Capítulo IV
A virgindAde
A virgindAdedA AlmAdA AlmA
Lucíola, quarto romance de Alencar, publicado em 1862, seis anos depois de sua estréia e cinco depois do retumbante sucesso de O Guarani, tem características tais que diere, radicalmente, de seus ante- cessores: a começar pelo tema — a vida de uma cortesã —, no mínimo pesado, para as expectativas da época, povoada de sinhazinhas e moças puras, aspirando a um casamento e namorando sem pensar em contacto corporal algum...
O jovem Alencar, nessa época com 33 anos, encasacado em uma mentalidade conservadora — já era deputado desde os 30! — age com uma habilidade de diplomata, para enrentar tal desao, sem macular seu perl de autor recomendável para as moças de amília.
A primeira providência que toma é não assinar o livro: ele aparece tendo como autor G.M. Que saberemos, depois, ser uma senhora já entrada em anos e acima de qualquer suspeita.
Desculpe, se alguma vez a zer corar sob os seus cabelos bran- cos, pura e santa coroa de uma virtude que eu respeito. O rubor vexa em ace de um homem; mas em ace do papel, muda e impassível teste- munha, ele deve ser para aquelas que já imolaram à velhice os últimos desejos, uma como que essência de gozos extintos, ou extremo perume que deixam nos espinhos a desolha das rosas. (ALENCAR, 1977a :
p. 3-4)
Essa autora, cujos cabelos brancos são a garantia de uma virtu- de indiscutível — espécie de virgindade recuperada —, pode alar, sem suspeitas, sobre um tema escabroso. Mas a manobra não é tão simples! Em verdade, o complexo processo é descrito em detalhes por Alencar, na nota introdutória do livro:
AO AUTOR
Reuni as suas cartas e z um livro.
Eis o destino que lhes dou; quanto ao título não me oi diícil achar. O nome da moça, cujo perl o senhor desenhou com tanto esmero, lembrou-me o nome de um inseto.
Lucíola é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?
Deixe que raivem os moralistas.
A sua história não tem pretensões a vestal. É musa cristã: vai tri- lhando o pó com os olhos no céu. Podem as urzes do caminho dilacerar-lhe a roupagem: veste-a a virtude.
Demais, se o livro cair nas mãos de alguma das poucas mulheres que lêem neste país, ela verá estátuas e quadros de mitologia, a que não alta nem o véu da graça, nem a olha de gueira, símbolos do pudor no Olimpo e no Paraíso terrestre.
Novembro de 1861.
G.M.(ALENCAR, 1977a : p. 2) Nela, a senhora que assina a autoria dirige-se ao autor, o que poderia parecer de uma redundância limítroe à idiotia. Mas, ao contrário, é aí que se inicia um jogo extremamente bem urdido. Tudo se passa como se o autor osse Paulo, a personagem encarregada de narrar a estória, que teria eito chegar o enredo a G.M., na orma de cartas. De posse de tal material — já que o livro é uma narrativa que não assume a orma epis- tolar — ela teria construído o romance. Nesse jogo de corta-luz, adivinhe quem, misteriosamente, desaparece? O autor verdadeiro que, pelo menos até a 3ª edição, aparecida em 1872, dez anos depois, não havia ainda assumido publicamente tal autoria. Ele mesmo o armaria, com todas as letras, num texto de 1873, que, entretanto, só viu a luz em 1893, dezesseis anos depois de sua morte:
Em 1862 escrevi Lucíola, que editei por minha conta e com o maior sigilo. Talvez não me animasse a esse cometimento, se a venda da segunda e terceira edição ao Sr. Garnier, não me alentasse a conança, provendo-me de recursos para os gastos da impressão.
O aparecimento de meu novo livro ez-se com a etiqueta, ainda hoje em voga, dos anúncios e remessas de exemplares à redação dos jornais. Entretanto toda a imprensa diária resumiu-se nesta notícia de um laconismo esmagador, publicada pelo Correio Mercantil: “Saiu à luz um
livro intitulado Lucíola”. Uma olha de caricaturas trouxe algumas linhas pondo ao romance tachas de rancesia.
