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CAPÍTULO 2 – DUPLA PERSONALIDADE DO DOCUMENTÁRIO: A DO

2.2 A viabilização da produção

Após lidar com o tema de forma solitária, em agosto de 2008 foi acertada uma parceria com a produtora audiovisual Videosfera Multimídia Ltda., cujos sócios são integrantes do grupo de pesquisa Aruanda lab.doc. A Videosfera é uma produtora independente, que realiza documentários, vídeos de não-ficção (institucionais, de treinamento etc.) e curtas de ficção. Seus sócios são Paulo César (PC) Toledo, cinegrafista, diretor de fotografia, editor e diretor, e Fabiana Sanches, produtora executiva.

A Videosfera dispunha dos recursos tecnológicos, necessários para captação e edição das entrevistas, e dos recursos humanos, mais importantes que os recursos de infraestrutura. Além da experiência adquirida ao longo das trajetórias profissionais de seus sócios, havia o fator da sensibilidade e solidariedade humanas existentes, imprescindíveis para a realização do projeto. Desde o início do processo de trabalho, percebi o empenho e a participação deles na concepção das gravações das entrevistas com os imigrantes espanhóis.

Minha ideia inicial era produzirmos um número de imigrantes espanhóis predefinidos por nós e gravarmos em suas residências. A opção por esse ambiente deveu-se ao fato de querer estabelecer relações de maior intimidade com os entrevistados.

Em nossa primeira reunião, afirmei que tinha delineado apenas algumas diretrizes sobre a direção. Disse a PC e Fabiana que precisaria de sua colaboração para essa concepção, uma vez que seria minha primeira iniciativa na direção. Comentei que gostaria de construir, como fruto do trabalho coletivo, a proposta estética das gravações e posterior edição.

As ideias sugeridas por eles foram de grande valor e complementaridade das ideias iniciais que havia apresentado. PC sugeriu que produzíssemos alguns pais e filhos sendo entrevistados ao mesmo tempo. Assim, teríamos pontos de vista de duas gerações diferentes. Também sugeriu que pudéssemos tratar alguns assuntos com humor. Essas ideias foram acolhidas pela equipe.

Fabiana, neta de espanhóis, com sua liberdade de criação e conhecedora da cultura espanhola pela apreciação das comidas típicas, sugeriu que, na gravação de algumas entrevistas, oferecêssemos petiscos típicos espanhóis, a fim de começarmos em clima descontraído e intimista. Surpreendeu-me sua liberdade de criação, pois, sendo eu uma produtora de televisão, padronizada no sistema de produção em série, jamais me ocorreria tal ideia. Comecei a perceber os aspectos positivos da produção independente.

Nessa reunião, começamos a definir a linguagem das gravações: haveria uma câmera principal (HD), fixa no tripé para gravar as entrevistas, e uma câmera móvel (Mini-DV), que captaria a entrevista como câmera adicional (contra-plano) e também as conversas mais informais de cada entrevistado na preparação do personagem antes da entrevista e em algumas situações de suas casas. O áudio seria captado por um microfone direcional, durante as entrevistas, e por um microfone acoplado à câmera móvel para as cenas gravadas com ela.

Também comentei com eles a ideia de produzirmos, com os entrevistados, seus objetos biográficos, que são objetos que acompanham as pessoas ao longo de suas vidas e que têm valor afetivo e espiritual (BOSI, 2003, p. 25). Por meio deles, poderíamos iniciar as entrevistas de forma mais intimista e mais humanizada, se fosse possível.

Propus que tentássemos estabelecer com os entrevistados uma relação de empatia, de alguém que tem testemunhado a trajetória de um imigrante, por ter ouvido as histórias de meu pai. Nessa aproximação, desde a pesquisa de personagens até as datas de gravações propus uma aproximação ao método de trabalho dos antropólogos/realizadores. Sua postura profissional, que tem como objetivo o estudo da cultura de grupos étnicos, tem como pressuposto básico o conhecimento da cultura dos grupos pesquisados para, depois de certo tempo de convivência, gravar os documentários.

Após a primeira reunião com PC Toledo e Fabiana Sanches, outro profissional integrou-se à equipe: Fábio Cintra, diretor musical. Sua chegada aconteceu durante a leitura do projeto do mestrado, à ocasião do meu ingresso, no ano de 2007. A escolha de Fábio Cintra deu-se por sua formação e experiência profissional em composição musical e pela proposta para concepção da trilha sonora: de não trabalhar apenas com os gêneros musicais espanhóis mais conhecidos, como o flamenco, por exemplo, mas também com outros desconhecidos do grande público brasileiro, destacando os gêneros musicais regionais daquele país. Gostei dessa concepção, pois concordava com a opção. Após definida essa primeira diretriz, ele foi integrado à equipe.

O último – mas não menos importante – profissional integrado à equipe foi Vanderley Mastropaulo. Ele exerceu as funções de operador da câmera móvel, pesquisador, assistente de produção e edição. Vanderley é mestre pelo PROLAM– USP (Programa da América Latina), integrante e pesquisador do Aruanda lab.doc.

Os locais (locações) escolhidos para as gravações foram as residências dos entrevistados, pois entendo que esse ambiente privado seja o espaço onde a

intimidade se configure como atmosfera apropriada para a evocação de suas lembranças e memórias das narrativas.

A entrevista teve a intenção de revelar os dois tipos de memórias definidas por Bosi (1994): memória-hábito e memória-sonho dos entrevistados.

O conceito de objeto biográfico, conforme postula Bosi (2003), foi transposto para o audiovisual por meio da linguagem da câmera móvel e eventualmente captado com a câmera fixa.

Em última instância, a intenção foi o revelar das alegrias, das tristezas, dos sonhos, dos traumas, das imaginações dos entrevistados diante de nós (equipe de gravação e câmeras), o que se constituiu na essência das narrativas e na proposta da direção.

2.3 Documentário: assistir, discutir, estudar, ensinar e, acima de tudo,