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A variação da concordância nominal em corpus da linguagem oral

2 UM PASSEIO TEÓRICO PELO CENÁRIO DAS DISCUSSÕES SOBRE LÍNGUA

3.1 A variação da concordância nominal em corpus da linguagem oral

De acordo com Scherre (1994), as análises que envolvem a variação da concordância de número no sintagma nominal (doravante SN), tiveram início com o estudo desenvolvido por Jeroslow, em 1974, ele desenvolveu uma pesquisa na área rural cearense e fez uma descrição estruturalista dos diversos subsistemas linguísticos do falar dessa área. Dentre os diversos aspectos descritos, registrou-se a concordância de número verbal e nominal.

Entretanto, esses estudos ainda não tinham o aporte teórico metodológico laboviano.

Nesse cenário, os trabalhos realizados por Braga e Scherre, em 1976, são considerados os pioneiros, uma vez que, ao fazerem uso do método teórico da Sociolinguística Quantitativa, analisaram os dados de fala de sete informantes do Rio de Janeiro, sendo de classe social e origem geográfica diferente. Posteriormente outros trabalhos (BRAGA, 1977;

SCHERRE, 1977; LEMLE e NARO, 1977), em torno da aplicação das regras de concordância, concluíram que a regra da concordância nominal é uma norma variável do português falado do Brasil (doravante PFB), já que há uma grande possibilidade de construções como: “os trabalho Ø”, “as menina Ø” (SCHERRE, 1997, p. 184).

Dessa maneira, esses e outros trabalhos apontam que:

[...] o fenômeno da variação na concordância de número no português falado do Brasil, longe de ser restrito a uma região ou classe social específica, é característico de toda a comunidade de fala brasileira, apresentando diferenças mais de grau do que de princípio, ou seja, as diferenças são mais relativas à quantidade de marcas de plural e não aos contextos linguísticos nos quais a variação ocorre. (SCHERRE, 1993, p. 38).

Assim, a perda ou a manutenção da marca formal do plural tem sido normalmente prevista na literatura linguística à luz da Sociolinguística, seja regida por fatores linguísticos e não linguísticos. Neste cenário, destacam-se alguns estudos que, a partir de corpus constituído de dados da modalidade oral, dedicaram-se a observar os fatores que influenciam na marcação ou não do plural dentro de um sintagma nominal (doravante SN), entre eles podemos citar:

Scherre (1998), Carvalho (1997), Lopes (2001), Campos e Rodrigues (2002), Santos (2010), Martins (2010), e da modalidade escrita: Costa (2008) e Oliveira, Souza e Coelho (2009).

Scherre (1988) uma das precursoras do Brasil sobre o estudo da concordância nominal, tendo trabalhado com um corpus composto de 64 informantes residentes no Rio de Janeiro. A pesquisadora realizou uma série de entrevistas que totalizou 64 horas de falas gravadas. Na ocasião, 48 dessas conversações ocorreram entre os anos de 1982 a 1984, com informantes entre 15 a 17 anos de idade e 16 delas no período de 1983 a 1985 com informantes de idade de 7 a 14 anos.

A análise dos resultados revelou que os registros da marcação de plural nos dois primeiros termos, de um SN formado por três ou quatro elementos, tende a levar a presença da marca formal de número no terceiro e no quarto vocábulo, por exemplo, “aS meninaS todaS”; “aS casaS amarelaS abandonaS”. Porém a ausência da marca de plural a partir do segundo termo leva ao zero fonético do terceiro e quarto elemento “as casaØ amarelaØ”

(apud MARTINS, 2013, p. 42). Em outros estudos em forma de artigo, Sherre (1994, 1997) mostra que os elementos nominais que ocupam a primeira posição, dentro do SN, recebem explicitamente mais marcas de plural que os demais determinantes (os meninoØ; uns “homi”

gordo Ø).

As variáveis sexo e grau de escolaridade mostraram que exercem um papel importante no fenômeno estudado. Segundo Scherre (1988, p. 254), as mulheres tendem a usar mais a “presença de marcas formais de plural” (0,58,) do que os homens (0,42). No que tange à escolaridade, Sherre (1988) observou que quanto maior o grau de escolaridade do maior será o emprego da marca formal de plural na concordância nominal (2º grau: 0,59, SCHERRE, 1988, p. 242) do que os menos escolarizados (0,40), uma vez que estão por mais tempo expostas às regras da gramática normativa (variante explícita de plural).

