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3 A VALIAÇÃO E T ERAPÊUTICA DA S ÍNDROME DOS

ANTICORPOSANTIFOSFOLÍPIDOS

Maria José Santos

Assistente Graduada de Reumatologia-Hospital Garcia de Orta, Almada

A Síndrome dos Anticorpos Antifosfolípidos (SAFL) é uma doença auto-imune caracterizada pela ocorrência de tromboses e/ou patologia da gravidez, na presença de anticorpos antifosfolípi- dos (AFL). Os AFL são um grupo heterogéneo de auto-anticorpos que reagem contra os fosfolípi- dos, contra proteínas que se ligam aos fosfolípi- dos (co-factores), ou ainda contra o complexo fos- folípido/proteína. Na prática clínica têm relevo os anticorpos anticardiolipina IgG e IgM (aCL) e o teste funcional da coagulação conhecido pelo nome de «anticoagulante lúpico» (LAC).

Os AFL são uma das principais causas de trombo- filia adquirida. Os fenómenos trombóticos surgem de forma esporádica, imprevisível, e podem afectar artérias, veias ou capilares. Para além das tromboses estes doentes têm risco aumentado de perdas fetais, mas muitas outras manifestações clínicas podem surgir associadas aos AFL (Quadro 1).

Perante a diversidade de manifestações clínicas e heterogeneidade laboratorial, foi importante desenvolver critérios de consenso para a classifi- cação da SAFL. A conferência de Sapporo em 1998

estabeleceu novos critérios para classificação desta síndrome que apresentam uma elevada especificidade (0,98), mas uma sensibilidade relativamente bai- xa (0,71) (Quadro 2).

O espectro de gravidade da doença associada aos AFL é mui- to vasto e vai desde os portadores assintomáticos até à síndrome catastrófica (Quadro 3), com tromboses simultâneas em três ou mais órgãos, frequentemente fatal.

A avaliação do doente com AFL positivos é essencialmente uma estratificação do risco na- quele caso concreto. É necessário saber se se trata de uma situação isolada ou associada a outra doença auto-imune, qual o tipo de anticorpos pre- sente e em que títulos e se a positividade destes auto-anticorpos é transitória ou persistente. Igual- mente importante é saber se estão presentes outros factores de risco, modificáveis (obesidade, imobi- lização, gravidez, tabagismo, anticonceptivos orais, atipia) ou não modificáveis (déficit de ATIII, PC,PS, factor V de Leiden, hiperhomocisteinémia).

Ao equacionarmos as opções terapêuticas para o doente com AFL+, temos que considerar diver- sos cenários:

1. Profilaxia primária de tromboses – Nos porta- dores assintomáticos de AFL a incidência de tromboses estima-se em 4-5% ao ano. Apesar de faltarem bons estudos prospectivos, a evidência recolhida dos estudos retrospectivos aconselha a utilização de AAS em baixa dose nestes doentes. Outras formas de prevenção primária encontram-se em estudo, nomeada- mente a hipocoagulação. Não existem dados relativos ao uso de outros antiagregantes (por ex. Clopidogrel ou Ticlopidina), associação de antiagregantes (por ex. Clopidogrel+AAS) ou inibidores do factor Xa (por ex. Fondaparinux). 2. Prevenção secundária – É consensual nas situa- ções de trombose arterial ou venosa utilizar anticoagulação, inicialmente com heparina e depois com cumarínicos. Deve manter-se a anticoagulação oral por longos períodos, ideal- mente para toda a vida, dada a elevada taxa de recorrência de tromboses. A decisão da intensi- dade da anticoagulação e da duração da mes-

Quadro 1. Manifestações clínicas associadas aos AFL

Manifestações Clínicas Associadas aos Anticorpos Antifosfolípidos

Tromboses venosas Livedo reticularis S. Budd Chiari, Úlceras cutâneas trombose mesentérica ... Valvulopatias

Tromboses arteriais Endocardite de Libman-Sacks AVC; EAM ... Coreia

Abortos de repetição Convulsões

Atraso do crescimento intra-uterino Esclerose múltipla-like Síndrome HELLP Enxaqueca