Há de ter ouvido algures, que eu sou um mimoso do público, cortejado pela imprensa, cercado de uma voga de avor, vivendo da alsa e ridícula idolatria a um nome ocial. Aí tem as provas cabais; e por elas avalie dessa nova conspiração do despeito que veio substituir a antiga conspiração do silêncio e da indierença. Apesar do desdém da crítica de barrete, Lucíola conquistou seu pú- blico, e não somente ez caminho como ganhou popularidade. Em um ano esgotou-se a primeira edição de mil exemplares, e o Sr. Garnier comprou- -me a segunda, propondo-me tomar em iguais condições outro perl de mulher, que eu então gizava.(ALENCAR, 1977e : p. LXXXV- LXXXVI) As conclusões a tirar daí são múltiplas e contraditórias. Primeiro, ele arma haver publicado o livro por sua conta própria e no maior sigilo. Em seguida, lamenta-se pelo desinteresse da crítica e vê nela uma cons- piração do silêncio e da indierença contra ele. Das duas uma, ou o sigilo era do tipo az-de-conta e todos sabiam quem era o verdadeiro autor, ou então Alencar estaria exigindo da crítica e do público um reconhecimento via estilo literário...
É importante lembrar que, em 1873, quando escreveu esta pe- quena autobiograa, em todos os sentidos exemplar, havia apenas três anos que renunciara ao Ministério da Justiça, quando o Imperador se negara a nomeá-lo senador, apesar de haver sido eleito em primeiro lugar na lista sêxtupla, para duas vagas pela Província do Ceará. E não deixou apenas o ministério: deixou a política, amargurado, mesmo que continuasse deputado até o m do mandato. Desenganou-se com a política e com os homens. Passou a assinar o pseudônimo Sênio, nas crônicas que publica a partir de então, numa auto-reerência, no mínimo, desamorosa.
Um certo vezo persecutório que tresanda desse tex- to encontra uma explicação, ainda que não uma justicativa, nos atos reeridos. E parece que Alencar perde a mão, nessa passagem! O que há de importantíssimo, ele talvez não tenha percebido: é que Lucíola, obra anônima, ganha o avor e o carinho do público leitor, por conta própria e sem apoiar-se em um nome já amplamente consagrado. O ato de a primeira edição, de mil exemplares, ter sido vendida em um ano, como ele mesmo nos inorma, é um sintoma de enorme popularidade. Hallewel, alando de Machado de Assis, nos inorma:
Não que essa ligação tenha sido desvantajosa para qualquer dos dois: sua primeira maniestação, Chrysalidas (1864), vendeu 800 exem- plares em um ano e todos os trabalhos posteriores de Machado de Assis tiveram edições de mil ou mais exemplares: boas marcas se comparadas com as tiragens citadas por Werdet para os romances ranceses, que eram de apa 500 xpa, o o oa dua Kok apa 500 xpa, o o oa dua Kok ,
apenas uma década antes. [grios meus](HALLEWEL, 1985, p. 142) E isto que ele nos ala do público rancês! Que, via de regra, não pode ser usado como elemento de comparação rente ao nosso, sem transormar tal comparação em explícita covardia...
Retornando ao problema anterior, Alencar queixa-se do silên- cio da crítica, queixa-se da imprensa, mas incensa seu público. Há aí o cruzamento de dois discursos: o político e o amoroso. A sua relação com o público é um caso de amor, quase à primeira vista. Seu segundo livro explode nos corações e sensibilidades do nosso século XIX, quando ainda contava com apenas 28 anos. Já sua relação com a imprensa sempre oi o seu tanto tumultuada...
Ora, se ele mesmo assume haver publicado a obra em sigilo; se usa, não de um pseudônimo, mas de uma pseudo-inicial G.M. para assiná-la; se az essa santa senhora escolher, para narrador e pretenso autor das cartas em que se basearia o livro, a personagem Paulo; se az tudo isso, estava querendo, realmente, ser identicado como o autor de obra tão comprometedora? Será sua zanga, a posteriori, assim tão verdadeira? Não parece, pois, na nota introdutória de Diva — publicado com as mesmas pseudo-iniciais G.M., dois anos depois, em 1864, e um ano depois de haver-se esgotado a primeira edição de Lucíola, — é ele quem diz:
A G.M.
