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A virgindade da alma

No documento Mulheres de Papel (páginas 143-185)

Capítulo IV

A virgindAde

A virgindAdedA AlmAdA AlmA

Lucíola, quarto romance de Alencar, publicado em 1862, seis anos depois de sua estréia e cinco depois do retumbante sucesso de O Guarani, tem características tais que diere, radicalmente, de seus ante- cessores: a começar pelo tema — a vida de uma cortesã —, no mínimo pesado, para as expectativas da época, povoada de sinhazinhas e moças puras, aspirando a um casamento e namorando sem pensar em contacto corporal algum...

O jovem Alencar, nessa época com 33 anos, encasacado em uma mentalidade conservadora — já era deputado desde os 30! — age com uma habilidade de diplomata, para enrentar tal desao, sem macular seu perl de autor recomendável para as moças de amília.

A primeira providência que toma é não assinar o livro: ele aparece tendo como autor G.M. Que saberemos, depois, ser uma senhora já entrada em anos e acima de qualquer suspeita.

Desculpe, se alguma vez a zer corar sob os seus cabelos bran- cos, pura e santa coroa de uma virtude que eu respeito. O rubor vexa em ace de um homem; mas em ace do papel, muda e impassível teste- munha, ele deve ser para aquelas que já imolaram à velhice os últimos desejos, uma como que essência de gozos extintos, ou extremo perume que deixam nos espinhos a desolha das rosas. (ALENCAR, 1977a :

p. 3-4)

Essa autora, cujos cabelos brancos são a garantia de uma virtu- de indiscutível — espécie de virgindade recuperada —, pode alar, sem suspeitas, sobre um tema escabroso. Mas a manobra não é tão simples! Em verdade, o complexo processo é descrito em detalhes por Alencar, na nota introdutória do livro:

AO AUTOR

Reuni as suas cartas e z um livro.

Eis o destino que lhes dou; quanto ao título não me oi diícil achar. O nome da moça, cujo perl o senhor desenhou com tanto esmero, lembrou-me o nome de um inseto.

Lucíola é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?

Deixe que raivem os moralistas.

A sua história não tem pretensões a vestal. É musa cristã: vai tri- lhando o pó com os olhos no céu. Podem as urzes do caminho dilacerar-lhe a roupagem: veste-a a virtude.

Demais, se o livro cair nas mãos de alguma das poucas mulheres que lêem neste país, ela verá estátuas e quadros de mitologia, a que não alta nem o véu da graça, nem a olha de gueira, símbolos do pudor no Olimpo e no Paraíso terrestre.

Novembro de 1861.

G.M.(ALENCAR, 1977a : p. 2) Nela, a senhora que assina a autoria dirige-se ao autor, o que poderia parecer de uma redundância limítroe à idiotia. Mas, ao contrário, é aí que se inicia um jogo extremamente bem urdido. Tudo se passa como se o autor osse Paulo, a personagem encarregada de narrar a estória, que teria eito chegar o enredo a G.M., na orma de cartas. De posse de tal material — já que o livro é uma narrativa que não assume a orma epis- tolar — ela teria construído o romance. Nesse jogo de corta-luz, adivinhe quem, misteriosamente, desaparece? O autor verdadeiro que, pelo menos até a 3ª edição, aparecida em 1872, dez anos depois, não havia ainda assumido publicamente tal autoria. Ele mesmo o armaria, com todas as letras, num texto de 1873, que, entretanto, só viu a luz em 1893, dezesseis anos depois de sua morte:

Em 1862 escrevi Lucíola, que editei por minha conta e com o maior sigilo. Talvez não me animasse a esse cometimento, se a venda da segunda e terceira edição ao Sr. Garnier, não me alentasse a conança, provendo-me de recursos para os gastos da impressão.

O aparecimento de meu novo livro ez-se com a etiqueta, ainda hoje em voga, dos anúncios e remessas de exemplares à redação dos jornais. Entretanto toda a imprensa diária resumiu-se nesta notícia de um laconismo esmagador, publicada pelo Correio Mercantil: “Saiu à luz um

livro intitulado Lucíola”. Uma olha de caricaturas trouxe algumas linhas pondo ao romance tachas de rancesia.