Para a pesquisadora, a faixa etária não revelou ser um condicionante determinante para o processo de variação no SN, já que os resultados apresentaram um modelo de curva (15-25 anos: 0,50; 26-49 anos: 0,56; 50-71 anos: 0,49 - SCHERRE, 1988, p. 251). Dessa maneira, as informações indicavam um processo de variação linguística estável uma vez que os dados apontaram que os falantes mais velhos tendem a usar menos a marcação plural na

concordância nominal. Esses resultados, num primeiro momento, pareciam refletir um estágio de variação sociolinguística estável.

Ao correlacionar o resultado anterior, com outro fator social, como a origem social dos informantes, no cenário analisado, Scherre (1988, p. 441-515) apontou dois quadros interessantes: i) uma variação aparentemente estável em lugares não humildes, uma vez que os entrevistados mais velhos fizeram mais uso da variante de prestígio no SN (15-25 anos:

0,44: 26-49 anos: 064; 50-71 anos: 0,41); ii) um contexto que aponta para um processo de transição linguística em que os informantes de lugares mais humildes optam por um sistema sem flexão de número na concordância nominal (15-25 anos: 0,38; 26-49 anos: 0,53). No entanto, é valido ressaltar que o que se observa, nessa correlação, é a influência da exposição à escola, conforme veremos em outros estudos a seguir.

Um outro trabalho que merece destaque é o desenvolvido por Carvalho (1997), em João Pessoa. Na oportunidade, a pesquisadora analisou o discurso de 60 informantes a partir de entrevistas do Projeto de Variação Linguística do Estado da Paraíba (VALPB). Assim como Scherre (1998), Carvalho (1997) afirma que os termos que aparecem à esquerda (primeira posição) do núcleo, no SN, apresentam uma maior sensibilidade para a aplicação da regra de plural do que os elementos que aparecem à direita (primeira posição: 0,88; segunda:

0,28; terceira: 0,18 e demais: 0,15).

Em relação à escolaridade, os resultados evidenciaram também que o grau de escolaridade é uma variante determinante para a realização do fenômeno em estudo, uma vez que quando maior a escolaridade maior será a marcação de plural na concordância nominal (iletrado: 01-04: 0,28; 05-08: 0,51; 09-11: 0,68: mais de 11 anos: 0, 86), assim como constatou Scherre (1998). No que concerne à idade, constatou-se que os entrevistados de idade entre 15 a 25 anos e os de idade superior a 50 anos apresentaram presença significativa de marcas de plural do SN (0,61 e 0, 48) em oposição aos informantes de 26 a 49 anos (0,39).

Para compreender se havia uma mudança linguística em curso na cidade de João Pessoa, uma vez que os resultados apontavam para uma transição em curso para a manutenção da norma de prestígio. Desse modo, a pesquisadora (Op. cit.) correlacionou esse resultado à variante sexo que indicou que mulheres jovens e adultas mostraram ser mais sensíveis à variante de prestígio, levando a hipótese de que pode haver um indicativo de mudança em curso (Carvalho, 1997). É valido salientar que essa observação diverge do resultado de Scherre (1988) que, ao correlacionar a variante idade com outras variáveis não convencionais (ambiente não humilde e ambiente humilde), identificou um processo de variação estável e outro em curso.

O estudo de Lopes (2001) investigou a fala informal e formal de informantes de Salvador. Para isso, a pesquisadora controlou as variáveis faixa etária, grau de escolarização e grupos étnicos. Quanto à última variável, a pesquisadora contou com ajuda de um grupo de pesquisadores em genética da UFBA e estabeleceu como critério o sobrenome para identificar a descendência de cada falante. Os resultados de Lopes (2001) corroboram com os trabalhos citados anteriormente, uma vez que mostraram também que os termos mais à esquerda recebem, com mais frequência, a marca formal de número (“outros dia Ø”; “as chance Ø”).

No tocante à variável escolaridade, os resultados da autora vão ao encontro aos resultados das pesquisas anteriores. Ou seja, quanto maior o grau de escolaridade do falante maiores serão os indicativos da marca de plural no SN (universitários: (0,93); estudantes secundaristas (0,87). No que diz respeito a idade, os informantes mais velhos são os mais que flexionam os elementos em número (0,59), e os mais jovens desfavorecem (0,49).

Quanto à etnia, os resultados mostraram que os informantes mais velhos (descendentes de africanos) fazem mais uso da marca formal do plural (0,53), uma vez que foi possível constatar um processo de cancelamento da flexão de número na fala dos informantes mais novos que não era descendentes de negros (0,46).