Envio-lhe outro perl de mulher, tirado ao vivo, como o primeiro. Deste a senhora pode sem escrúpulo permitir a leitura à sua neta.
...
O manuscrito é o que lhe envio agora, um retrato ao natural, a que a senhora dará, como ao outro, a graciosa moldura.
P. (ALENCAR, 1977c: p. 102-103)
Mantém o jogo e o amplia: agora quem envia o manuscrito é um certo PP.., sem dúvida alguma Paulo, o narrador de Lucíola, que reere na nota à sua vida posterior à história do primeiro livro! Uma personagem extrapola os limites do romance, em que vivia e atuava, e salta para o mundo da literatura do século XIX brasileiro. O que é realmente extraordi- nário e, mais ainda, que a crítica não tenha pilhado, até aqui, tal estripulia do Conselheiro Alencar. Com esse pequeno movimento no tabuleiro dos discursos, ele az Paulo assumir existência real — como personagem não mais de um romance ou de uma série deles, mas como personagem da vida literária de então. Que orma mais habilidosa de esconder-se e, ao mesmo tempo, dar verossimilhança realista aos seus enredos!
de Lucíola, que assim se inicia:
A senhora estranhou, na última vez que estivemos juntos, a minha excessiva indulgência pelas criaturas inelizes, que escandalizam a socie- dade com a ostentação do seu luxo e extravagâncias.
Quis responder-lhe imediatamente, tanto é o apreço em que tenho o tato sutil e esquisito da mulher superior para julgar uma questão de sen- timento. Não o z, porque vi sentada no soá, do outro lado do salão, sua neta, gentil menina de 16 anos, for cândida e suave, que mal desabrocha à sombra materna. Embora não pudesse ouvir-nos, a minha história seria uma proanação na atmosera que ela puricava com os perumes de sua inocência; e — quem sabe? — talvez por ignota repercussão o melindre de seu pudor se arruasse unicamente com os palpites de emoções que iam acordar em minha alma. (ALENCAR, 1977a : p. 3)
Sabe Alencar do teor explosivo de sua narrativa, na sociedade na qual e para a qual escrevia. Além de escolher para autor do livro uma senhora, avó e insuspeita, assume que a própria atmosera das paixões, com que irá operar, é absolutamente inadequada para jovens e “gentis meninas”. Que a simples exalação de tais lembranças amorosas poderiam “arruar melindres”. E, para amenizar tais eeitos retardados, ele toma as precauções de praxe e algumas mais. Se lembrarmos, acacianamente, que a nota introdutória de Lucíola antecede ao texto da narrativa e já contém um julgamento da personagem, estaremos exagerando? Por certo que não! É a insuspeita G.M., do alto de sua respeitabilidade, quem arma — relembremos — antes do livro:
Lucíola é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?
Deixe que raivem os moralistas.
A sua história não tem pretensões a vestal. É musa cristã: vai tri- lhando o pó com os olhos no céu. Podem as urzes do caminho dilacerar-lhe a roupagem: veste-a a virtude.
Demais, se o livro cair nas mãos de alguma das poucas mulheres que lêem neste país, ela verá estátuas e quadros de mitologia, a que não alta nem o véu da graça, nem a olha de gueira, símbolos do pudor no Olimpo e no Paraíso terrestre.(ALENCAR, 1977a: p. 2)
As imagens, relativas a Lúcia, empregadas nesse discurso, são sempre dicotômicas: luz viva / charcos; abismo da perdição / pureza d’alma; nudez do corpo / virtude vestida; nudez artística / olhas de gueira. Por mais cortesã que osse, havia nela um lado cristão e puro. E, ao nal e antes que comece a narrativa, transorma-se em musa cristã, vestida de virtude, onde não altam sequer os símbolos do pudor...