Há de ter ouvido algures, que eu sou um mimoso do público, cortejado pela imprensa, cercado de uma voga de avor, vivendo da alsa e ridícula idolatria a um nome ocial. Aí tem as provas cabais; e por elas avalie dessa nova conspiração do despeito que veio substituir a antiga conspiração do silêncio e da indierença. Apesar do desdém da crítica de barrete, Lucíola conquistou seu pú- blico, e não somente ez caminho como ganhou popularidade. Em um ano esgotou-se a primeira edição de mil exemplares, e o Sr. Garnier comprou- -me a segunda, propondo-me tomar em iguais condições outro perl de mulher, que eu então gizava.(ALENCAR, 1977e : p. LXXXV- LXXXVI) As conclusões a tirar daí são múltiplas e contraditórias. Primeiro, ele arma haver publicado o livro por sua conta própria e no maior sigilo. Em seguida, lamenta-se pelo desinteresse da crítica e vê nela uma cons- piração do silêncio e da indierença contra ele. Das duas uma, ou o sigilo era do tipo az-de-conta e todos sabiam quem era o verdadeiro autor, ou então Alencar estaria exigindo da crítica e do público um reconhecimento via estilo literário...

É importante lembrar que, em 1873, quando escreveu esta pe- quena autobiograa, em todos os sentidos exemplar, havia apenas três anos que renunciara ao Ministério da Justiça, quando o Imperador se negara a nomeá-lo senador, apesar de haver sido eleito em primeiro lugar na lista sêxtupla, para duas vagas pela Província do Ceará. E não deixou apenas o ministério: deixou a política, amargurado, mesmo que continuasse deputado até o m do mandato. Desenganou-se com a política e com os homens. Passou a assinar o pseudônimo Sênio, nas crônicas que publica a partir de então, numa auto-reerência, no mínimo, desamorosa.

Um certo vezo persecutório que tresanda desse tex- to encontra uma explicação, ainda que não uma justicativa, nos atos reeridos. E parece que Alencar perde a mão, nessa passagem! O que há de importantíssimo, ele talvez não tenha percebido: é que Lucíola, obra anônima, ganha o avor e o carinho do público leitor, por conta própria e sem apoiar-se em um nome já amplamente consagrado. O ato de a primeira edição, de mil exemplares, ter sido vendida em um ano, como ele mesmo nos inorma, é um sintoma de enorme popularidade. Hallewel, alando de Machado de Assis, nos inorma:

Não que essa ligação tenha sido desvantajosa para qualquer dos dois: sua primeira maniestação, Chrysalidas (1864), vendeu 800 exem- plares em um ano e todos os trabalhos posteriores de Machado de Assis tiveram edições de mil ou mais exemplares: boas marcas se comparadas com as tiragens citadas por Werdet para os romances ranceses, que eram de apa 500 xpa, o o oa  dua   Kok apa 500 xpa, o o oa  dua   Kok ,

apenas uma década antes. [grios meus](HALLEWEL, 1985, p. 142) E isto que ele nos ala do público rancês! Que, via de regra, não pode ser usado como elemento de comparação rente ao nosso, sem transormar tal comparação em explícita covardia...

Retornando ao problema anterior, Alencar queixa-se do silên- cio da crítica, queixa-se da imprensa, mas incensa seu público. Há aí o cruzamento de dois discursos: o político e o amoroso. A sua relação com o público é um caso de amor, quase à primeira vista. Seu segundo livro explode nos corações e sensibilidades do nosso século XIX, quando ainda contava com apenas 28 anos. Já sua relação com a imprensa sempre oi o seu tanto tumultuada...

