• Nenhum resultado encontrado

2 AS MÚTIPLAS FACES DE UMA VIOLÊNCIA: A DINÂMICA PERVERSA DA

2.5 A Violência Sexual e o Campo das Mediações

A violência sexual contra crianças e adolescentes, como já apresentada neste trabalho é uma face da violência encontrada em todas as sociedades, desde os seus primórdios. Contudo, a forma como esta violência irá se manifestar será diferente em cada contexto histórico, social, econômico e cultural. A dinâmica do fenômeno está atrelada ao movimento da realidade e o seu desvendamento no método dialético- crítico por meio de sucessivas aproximações.

24

Para superar a aparência do real, a categoria mediação busca a superação da

imediaticidade, em que neste plano as coisas, objetos e fenômenos aparecem como

acabados. Os complexos totais que são estruturas sociohistóricas existentes no ser social, encontram-se em constante movimento que é impulsionado pela negatividade (PONTES, 2002). Neste sentido, é possível apreender que a mediação possui:

[...] um alto poder de dinamismo e articulação. É responsável pelas moventes relações que se operam no interior de cada complexo relativamente total e das articulações dinâmicas e contraditórias entre estas várias estruturas sócio-históricas. Enfim, a esta categoria tributa-se a possibilidade de trabalhar na perspectiva de totalidade. Sem a captação do movimento e da estrutura ontológica das mediações através da razão, o método, que é dialético, se enrijece, perdendo, por conseguinte, a própria natureza dialética (PONTES, 2002, p.81).

As mediações são compreendidas por Martinelli (1993, p.136), como uma categoria “possibilitadora da transformação”, conduzindo, deste modo, para o progresso das relações econômicas, sociais, culturais e espirituais dos homens, uma vez que a evolução das mediações implica no distanciamento de formas degradantes e de barbárie da relação homem/natureza.

A mediação, na dialética hegeliana, é “responsável pela articulação dinâmica, processual entre as partes na sua ação recíproca e o todo, considerando que cada parte se constitui em uma totalidade parcial também complexa” (PONTES, 2007, p. 55). Esta articulação sinaliza a mediação na perspectiva da totalidade e das particularidades, esta no sentido de individualidade dos fenômenos sociais e não de singularidade - onde a mediação é oculta -, por isso a mediação expressa-se no todo.

As mediações, afirma Pontes (1999) não podem ser consideradas como acidentais ou desistoricizadas, pois se constituem na expressão concreta atuando, deste modo, como indicadores do processo histórico-social da sociedade. Tal categoria possibilita desvendar as conexões da realidade a partir de quatro instâncias do conhecimento, que são:

1) condicionalidade material de seu surgimento e existência; 2) de seus traços específicos e pecularidades;

3) de sua posição no contexto dos fenômenos sociais;

4) dos impactos individuais e sociais que provoca (MARTINELLI, 1993, p.140).

A categoria mediação, segundo Martinelli (1993), busca apreender a realidade dos fenômenos sociais e da relação desta com os sujeitos, concede-os dentro de um movimento, situado na perspectiva de conhecer a sua existência real e concreta. A mediação, de acordo com Cury (1995), procura compreender o fenômeno na articulação deste com os demais fenômenos da realidade e com o conjunto das manifestações da realidade que é parte.

Na singularidade, as mediações, as determinações, enfim, a própria legalidade social estão inteiramente ocultas, numa palavra, esse é o plano da imediaticidade. É exatamente porque a singularidade corresponde à dimensão da imediaticidade que o sujeito cognoscente apreende as categorias sociais como formas autônomas de ser. Neste nível, essas categorias emergem despidas de determinações históricas (PONTES, 2002, p.85).

A procura pela apreensão crítica da violência sexual para a sua superação não pode, de modo nenhum, desconsiderar os fenômenos sociais e econômicos. A segmentação da violência sexual, em sua singularidade, retira a perspectiva de totalidade na busca pela sua essência, o desvendamento das contradições, assim como dos nexos que se interligam para a sua produção e reprodução. A violência sexual, nesse sentido, não pode ser separada das demais expressões da questão social, sendo decorrente das relações desiguais econômicas e sociais, entre gênero, segmento social (criança e adolescente), que resultam nas inúmeras situações de violência sexual. Na contemporaneidade, essa refração da questão social assume diversas configurações, que denotam uma “certa adaptação” da violência ao jeito moderno de se viver em sociedade, dentre elas situam:

Sexting é uma expressão de abuso sexual recente, em adolescentes, jovens ou adultos, acontece por meio do uso de celulares, e-mail, salas de bate-papo, comunicadores instantâneos e sites de relacionamento, para enviar fotos sensuais, mensagens de textos ou convites com fins sexuais. Algumas vezes essa prática, ao cair na rede, pode configurar abuso ou exploração sexual. Sextosión se configura a partir do sexting. É a prática de chantagens com fotografias ou vídeos da criança ou adolescente sem roupa ou em relações íntimas que foram compartilhados por “sexting” com fins de exploração sexual. Grooming caracterizado pela ação de um adulto ao se aproximar de crianças ou adolescentes via internet, por meio de chats ou redes sociais, com o objetivo de praticar abuso ou exploração sexual (SILVA, 2012, p.52).