Se o livro, antes de lido, já recebeu a absolvição e as bênçãos de G.M. — acima de qualquer suspeita, repitamos —, quem ousará condená-lo? O nosso Alencar sabia em que meio se movia e ali estava completamente à vontade.
Mais que isso, há outra aceta a ser analisada, ainda nestas atias iniciais. De um lado, nosso autor cria metáoras de uma certa acilidade literária, ao considerar que a orma romance seria apenas uma moldura, já que G.M. tomaria os atos reais enviados por Paulo e, ao produzir os livros, nada mais estaria azendo do que colocar-lhes uma simples mol- dura. Aceitá-lo, sem discutir, seria desconhecer as artimanhas narrativas de Alencar. É ele mesmo quem nos diz:
O romance, como eu agora o admirava, poema da vida real, me aparecia na altura dessas criações sublimes, que a Providência só concede aos semideuses do pensamento; e que os simples mortais não podem ousar, pois arriscam-se a derreter-lhes o sol, como a Ícaro, as penas de cisne grudadas com cera. (ALENCAR, 1977e: p. LXIII)
Outro disarce e outra armadilha, para a leitura ingênua. Alencar está, desse modo, construindo uma verossimilhança ambígua, em que sua autoria se rearme, sem que ele, como gura pública, comprometa- -se mais do que o conveniente. Este o sentido desse jogo de espelhos tão bem armado, que chega a lembrar as construções de Woody Allen em A rosa púrpura do Cairo. É a ruptura das ronteiras entre cção e realidade, seja lá o que signiquem estes dois conceitos prenhes da mais elaborada ambigüidade.
E tem ele plena consciência do mister a que se propõe:
Receei também que a palavra viva, rápida e impressionável não pudesse, como a pena calma e refetida, perscrutar os mistérios que dese- java desvendar-lhe, sem romper alguns os da tênue gaza com que a na educação envolve certas idéias, como envolve a moda em rendas e tecidos diáanos os mais sedutores encantos da mulher. Vê-se tudo; mas urta-se aos olhos a indecente nudez.
Calando-me naquela ocasião, prometi dar-lhe a razão que a senhora exigia; e cumpro o meu propósito mais cedo do que pensava. Trouxe no desejo de agradar-lhe a inspiração; e achei voltando a insônia de recorda- ções que despertara a nossa conversa. Escrevi as páginas que lhe envio, às quais a senhora dará um título e o destino que merecerem. É um perl de mulher apenas esboçado. (ALENCAR, 1977a : p. 3)
A clareza que tem na distinção entre a língua alada e a língua escrita, remete a questões que só oram discutidas cienticamente bem depois dele, ainda que tal consciência não osse um privilégio de Alencar: era patrimônio dos bons escritores, na tradição ocidental. Mas, o que im-
porta é que ele, no momento da escrita de Lucíola, assume que o risco de azer alar a emoção só poderia ser contrabalançado pela “pena calma e refetida”. Emoções, sim; mas ltradas pelo azer literário e pelos limites da retórica vigente que, como “a na educação envolve certas idéias”, traça limites entre o dizível e o não-dizível.
Vê-se que Alencar sabia navegar, com mestria, entre os esco- lhos retóricos da expectativa social que o cercava. Longe dele, apesar de algumas “aoutezas”, romper com os padrões vigentes. Seu problema era outro, como se poderá ver adiante.
Por outro lado, ao término da narrativa, pode-se ler o seguinte: Terminei ontem este manuscrito, que lhe envio ainda úmido de minhas lágrimas.
Relendo-o, admirei como tivera a coragem de alguma vez, no correr desta história, deixar a minha pena rir e brincar, quando o meu coração estava ainda cheio da saudade, que sepultou-se nele para sempre.
...
Há seis anos que ela me deixou; mas eu recebi a sua alma, que me acompanhará eternamente.
...