Ora, se ele mesmo assume haver publicado a obra em sigilo; se usa, não de um pseudônimo, mas de uma pseudo-inicial G.M. para assiná-la; se az essa santa senhora escolher, para narrador e pretenso autor das cartas em que se basearia o livro, a personagem Paulo; se az tudo isso, estava querendo, realmente, ser identicado como o autor de obra tão comprometedora? Será sua zanga, a posteriori, assim tão verdadeira? Não parece, pois, na nota introdutória de Diva — publicado com as mesmas pseudo-iniciais G.M., dois anos depois, em 1864, e um ano depois de haver-se esgotado a primeira edição de Lucíola, — é ele quem diz:

A G.M.

Envio-lhe outro perl de mulher, tirado ao vivo, como o primeiro. Deste a senhora pode sem escrúpulo permitir a leitura à sua neta.

...

O manuscrito é o que lhe envio agora, um retrato ao natural, a que a senhora dará, como ao outro, a graciosa moldura.

P. (ALENCAR, 1977c: p. 102-103)

Mantém o jogo e o amplia: agora quem envia o manuscrito é um certo PP.., sem dúvida alguma Paulo, o narrador de Lucíola, que reere na nota à sua vida posterior à história do primeiro livro! Uma personagem extrapola os limites do romance, em que vivia e atuava, e salta para o mundo da literatura do século XIX brasileiro. O que é realmente extraordi- nário e, mais ainda, que a crítica não tenha pilhado, até aqui, tal estripulia do Conselheiro Alencar. Com esse pequeno movimento no tabuleiro dos discursos, ele az Paulo assumir existência real — como personagem não mais de um romance ou de uma série deles, mas como personagem da vida literária de então. Que orma mais habilidosa de esconder-se e, ao mesmo tempo, dar verossimilhança realista aos seus enredos!

de Lucíola, que assim se inicia:

A senhora estranhou, na última vez que estivemos juntos, a minha excessiva indulgência pelas criaturas inelizes, que escandalizam a socie- dade com a ostentação do seu luxo e extravagâncias.

Quis responder-lhe imediatamente, tanto é o apreço em que tenho o tato sutil e esquisito da mulher superior para julgar uma questão de sen- timento. Não o z, porque vi sentada no soá, do outro lado do salão, sua neta, gentil menina de 16 anos, for cândida e suave, que mal desabrocha à sombra materna. Embora não pudesse ouvir-nos, a minha história seria uma proanação na atmosera que ela puricava com os perumes de sua inocência; e — quem sabe? — talvez por ignota repercussão o melindre de seu pudor se arruasse unicamente com os palpites de emoções que iam acordar em minha alma. (ALENCAR, 1977a : p. 3)

Sabe Alencar do teor explosivo de sua narrativa, na sociedade na qual e para a qual escrevia. Além de escolher para autor do livro uma senhora, avó e insuspeita, assume que a própria atmosera das paixões, com que irá operar, é absolutamente inadequada para jovens e “gentis meninas”. Que a simples exalação de tais lembranças amorosas poderiam “arruar melindres”. E, para amenizar tais eeitos retardados, ele toma as precauções de praxe e algumas mais. Se lembrarmos, acacianamente, que a nota introdutória de Lucíola antecede ao texto da narrativa e já contém um julgamento da personagem, estaremos exagerando? Por certo que não! É a insuspeita G.M., do alto de sua respeitabilidade, quem arma — relembremos — antes do livro:

Lucíola é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?

Deixe que raivem os moralistas.

A sua história não tem pretensões a vestal. É musa cristã: vai tri- lhando o pó com os olhos no céu. Podem as urzes do caminho dilacerar-lhe a roupagem: veste-a a virtude.

Demais, se o livro cair nas mãos de alguma das poucas mulheres que lêem neste país, ela verá estátuas e quadros de mitologia, a que não alta nem o véu da graça, nem a olha de gueira, símbolos do pudor no Olimpo e no Paraíso terrestre.(ALENCAR, 1977a: p. 2)

As imagens, relativas a Lúcia, empregadas nesse discurso, são sempre dicotômicas: luz viva / charcos; abismo da perdição / pureza d’alma; nudez do corpo / virtude vestida; nudez artística / olhas de gueira. Por mais cortesã que osse, havia nela um lado cristão e puro. E, ao nal e antes que comece a narrativa, transorma-se em musa cristã, vestida de virtude, onde não altam sequer os símbolos do pudor...

