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A visão impressionista: fundamentos filosófico-estéticos

4. Introdução ao estudo do Impressionismo: Origens, a inspiração realista-naturalista

4.1. A visão impressionista: fundamentos filosófico-estéticos

Segundo Hauser, podemos inferir que a arte impressionista, do ponto de vista temático e conseqüentemente formal, traz substratos filosóficos que lhe são essenciais. Um deles revela a filosofia de Heráclito de Éfeso (cerca de 540-470 a . C.), segundo a qual os fenômenos nunca são os mesmos, já que a realidade é vista como resultado de uma metamorfose. O método impressionista, como captação do momento, do fragmentário, do subjetivo, decorre dessa teoria.

Dessa forma,

O domínio do momento sobre a permanência e a continuidade, a sensação de que cada fenômeno é uma constelação fugaz e jamais repetida, uma onda que desliza no rio do tempo, o rio em que ‘não se pode entrar duas vezes’, é a mais simples fórmula a que o impressionismo pode ser reduzido. Todo o método do impressionismo, com seus expedientes e ardis, inclina-se, sobretudo, a dar expressão a essa perspectiva heraclitiana e a sublinhar que a realidade não é um ser mas um devir, não uma condição mas um processo. (HAUSER,1995, p. 897).

O artista impressionista cria, então, personagens, episódios, estados de alma em seu resvalar contínuo, pois considera a vida como mudança constante. Uma mesma paisagem é diferente em horas diferentes do dia, como mostram as famosas séries da “Catedral de Rouen”, de Claude Monet. O que o impressionista procura captar, graças a uma exposição instantânea, é a essência do momento, interpretado pelo estado de alma do artista.

Para representar esse dinamismo da vida, os impressionistas optaram por uma solução estilística denominada pontilhismo. Trata-se de um procedimento pictórico, através do qual os pintores reproduziam seus motivos com pequenas e rápidas pinceladas.

Tal procedimento foi também empregado pelos prosadores impressionistas, ora por meio de um estilo telegráfico, substantivo, econômico, veloz, assindético,

como ocorre em Adelino Magalhães, ora por meio de um estilo pródigo, adjetivo, sindético, como ocorre em Marcel Proust ou em Lúcio Cardoso, conforme pesquisa de Vitor Hugo Martins (2003).

Danilo Lobo (1999), ao estudar características impressionistas presentes na poesia do poeta português Cesário Verde, fornece elementos que ajudam a esclarecer o uso dessa técnica:

Esse tipo de adjetivação foi equacionado ao uso das cores primárias, combinadas com o emprego da técnica da mistura óptica, do que vai resultar uma espécie de pontilhismo literário, isto é: um nome (um motivo) definido (pintado) por dois adjetivos (duas tintas) que, a princípio, não se harmonizam (se mesclam). Como no caso do observador, o leitor, ao deparar-se, em um dos versos de ‘Nós’, por exemplo, com ‘uma tênue e imaculada rosa’, cria uma ligação semântica entre os dois adjetivos, em rigor, inexistente. A ‘tenuidade’ da flor parece tornar-se ‘imaculada’, assim como, reciprocamente, a sua ‘imaculabilidade’ parece tornar-se ‘tênue’. Os dois adjetivos se atraem e se misturam, na mente do leitor, dando origem a um significado complexo, para o qual, com freqüência, não dispõe a língua de um significado adequado. (LÔBO, 1999, p.173).

A influência da filosofia na arte impressionista não se esgota nessas instâncias. É possível, pois, depreender dela outra corrente filosófica, a de Henri Bergson. É fundamental a sua noção de tempo, o elemento vital da arte impressionista. Essa nova concepção temporal perpassa a pintura e, sobretudo, ganha expressão no romance de Proust, nos heróis nostálgicos de Tchékhov, nos momentos iluminadores das personagens de Henry James. O presente é visto como o resultado do passado, portanto é necessário recordar, reviver, ressuscitar o passado perdido. Esse tema será recorrente na obra de prosadores impressionistas, como mostram os exemplos que serão dados na seqüência deste trabalho.

Como acentua Hauser (1995, p.955),

O tempo deixou de ser o princípio de dissolução e destruição, não é mais o elemento no qual idéias e ideais perdem o valor, a vida e o

espírito a substância; é, antes, a forma pela qual obtemos a posse e adquirimos consciência de nossa vida espiritual, de nossa natureza viva, que é a antítese da matéria morta e da mecânica rígida [...] O tempo que passou não nos torna mais pobres; é esse tempo que enche nossas vidas de conteúdo [...] Não existe outra felicidade senão a da recordação e do renascimento, da ressuscitação e da conquista do tempo que passou e se perdeu; pois, como disse Proust, os verdadeiros paraísos são os paraísos perdidos.

