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3. O MOVIMENTO DOS CABANOS

3.3 A violenta repressão

Sem muita estrutura e organização, os problemas do novo governo aumentaram. A falta de comida estimulava as intrigas e as divergências. Em abril de 1836, chegava a Belém uns novos governadores, acompanhados de um grande

número de soldados, mercenários estrangeiros e criminosos soltos das prisões do Sul e do Nordeste.

Sem condições de enfrentar este novo ataque, Angelim e os cabanos fugiram para o interior, onde a resistência continuou. A repressão desencadeada pelo governador foi terrível. De uma população de 80 mil pessoas que viviam em toda a província, foram mortas quase 30 mil, isto é, cerca de 40% da população. Qualquer denúncia bastava para alguém ser considerado cabano e, em seguida, morta. Os mais atingidos foram os indígenas e os tapuios. Na região de Tapajós, onde, em 1820, havia trinta mil indígenas, quarenta anos depois só restavam três mil pessoas indígenas.

Em 1839, o governo do Rio de Janeiro, diante da insistência dos cabanos em continuar a luta, resolveu anistiar os líderes revolucionários, exceto os que cometeram homicídio e os dois chefes, Antônio Vinagre e Eduardo Angelim, que foram deportados.

Ainda hoje, 173 anos depois, o povo se lembra dessa luta e chega a dizer: “a

Cabanagem não acabou: veja o povo na rua”. A Cabanagem continua sendo a maior

revolta popular do Brasil.

Foi na Amazônia que o Brasil indígena reagiu por mais tempo contra a invasão européia. Ainda hoje, apesar das leis de Pombal, muitas nações indígenas falam o nheengatu, a língua usada para o comércio e a comunicação.

Ao mesmo tempo, os caboclos conservavam muita coisa de sua cultura de origem. Viviam em pequenas posses, que eram propriedades não-legalizadas, onde cultivavam alimentos para o consumo próprio e para a troca com outros produtos. Isto durou até surgir à exploração da borracha, iniciada na segunda metade do século XIX.

A chegada dos nordestinos na região, em 1870, que fugiam da seca, provocou outra invasão na Amazônia. Muitos povos indígenas foram mortos ou tiveram de se submeter a esses novos “patrões”, que faziam deles o que queriam. Era uma nova escravidão que surgia.

empunhando o arco e a flecha em sua bandeira. Contudo, qual foi a sua participação nesta luta que durou mais de oito anos.

Numa relação de presos, levados para o navio-prisão Defensora, em 1837, pode-se ter uma amostra dessa participação. Dos 299 presos, 91 eram tapuios (indígenas não aldeados) e treze eram indígenas; os mestiços com sangue indígena (cafuzos e mamelucos) eram 63. Esses dados demonstram que 73% dos revolucionários presos eram índios ou descendentes de índios. Os outros segmentos eram bem menos expressivos: 36 mulatos, dez negros e dezesseis brancos.

Quanto aos indígenas aldeados, destacaram-se dois grupos: os Mura e os Mawé. Os Mura, que viviam no médio Amazonas, sempre foram discriminados e perseguidos pelo poder colonial, que os acusava de viver de pirataria nos rios. Eles participaram ativamente ao lado dos cabanos e foram responsáveis pela morte de Ambrósio Ayres, o Bararoá, um dos líderes mais violentos das forças oficiais.

Pagaram um preço alto por esta ousadia. De 50 mil que eram em 1826, quinze anos depois estavam reduzidos a 6.000 mil. Hoje são em torno de 1.400 pessoas.

Os Mawé foram os que lideraram a revolução em Parintins e em Tupinambarana. Sob o comando do cacique Manoel Marques atacaram Luzéa, matando os trinta soldados do destacamento militar e os moradores portugueses do lugarejo, transformando a vila em reduto cabano.

Em Tupinambarana e Andirá os revoltosos foram liderados pelo cacique Crispim Leão. Incendiaram esta última vila, obrigando os moradores a se refugiaram em Óbidos. No combate, o cacique foi morto à bala.

Em 1840, quando 980 cabanos se renderam em Luzéa, todos portavam apenas arcos e flechas.

Convém destacar que o povo Karipuna que vive na região do Oiapoque, ao norte do Amapá, é remanescentes de cabanos, vindos do baixo Amazonas, de Bragança e Abaetetuba. Provavelmente eram tapuios que para lá fugiram, pois falavam o nheengatu, a língua geral tupi. Hoje são cerca de setecentas pessoas que falam o creol, língua que agrega elementos do francês, de línguas indígenas e

africanas.

Os martírios aplicados aos cabanos chegaram a chocar o frio bacharel Souza Franco e o prevenido historiógrafo Raiol: “Ninguém imagina os martírios de que foram vítimas infelizes que caíram em poder das chamadas expedições! Falam somente da selvageria dos cabanos, e esquecem a brutalidade dos apregoados legais! Destes referem atos cruéis que não depõem menos contra a natureza humana!”.

O quadro de torturas que se instalou na Amazônia foi sem precedentes pela ferocidade e pela extensão: Os rebeldes, verdadeiros ou supostos, eram procurados por toda parte e perseguidos como animais ferozes! Metidos em troncos e amarrados, sofriam suplícios bárbaros que muitas vezes lhes ocasionavam a morte! Houve até quem considerasse como padrão de glória trazer rosários de orelhas secas de cabanos! Conhecemos uns célebres comandantes dessas expedições, que se desvanecia em descrever com ostentação o seu feitos de atrocidade e equiparando os rebeldes a cobras venenosas, dizia que não deviam em caso algum ser perdoado! Muitos dos entroncados nas viagens por canoas o lançou nos rios, e outros muitos mandou espingardear nos calabouços a pretexto de quererem arrombar as prisões! Nos dias de pior humor fazia dependurar, em cordas presas ao teto da casa de sua moradia, os que lhe inspirava maior antipatia, e com prazer em arremessá-los com violência de encontro às paredes, de mãos e pés atados, sem nenhum meio de poderem eles evitar os terríveis choques que lhes fraturavam os ossos!”. O número de mortos nos martírios e torturas tornou-se incalculável: “Consta aproximadamente à mortandade dos rebeldes que pereceram nos navios de guerra, nas prisões, nos hospitais e nos conflitos; mas é inteiramente desconhecida a que teve lugar em maior escala pelo centro da província, nas correrias das expedições e longe das vistas do governo.129