa de Cantagalo.

258 Livro de Transcrição de Imóveis 002, Cartório de 1º Ofício de Cantagalo, 1873, pp. 25V. Centro de Memória Documentação e Pesquisa de Cantagalo.

259 Marie Barbe Regine Monnerat Árvore Familiar. Disponível em:

https://www.familysearch.org/tree/person/details/L7TB-FGC. Acessado em 12 de março de 2020. 260 François Monnerat Árvore Familiar. Disponível em:

https://www.familysearch.org/tree/person/details/L71Y-SRP. Acessado em 13 de março de 2020.

261 Livro de Transcrição de Imóveis 002, Cartório de 1º Ofício de Cantagalo, 1873, pp. 57V. Centro de Memória Documentação e Pesquisa de Cantagalo

84 1880, Henrique Monnerat,262 mais um tio avô materno de Carolina doa a Fazenda Jequitibá, no valor de trinta e três contos quinhentos e dez mil réis (33:510$000) a seus filhos.263

O avô materno de Carolina pertencia à família Lutterbach: José Lutterbach,264 é mencionado no Almanak Administrativo do Rio de Janeiro, nos anos de 1856, 1857, 1858 e 1860 como fazendeiro de estufa. No Livro de Transcrição de Imóveis 002, Antonio Lutterbach, tio de Carolina (irmão de sua mãe), aparece três vezes: a primeira, no ano de 1873, quando adquire uma “casa de taboinhas e 500 pés de café” pelo valor de cento e cinquenta mil réis (150$000) e a dita casa confrontava com terras do mesmo. Em 1874, Antonio Lutterbach aparece pela segunda vez na descrição da confrontação de terras da Fazenda Três Barras, que está sendo permutada e, na terceira menção, ainda no ano de 1874, ele adquire 30 alqueires de terra “na situação da Boa Fé”, pelo valor de seis contos de réis (6:000$000).265

No ano de 1874, também encontramos Maria Virginia Lutterbach Vidal, uma tia de Carolina (também irmã de sua mãe), permutando com Francisco Luiz Pinheiro sete alqueires de terra, na Fazenda Três Barras, no valor de dois contos e quatrocentos mil réis (2:400$000), por oito alqueires de terra, no Sítio Vista Alegre, no valor de dois contos e quatrocentos mil réis, (2:400$000).266 Podemos concluir que Carolina era oriunda de três famílias suíças de proeminência: Os Lemgruber, os Monnerat e os Lutterbach e, após seu casamento, passou a fazer parte da família Kropf, imigrantes alemães. As estratégias familiares seguiam bem arranjadas e estruturadas, e, assim como a família da Carolina, outras famílias também seguiram fazendo alianças, a fim de buscarem status social.

No próximo capítulo, abordaremos essas famílias de maneira mais profunda. Além disso, vamos analisar a vida das mulheres imigrantes, as muitas viúvas, donas e madames citadas nas fontes e que chefiaram suas famílias, realizando prósperos negócios, fazendo com que a pesquisa histórica sobre esse grupo alcance novas perspectivas.

262 Henri Monnerat Árvore Familiar. Disponível em:

https://www.familysearch.org/tree/person/details/LDHY-ZT4. Acessado em 13 de março de 2020. 263 Livro de Transcrição de Imóveis 003, Cartório de 1º Ofício de Cantagalo, 1880, pp. 160V. Centro de Memória Documentação e Pesquisa de Cantagalo

264 Na fonte que temos seu nome aparece dessa maneira: José Lutterbach, mas de acordo com a genealogia da família Lutterbach seu nome, na forma correta é Joseph Jean C. Lutterbach. Disponível em:

https://www.familysearch.org/tree/person/details/L7TB-NP1. Acessado em 12 de março de 2020.

265 Livro de Transcrição de Imóveis 002, Cartório de 1º Ofício de Cantagalo, 1873, pp. 78V. Centro de Memória Documentação e Pesquisa de Cantagalo.

266 Livro de Transcrição de Imóveis 002, Cartório de 1º Ofício de Cantagalo, 1874, pp. 84V. Centro de Memória Documentação e Pesquisa de Cantagalo.

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Capítulo III- Nascer, casar e viver em Cantagallo: estratégias