Vitor Hugo F. Martins aponta outro elemento da filosofia de Bergson considerado essencial para a arte impressionista. Trata-se do intuicionismo, para o qual a intuição é mais importante do que o conceito, já que esse nega aos homens a relação imediata com os objetos.

Dessa forma, o escritor impressionista refere-se freqüentemente à intuição sensível, ao império dos sentidos, quer por meio de recordações físicas - olfato, visão, paladar, audição, tato -, quer por meio da intuição psicológica.

É através dos sentidos que ocorre o registro das impressões, emoções e sentimentos despertados na alma do artista. O enredo e a narrativa tornam-se menos importantes que estados de alma. O que importa é a relação interna evocada na mente do artista e não a relação causal exterior entre indivíduos e acontecimentos. Desse modo, a sensação suplanta a razão, “em vez das coisas, as sensações das coisas”. (COUTINHO, 1959, p.242).

Em virtude disso, ao escritor impressionista não interessa seguir os padrões convencionais da técnica da narrativa. Portanto, o enredo é distorcido, subordinado ao estado da alma, privilegiando a análise psicológica em detrimento da narrativa centralizada nas peripécias exteriores.

Tal procedimento relaciona-se ao romance psicológico de tipo moderno, de estrutura não-linear, e cria uma técnica própria de narração, em que o deleite das sensações e emoções criadas tem mais destaque que os acontecimentos, “os elementos literários cedem o lugar aos aspectos pictóricos. As massas quebram-se em detalhes. Daí certa impressão de vago, difuso, sem começo nem fim”. (COUTINHO, 1959, p.242).

Além dessas características, há outros traços preferenciais de estilo, figuras e sintaxe que, em conjunto, caracterizam o Impressionismo literário. Tais elementos foram estudados por Amado Alonso e Raimundo Lida, segundo os quais não há uma linguagem impressionista, pois “a primeira impressão, para se tornar expressão, terá de ser forçosamente ‘corrigida’ pelo saber intelectual. (MARTINS, 2003, p. 71)8.

Segundo esses estudiosos, há, porém, uma linguagem usada pelos escritores impressionistas, exprimindo um conteúdo impressionista. Assim, pode haver o abandono da estrutura regular da frase, da ordem lógica, das ligações conjuntivas; a ordem inversa da frase; a eliminação da conjunção; o uso do modo imperfeito; o uso largo da metáfora e do símile; linguagem expressiva, colorida e sonora; linguagem da fantasia e imaginação.

Vitor Hugo Martins ainda aponta figuras próprias da linguagem literária impressionista, que procura apreender a primeira impressão, como a metonímia, a sinédoque, o anacoluto e a hipálage.

Outro estudioso a elencar características impressionistas de ordem lingüística é Danilo Lôbo. Segundo ele, o uso de expressões nominais, sobretudo de vocábulos abstratos, para traduzir a indeterminação fenomenista, é uma característica basilar do estilo impressionista. Outros elementos elencados são o uso abusivo de adjetivos, que comporá uma imagem oscilante, sem contorno definido; a multiplicação de sinônimos, que possibilita ao escritor apresentar a mesma imagem mais de uma vez, assim prendendo e dirigindo a atenção do leitor; emprego de advérbios terminados em –mente, para dar conta da maneira como se percebe a realidade circundante.

O conjunto de qualidades formais dessa tendência ficou identificado pela expressão écriture artiste. Essa expressão é comumente relacionada aos escritores

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Discorrendo sobre o argumento dos referidos autores acerca dessa questão, Vitor Hugo Martins(2003. p. 72) comenta: “Dificilmente poderemos refutar a argumentação desses estudiosos espanhóis, sobretudo se levarmos em consideração o seu critério, lingüístico-psicológico. No entanto, se o critério for outro, filosófico-literário, a linguagem impressionista nada terá de contradiction in terminis, como querem Amado Alonso e Raimundo Lida. A im-pressão artística do real, então, semelharia à infantil; a diferença estaria em que esta é inconsciente, aquela, consciente. É claro que temos em mente aí, de uma lado, o artista como um homem neurológica e emocionalmente são; de outro, a criança na fase pré-escolar”.

impressionistas, sobretudo aos pioneiros irmãos siameses Jules (1830-1870) e Edmond (1822-96) de Goncourt, por isso pede maiores esclarecimentos.

Os Goncourt escreviam com esmero científico, acerca dos ambientes e costumes a serem evocados em seus livros. Esse objetivo sugere índole francamente naturalista (embora não de tese). No entanto, a técnica narrativa desses primeiros impressionistas também se diferenciava da fórmula naturalista.