Campos e Rodrigues (2002) estudaram também a concordância nominal no Brasil, observando especificamente a flexão de número na fala de informantes com nível superior completo ou em fase de conclusão. Nessa pesquisa, as estudiosas utilizaram informações do projeto NURC que controla alguns grupos fatores linguísticos e extralinguísticos que condicionam o zero da marca de plural dos elementos do SN. A verificação dos dados (3.011 SNs) revelaram que a marca formal de plural aparece com grande regularidade nos discursos dos entrevistados menos escolarizados, mostrando, assim, que os informantes letrados demonstram uma certa preferência pela norma gramatical.

A posição do termo no SN também se apresentou como uma variável que atua diretamente para que ocorra a marcação de alguns elementos do SN, assim como nos trabalhos de Sherre (1988); Carvalho (1997); Lopes (2001); Campos e Rodrigues (2002).

Com relação a idade, tanto os informantes mais jovens quantos os mais velhos utilizaram de forma satisfatória a variante de prestígio, mostrando, assim, não ser um fator determinante para a ausência da marcação do plural no SN, bem como não foi no trabalho de Scherre (1988).

Santos (2010) investigou a ausência da flexão de número na concordância nominal na fala de alguns informantes no município de Pedro Leopoldo (MG). Para a realização dessa pesquisa, a autora entrevistou 27 pessoas distribuídas das seguintes maneiras: classe social

(alta, média e baixa), sexo (masculino e feminino), grau de escolaridade (fundamental, médio e superior) e faixa etária (17 a 23 anos, 40 a 47, mais de 60 anos).

Das entrevistas realizadas, a pesquisadora selecionou 1.297 casos de SNs que foram analisados com ajuda do programa de computador VARBRUL. Com relação aos fatores que contribuem para o surgimento do fenômeno linguístico, os dados da pesquisadora corroboraram com outros estudos, ou seja, mostraram que os elementos antepostos ao núcleo nominal apresentam mais marcas de plural que os pospostos.

No que se refere à variante sexo, as mulheres tendem mais ao uso da presença de marcas formais de plural no SN, confirmando os resultados de Scherre (1988) e Carvalho (1997). Em relação à escolaridade, da mesma maneira que em outras pesquisas citadas acima, a análise dos dados revelou que os falantes de baixa escolaridade apresentam uma inclinação para a ausência da marca formal de plural no SN (nível intermediário: 0,84; nível superior:

0,96). Santos (2010) também comprovou a hipótese de que os informantes, de classe social baixa, tendem a apresentar uma maior proporção da ausência do cancelamento da marcação de plural na concordância nominal quando falam.

Um fato curioso observado pela pesquisadora foi o comportamento diferente do fenômeno linguístico em estudo nas classes sociais média e alta, já que ela esperava que os informantes, de classe social média, colaborassem mais para o surgimento da ausência da marca de plural no SN, porém ocorreu o contrário, ou seja, esse público realizou mais a flexão de número (0,45) em oposição a classe social que contribuiu bem menos para a manutenção da variante de prestígio (0,45).

Santos (2010) não selecionou a variável idade, porque a verificação dos dados mostrou que a não marcação do plural na concordância nominal é uma variável estável, não se configurando, dessa forma, uma transição linguística em progresso. Essa observação também confirmam os resultados de Scherre (1988) e Campos Rodrigues (2002).

Outra pesquisa importante referente ao processo de variação na concordância nominal é o trabalho de Martins (2010). A pesquisadora analisou esse fenômeno na cidade de Benjamin Constant (AM), a partir da amostra das falas de seis informantes, com grau de escolaridade de no máximo até o 5° ano, sendo divididos em três faixas etárias: de 18 a 35 anos; de 36 a 55 anos; de 56 em diante. A análise dos resultados revelou uma porcentagem de 43% para aplicação da marca de plural na CN, em objeção a 57% de cancelamento.

Martins (2010) confirmou que a posição do determinante no SN é um fator determinante para o uso da variante de prestígio, uma vez que os elementos, na primeira posição, receberam 100% a marcação de plural. Quanto às variantes extralinguísticas, a

pesquisadora observou o comportamento apenas de duas: sexo e idade. No que diz respeito à primeira variável, as mulheres usaram mais a norma padrão (50% das marcas formais de plural), ao passo que os homens apresentaram um percentual de (7%).

Com relação à idade, tanto os informantes mais jovens quantos e os mais velhos apresentaram resultados iguais para aplicação e ausência da regra da flexão de número na CN (ambos com frequência 50%). Resultado similar ao obtido por Scherre (1988) se analisar essa variável de maneira isolada. Os resultados de Martins (2010) chamam atenção pelo fato do segundo grupo etário (36 a 55 anos) apresentar um percentual de 92% para o não uso da marca formal, bem como foi na pesquisa de Carvalho (1997).

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