Oligâmnios AIT

Anemia hemolítica Demência multienfartes Trombocitopénia Mielite transversa Coagulação intravascular disseminada Pseudotumor cerebral Púrpura trombocitopénica trombótica Amaurose fugaz HTA Osteonecrose Aterosclerose precoce Insuficiência renal

Quadro 2. Critérios de classificação de Sapporo da SAFL Arthritis Rheum 1999;42:1309-1311. Critérios Preliminares de Classificação da SAAFL. Consenso de Sapporo 1998 CRITÉRIOS CLÍNICOS

1. Trombose vascular

• Um ou mais episódios de trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos confirmado por imagem Doppler ou histopatologia.

2. Patologia da gravidez

• Uma ou mais mortes fetais de feto morfologica- mente normal com ≥10 semanas de gestação • Um ou mais partos prematuros de recém-

-nascido morfologicamente normal antes das 34 semanas devido a pré-eclâmpsia, eclâmpsia ou insuficiência placentária

• Três ou mais abortos espontâneos <10 semanas sem causa aparente

CRITÉRIOS LABORATORIAIS

1. Anticorpos anticardiolipina

• Anticorpos anticardiolipina IgG ou IgM em título moderado ou alto em 2 ou mais ocasiões com intervalo de, pelo menos, 6 semanas 2. Anticoagulante lúpico

• Anticoagulante lúpico determinado de acordo com os guidelines da International Society on Thrombosis

and Hemostasis em duas ou mais ocasiões com

intervalo de, pelo menos, 6 semanas

O diagnóstico de SAAFL é feito na presença de 1 critério clínico + 1 critério laboratorial

ma terá que ser tomada individualmente, pon- derando o risco trombótico vs risco hemor- rágico.

3. Síndrome catastrófica – Trata-se de uma situa- ção rara (<1% dos doentes com AFL), mas fatal em cerca de metade dos casos, apesar da tera- pêutica instituída. O tratamento passa pela anticoagulação, utilização de corticóides em altas doses em associação com plasmaferese ou gama-globulina. Nalguns doentes foi utilizada imunossupressão com ciclofosfamida, fibri- nólise, prostaciclina ou terapêuticas experi- mentais com anti-citocinas. É necessário ter em conta que frequentemente existem factores precipitantes da síndrome catastrófica (infec- ção, cirurgias, necrose de tecidos, anticoncep- tivos orais, paragem da anticoagulação, neo- plasia) que é necessário tratar ou eliminar. 4. Gravidez – A mulher com AFL+ que pretenda

engravidar deve ter uma avaliação prévia do risco materno e fetal (existência de tromboses ou patologia da gravidez prévia, existência de outra doença auto-imune, particulamente LES ou se se trata de uma portadora assintomática).

O seguimento destas gravidezes deve ser feito em centros com experiência e o parto em hos- pital com cuidados intensivos neonatais dado o elevado risco de prematuridade. A aspirina em dose baixa mostrou ser eficaz na prevenção de abortos (<10 semana). Nas situações com patologia da gravidez prévia que preenche os critérios de Sapporo (≥3 abortos, perda fetal, pré-eclâmpsia/eclâmpsia, ACIU ou enfartes placentares) deve-se associar heparina sc em dose profilática. A grávida que já teve trombo- ses deve fazer heparina sc em dose terapêutica. O tratamento com heparina deve ser iniciado precocemente e mantido durante o puerpério. Em situações de elevado risco trombótico ma- terno é lícito usar a warfarina, mas só depois do período embrionário, dado a teratogenicidade deste fármaco.

Os corticóides devem ser evitados, excepto nos casos de citopénias importantes.

Muitas das situações clínicas associadas aos AFL carecem de evidências suficientemente ro- bustas quanto ao melhor tratamento/prevenção, pelo que a sua abordagem tem sido feita de forma empírica.

MR IV 4. TRATAMIENTO DE LAHIPERTENSIÓN DEARTE-

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