As novas formas de abuso e exploração sexual revelam o movimento da realidade, a dinâmica dos fenômenos, as contradições e as particularidades que

assume em cada contexto sociohistórico. O método dialético-crítico, nesse modo, capta as tendências históricas dos objetos, à luz da perspectiva da totalidade. Netto (1989, p. 10) afirma que “a estrutura é móvel, não está dada na gênese: um mesmo fenômeno, em um mesmo processo histórico, em condições históricas diversas, tem sua estrutura, e, principalmente, suas funções alteradas”. Dentre as faces assumidas pela violência sexual infanto-juvenil, podem-se sinalizar as seguintes:

Violência sexual sensorial: exibição de performance sexualizada de forma a constranger ou ofender a criança ou o adolescente, tais como: pornografia, linguagem ou imagem sexualizada e assédio. Violência sexual por estimulação: carícias inapropriadas em partes do corpo consideradas íntimas, masturbação e contatos genitais incompletos. Violência sexual por realização: tentativas de violação ou penetração oral, anal e genital (VIVARTA, 2003, p. 128).

Assim, também a violência sexual assume diversas configurações que irão se manifestar diferenciadamente a depender das circunstâncias que se apresentam para o fenômeno. À guisa de exemplificação, o abuso sexual, como já fora referido neste capítulo, no início da civilização, principalmente nas sociedades gregas era uma prática comumente encontrada nas famílias aristocráticas da época. A literatura pouco faz inferência sob a utilização de extrema violência, pois o abuso era uma prática intrínseca à cultura grega. A historicidade dos fenômenos para o método dialético-crítico é uma mediação de suma importância para a apreensão da essência, ao estabelecer uma conexão entre a gênese do objeto e o contexto atual que assume suas configurações. Pontes (2007), explica que as mediações permitem a apreensão do movimento do ser social na sua historicidade, que estão ocultas pelas aparências e submersa pela facticidade.

No campo das mediações, também chamado por Lukács (1979), como dialética da particularidade, as singularidades (imediatos e desistoricizados, portanto, acríticos e fragmentados) vitalizam-se com as leis universais dialeticamente interligadas. A ruptura com a facticidade da singularidade possibilita o desvendamento dos complexos sociais, negando o imediato, a pseudoconcreticidade e desvendando as forças e processos implicados na gênese do fenômeno.

Na esfera da universalidade se encontram as grandes determinações e leis tendenciais de um dado complexo social. Leis e determinações estas que na esfera da singularidade ficam ocultas pela dinâmica dos fatos (imediaticidade/facticidade). Na esfera da singularidade cada fato parece explicar-se a si mesmo, obedecendo uma causalidade caótica (PONTES, 2007, p.41)

A mediação, logo, é portadora de dinamismo e articulação (PONTES, 2007), pois é ela que movimenta o real, movimentando também o método para que esse não se engesse no processo de apreensão da realidade dos complexos sociais. O campo das mediações possibilita o caminho metodológico para a apreensão dos fenômenos no plano da mediaticidade. Tal caminho realiza-se por meio de sucessivas aproximações com as determinações histórico-concreto-estrutural dos fenômenos, o conhecimento dialético da realidade, rompe, portanto, com a aparência fenomênica na qual as coisas apresentam-se de forma acabada.

Lukács (1979, p.84) afirma “que toda aparência ou fenômeno é essência que aparece, toda essência aparece de algum modo, nenhuma das duas pode estar presente nesta relação dinâmica, contraditória”. A busca pela essência do fenômeno será mediatizada pela sua aparência, ou seja, uma não prescinde da outra, estão dialeticamente interligadas. A busca pela apreensão da violência sexual em suas múltiplas manifestações, na perspectiva de totalidade, também requer sucessivas aproximações com suas aparências imediatas, pois é nelas que a essência irá manifestar-se.

As singularidades, contidas nas situações de violência sexual que acontecem no cotidiano requerem o movimento mediatizado da singularidade para universalidade por meio do campo das mediações que é a categoria da particularidade. Essa mediação possibilita captar o movimento do objeto que impulsiona a totalidade. Nesse sentido, o campo das mediações impede que o objeto, eivado de singularidades que enrijecem a realidade de forma estanque, oculte a essência no plano da imediaticidade. Nesse sentido, ressalta-se que:

Uma vez esquecida à raiz objetiva, econômico-social, de classe, da violência, fica aberto o caminho para que a atenção se centre na própria violência, e não no sistema que a engendra necessariamente. Daí, uma tomada de consciência da própria violência sem chegar ate suas raízes sociais. Essa tomada de consciência se evidencia principalmente em relação às formas diretas e imediatas da violência (a opressão colonial, a violência política, o terror, a intervenção armada ou a guerra), isto é, em relação às formas de violência que, por seu caráter direto e imediato, podem ser vividas e compreendidas diretamente como tais (VÁZQUEZ, 2011, p.388).

A análise do fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes, a partir da perspectiva do método dialético-crítico, possibilita não apenas a apreensão do fenômeno, mas atua como instrumento teórico para sua transformação, uma vez que estabelece a conexão entre a teoria e a realidade na qual expressam-se as múltiplas violências vivenciadas pela sociedade. Marx (1999) dizia que a teoria por si só não era capaz de transformar a realidade; a mediação entre a crítica e o mundo real, é o instrumento para a transformação da realidade opressora aos homens, por isso “a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas [...] a teoria se concerte em poder material tão logo se apodera das massas, quando se torna radical” (MARX, 1999, p.9-10).

O próximo capítulo deste trabalho realiza uma discussão acerca do caminho percorrido pelas políticas sociais para o enfrentamento da violência sexual infanto- juvenil, trazendo à pauta do debate atual os processos de organização da sociedade civil para a mobilização social e eliminação desta manifestação de violação dos direitos humanos tão perversa que acomete cotidianamente inúmeras crianças e adolescentes.

3 CONSTRUINDO UMA POLÍTICA PÚBLICA PARA O ENFRENTAMENTO DA