Se o livro, antes de lido, já recebeu a absolvição e as bênçãos de G.M. — acima de qualquer suspeita, repitamos —, quem ousará condená-lo? O nosso Alencar sabia em que meio se movia e ali estava completamente à vontade.

Mais que isso, há outra aceta a ser analisada, ainda nestas atias iniciais. De um lado, nosso autor cria metáoras de uma certa acilidade literária, ao considerar que a orma romance seria apenas uma moldura, já que G.M. tomaria os atos reais enviados por Paulo e, ao produzir os livros, nada mais estaria azendo do que colocar-lhes uma simples mol- dura. Aceitá-lo, sem discutir, seria desconhecer as artimanhas narrativas de Alencar. É ele mesmo quem nos diz:

O romance, como eu agora o admirava, poema da vida real, me aparecia na altura dessas criações sublimes, que a Providência só concede aos semideuses do pensamento; e que os simples mortais não podem ousar, pois arriscam-se a derreter-lhes o sol, como a Ícaro, as penas de cisne grudadas com cera. (ALENCAR, 1977e: p. LXIII)

Outro disarce e outra armadilha, para a leitura ingênua. Alencar está, desse modo, construindo uma verossimilhança ambígua, em que sua autoria se rearme, sem que ele, como gura pública, comprometa- -se mais do que o conveniente. Este o sentido desse jogo de espelhos tão bem armado, que chega a lembrar as construções de Woody Allen em A rosa púrpura do Cairo. É a ruptura das ronteiras entre cção e realidade, seja lá o que signiquem estes dois conceitos prenhes da mais elaborada ambigüidade.

E tem ele plena consciência do mister a que se propõe:

Receei também que a palavra viva, rápida e impressionável não pudesse, como a pena calma e refetida, perscrutar os mistérios que dese- java desvendar-lhe, sem romper alguns os da tênue gaza com que a na educação envolve certas idéias, como envolve a moda em rendas e tecidos diáanos os mais sedutores encantos da mulher. Vê-se tudo; mas urta-se aos olhos a indecente nudez.

Calando-me naquela ocasião, prometi dar-lhe a razão que a senhora exigia; e cumpro o meu propósito mais cedo do que pensava. Trouxe no desejo de agradar-lhe a inspiração; e achei voltando a insônia de recorda- ções que despertara a nossa conversa. Escrevi as páginas que lhe envio, às quais a senhora dará um título e o destino que merecerem. É um perl de mulher apenas esboçado. (ALENCAR, 1977a : p. 3)

A clareza que tem na distinção entre a língua alada e a língua escrita, remete a questões que só oram discutidas cienticamente bem depois dele, ainda que tal consciência não osse um privilégio de Alencar: era patrimônio dos bons escritores, na tradição ocidental. Mas, o que im-

porta é que ele, no momento da escrita de Lucíola, assume que o risco de azer alar a emoção só poderia ser contrabalançado pela “pena calma e refetida”. Emoções, sim; mas ltradas pelo azer literário e pelos limites da retórica vigente que, como “a na educação envolve certas idéias”, traça limites entre o dizível e o não-dizível.

Vê-se que Alencar sabia navegar, com mestria, entre os esco- lhos retóricos da expectativa social que o cercava. Longe dele, apesar de algumas “aoutezas”, romper com os padrões vigentes. Seu problema era outro, como se poderá ver adiante.

Por outro lado, ao término da narrativa, pode-se ler o seguinte: Terminei ontem este manuscrito, que lhe envio ainda úmido de minhas lágrimas.

Relendo-o, admirei como tivera a coragem de alguma vez, no correr desta história, deixar a minha pena rir e brincar, quando o meu coração estava ainda cheio da saudade, que sepultou-se nele para sempre.

...

Há seis anos que ela me deixou; mas eu recebi a sua alma, que me acompanhará eternamente.

...