Sendo assim, Edmond e Jules se concentravam na pintura refinada das impressões subjetivas, dos estados de alma das personagens, “ao passo que Zola, cujo pincel era mais grosso, inventariava de preferência o universo exterior, o mundo das ações e dos objetos, e não os meandros da consciência”. (MERQUIOR, 1996, p. 204).

Essa escrita artística pressupõe uma linguagem exuberante, em virtude do som, do sentido, da forma e da posição dos signos lingüísticos. Por ser uma expressão relacionada a características formais, o que importa é o modo pelo qual o artista escolhe, de forma consciente ou não, por essa solução literária e dá ênfase à descrição.

O descritivismo - normalmente derivado da contemplação, da reflexão, da consciência e da memória voluntária e/ou involuntária - muitas vezes se superpõe à narração, prevalecendo sobre ela. Sendo assim, para representar a ‘realidade’, suspende-se o ritmo narrativo e a reflexão dissertativa. O resultado disso pode ser uma narrativa lírica.

Sobre a importância dada à descrição pelos impressionistas, diz Victor Hugo Martins (2003, p. 37-9):

Os impressionistas, por sua vez, ainda considerando a observação e à análise, atém-se às variações a que se sujeitam as coisas e os homens no tempo (sobretudo) e no espaço. Apresentam-se, assim, as variações ou as verdades [...] O Impressionismo não absolutiza; ao contrário, procura interpretar a realidade, relativizando-a, descrevendo-a a partir de todos os seus ângulos possíveis, caleidoscopicamente, razão pela qual a arte impressionista(pictórica, literária, musical, etc) tem como uma de suas características mais evidentes a fragmentação, o divisionismo, ou dito com mais precisão no que toca ao Impressionismo pictórico, o pontilhismo. Pelas partes aspira-se a chegar-se ao todo [...] A descrição, que, de acordo com

Reis e Lopes(1988,p.24), estabelece conexões entre o agente da descrição, o “descritor”, e o produto final, com todas as sugestões temático-ideológico-estilísticas cabíveis para cada caso, serve bem à análise, pois fragmenta o objeto em que se detém, no afã de absorver-lhe a amplitude. No que se refere à descrição impressionista, caracteriza-a o aspecto eminentemente visual, plástico, sensorial, que escapa à romântica, à realista e mesmo à naturalista.

O fascínio pela palavra por parte dos impressionistas aproxima-se do esteticismo que implica o esforço de fazer da vida uma obra de arte, algo inútil, dedicado à beleza pura, à contemplação passiva, arte pela arte. Para os esteticistas, os problemas, as decepções, os desapontamentos e as frustrações humanas são apenas compensados pela arte:

Isso, no entanto, significa não só que a vida parece mais bela e mais conciliatória quando envolta em arte mas que, como pensava Proust – o último grande impressionista e hedonista estético -, só adquire realidade significativa na lembrança, na visão e experiência estética. Vivemos nossa experiência com superlativa intensidade não quando deparamos com homens e coisas na realidade – “o tempo” e o presente dessas experiências são sempre “perdidos”- mas quando “recuperamos o tempo”, quando deixamos de ser atores para ser espectadores de nossa vida, quando criamos ou nos deleitamos com obras de arte, por outras palavras, quando recordamos. (HAUSER, 1995, p. 910).

Paralelo ao esteticismo surgiu o decadentismo, um complexo de sentimentos como desgosto, tédio, repulsa pelo mundo do real, da matéria, desejo por um mundo ideal e fictício, que se configura como uma atitude de reação contra a sociedade burguesa. O decadentismo influenciou o aparecimento da boemia, que encarnava a reação antiburguesa, e do exotismo, procura de novos mundos novos para onde se pudesse fugir. Escritores como Baudelaire, Verlaine, Gautierr, Nerval, Wilde e Rimbaud são alguns dos expoentes dessa época. Esses decadentes, ao contrário daqueles de outras épocas, encontravam orgulho nessa situação de abismo em que pensavam viver.

Dessa maneira,

O quadro da literatura na passagem do século mostra o Impressionismo como herdeiro e continuador do Realismo. O Simbolismo, prolongamento do Romantismo, e em que invadiu o decadentismo. O Parnasianismo, expressão do Realismo-Naturalismo na poesia. Vale acentuar que o Realismo não desapareceu, ao contrário, foi o movimento que modelou a literatura contemporânea, o moderno espírito literário, penetrando no século XX, através do Impressionismo, do Expressionismo, e, em certos paises, do Regionalismo. Será difícil muitas vezes separar ou identificar em certas expressões literárias da época as formas impressionistas, expressionistas e simbolistas, tantos são os elementos em que se misturam e confundem. (COUTINHO, 1959, p.245).