Estas páginas oram escritas unicamente para a senhora. Vazei nelas toda a minha alma para lhe transmitir um perume de mulher subli- me, que passou na minha vida como sonho ugace. (ALENCAR, 1977a : p. 96-97)
É a conrmação de duas hipóteses. A primeira delas é a da so- brevivência de Paulo ao enredo de sua história; a segunda, a da verdadeira autoria da narrativa. Em nenhum momento, que não seja no pórtico do livro, assinado por G.M., se vê qualquer reerência às cartas que Paulo teria escrito e às quais a insuspeita senhora teria dado um tratamento narrativo e literário. Por outro lado, seria extremamente contraditório que um narrador tão apaixonado por sua personagem e pela trajetória que a az descrever, pudesse ser outro que não ele. E, além do mais, como caberiam nas mãos de G.M. as eróticas e apaixonadas descrições de cenas nada edicantes, para a moral da época?
Tais traços da construção desta narrativa estão apenas a conrmar o jogo de cena construído por Alencar, para esquivar-se da responsabilidade da autoria de uma estória que poderia gerar melindres comprometedores para sua carreira de escritor. E este é um novo ângulo, a partir do qual se pode ler a rustração do autor com o silêncio da crítica. Só poderia ser porque ele, no íntimo, assumia o jogo de corta-luz como um mero expediente de que não esperava uma ecácia tal que o eclipsasse no rmamento da literatura nacional. Ciúmes de pai rente à independência
dos lhos...
Se atentarmos para a sua arquitetura narrativa, poderemos ob- servar alguns dados interessantes.
O primeiro deles diz respeito à construção do tempo: enquanto o narrador situa-se — se tomamos como reerência a data de publicação — em 1862, ele constrói um enredo que se desenvolve a partir de 1855,data que aparece explícita no início do Capítulo II, na verdade o primeiro
que trata da estória propriamente dita:
A primeira vez que vim ao Rio de Janeiro oi em 1855. (ALEN- CAR, 1977a: p. 4)
Assim, medeia entre os atos narrados e o processo de narração um intervalo de seis anos, o que nos é conrmado pelo narrador quando diz que “há seis anos que ela me deixou”. Como se trata de uma cção, o que o autor pretende com isto é criar, pelo distanciamento entre o narrador e a história narrada, uma ltragem dos atos pelo desbaste que o tempo se encarrega de azer nas emoções vividas. É a tal da pena “calma e refetida” do escritor de que nos alava no primeiro capítulo, cujo interesse maior reside no tipo de verossimilhança que é capaz de gerar. Nega-se, assim, uma proposta romântica, em que as emoções vividas e vívidas devem ga- nhar a página branca com a orça do imediatismo, à luz do que se chamava de inspiração. A ltragem, pelo decantar dos atos ao longo do tempo, é recurso de uma narrativa mais tendente à refexão do que à inspiração.
Este distanciamento gera dois planos distintos na construção da obra. O do tempo em que se situa o Paulo-narrador e aquele em que habita o Paulo-personagem. Este vive a sua ventura/desventura com a idade de 20 anos, no viço de sua juventude; aquele narra os atos seis anos depois, quando conta com 26 — para a época, idade de plena maturidade.
O mundo em que se movimenta o narrador constitui um espaço social, com suas leis e seu uncionamento, ao mesmo tempo que o mundo das personagens narradas congura, também, de orma relativamente inde- pendente, um simulacro de vida social, sujeita às suas leis e restrições. O que pode ocorrer é que esses dois mundos não coincidam necessariamente.
No caso presente, o mundo de Paulo-narrador está desenhado, de orma direta, na Nota Introdutória, no Capítulo I e no epílogo (sem título), com que se encerra a narrativa, e, de orma esparsa e indireta, em inúmeras passagens em que o narrador, sem romper os limites entre os dois mundos, interere emitindo opiniões, juízos de valor e comentários a respeito tanto das personagens, quanto da sua virtual leitora G.M. O es- paço da narração se nos apresenta de duas ormas distintas: primeiro uma reunião social, depois a solidão do escritor. Na esta com que se inicia o
livro, encontramos o narrador, nos seus 26 anos e na sua viuvez espiritual,