Estas páginas oram escritas unicamente para a senhora. Vazei nelas toda a minha alma para lhe transmitir um perume de mulher subli- me, que passou na minha vida como sonho ugace. (ALENCAR, 1977a : p. 96-97)

É a conrmação de duas hipóteses. A primeira delas é a da so- brevivência de Paulo ao enredo de sua história; a segunda, a da verdadeira autoria da narrativa. Em nenhum momento, que não seja no pórtico do livro, assinado por G.M., se vê qualquer reerência às cartas que Paulo teria escrito e às quais a insuspeita senhora teria dado um tratamento narrativo e literário. Por outro lado, seria extremamente contraditório que um narrador tão apaixonado por sua personagem e pela trajetória que a az descrever, pudesse ser outro que não ele. E, além do mais, como caberiam nas mãos de G.M. as eróticas e apaixonadas descrições de cenas nada edicantes, para a moral da época?

Tais traços da construção desta narrativa estão apenas a conrmar o jogo de cena construído por Alencar, para esquivar-se da responsabilidade da autoria de uma estória que poderia gerar melindres comprometedores para sua carreira de escritor. E este é um novo ângulo, a partir do qual se pode ler a rustração do autor com o silêncio da crítica. Só poderia ser porque ele, no íntimo, assumia o jogo de corta-luz como um mero expediente de que não esperava uma ecácia tal que o eclipsasse no rmamento da literatura nacional. Ciúmes de pai rente à independência

dos lhos...

Se atentarmos para a sua arquitetura narrativa, poderemos ob- servar alguns dados interessantes.

O primeiro deles diz respeito à construção do tempo: enquanto o narrador situa-se — se tomamos como reerência a data de publicação — em 1862, ele constrói um enredo que se desenvolve a partir de 1855,data que aparece explícita no início do Capítulo II, na verdade o primeiro

que trata da estória propriamente dita:

A primeira vez que vim ao Rio de Janeiro oi em 1855. (ALEN- CAR, 1977a: p. 4)

Assim, medeia entre os atos narrados e o processo de narração um intervalo de seis anos, o que nos é conrmado pelo narrador quando diz que “há seis anos que ela me deixou”. Como se trata de uma cção, o que o autor pretende com isto é criar, pelo distanciamento entre o narrador e a história narrada, uma ltragem dos atos pelo desbaste que o tempo se encarrega de azer nas emoções vividas. É a tal da pena “calma e refetida” do escritor de que nos alava no primeiro capítulo, cujo interesse maior reside no tipo de verossimilhança que é capaz de gerar. Nega-se, assim, uma proposta romântica, em que as emoções vividas e vívidas devem ga- nhar a página branca com a orça do imediatismo, à luz do que se chamava de inspiração. A ltragem, pelo decantar dos atos ao longo do tempo, é recurso de uma narrativa mais tendente à refexão do que à inspiração.

Este distanciamento gera dois planos distintos na construção da obra. O do tempo em que se situa o Paulo-narrador e aquele em que habita o Paulo-personagem. Este vive a sua ventura/desventura com a idade de 20 anos, no viço de sua juventude; aquele narra os atos seis anos depois, quando conta com 26 — para a época, idade de plena maturidade.

O mundo em que se movimenta o narrador constitui um espaço social, com suas leis e seu uncionamento, ao mesmo tempo que o mundo das personagens narradas congura, também, de orma relativamente inde- pendente, um simulacro de vida social, sujeita às suas leis e restrições. O que pode ocorrer é que esses dois mundos não coincidam necessariamente.

No caso presente, o mundo de Paulo-narrador está desenhado, de orma direta, na Nota Introdutória, no Capítulo I e no epílogo (sem título), com que se encerra a narrativa, e, de orma esparsa e indireta, em inúmeras passagens em que o narrador, sem romper os limites entre os dois mundos, interere emitindo opiniões, juízos de valor e comentários a respeito tanto das personagens, quanto da sua virtual leitora G.M. O es- paço da narração se nos apresenta de duas ormas distintas: primeiro uma reunião social, depois a solidão do escritor. Na esta com que se inicia o

livro, encontramos o narrador, nos seus 26 anos e na sua viuvez espiritual,

No documento Mulheres de Papel (páginas 143-185)

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