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ABAIXO O ESTADO NOVO FASCISTA! FORA DE SANTOS O MINISTRO FASCISTA!

Subterrâneos da Liberdade

ABAIXO O ESTADO NOVO FASCISTA! FORA DE SANTOS O MINISTRO FASCISTA!

VIVA A SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES!

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A narrativa explica que o clima de conflito em Santos era permanente por esses tempos. Havia policial a paisana pelas ruas e os trabalhadores da estiva em expectativa de que a qualquer momento algum confronto direto pudesse ocorrer e isso não tardou. Certo dia, o chefe de polícia, Barros, foi até a estiva falar com os grevistas e salientar que o ministro do trabalho estava em Santos para negociar com os trabalhadores o fim daquela greve e propor alguma negociação.

Barros queria que os estivadores formassem uma comissão de greve para conversarem com o ministro Gabriel Vasconcellos, mas eles alegaram que a comissão de greve já estava formada e era constituída por trabalhadores que estavam presos e que a conversa só poderia se realizar com esses trabalhadores em liberdade. Então, pediam a soltura dos mesmos ou manteriam a greve. Essa era a condição para dialogarem com o ministro, mas na verdade uma estratégia para exigirem a liberdade dos trabalhadores militantes que eram lideranças no

184 AMADO, Jorge. Agonia da noite. In: _______. Os Subterrâneos da Liberdade. 40. ed. Rio de Janeiro: Record, 1986. v. 2. p, 54.(Na obra literária o panfleto aparece nesse formato).

sindicato de trabalhadores da estiva. Os organizadores do movimento comunista juntamente com o PCB instigavam os trabalhadores da estiva a defenderem esses homens fisicamente e moralmente. Barros não aceitou essa proposta e se irritou ao ouvi-la.

Mais tarde, os trabalhadores da estiva organizaram uma reunião com o grupo de célula para discutirem essas questões e falarem sobre tudo que estava acontecendo. Grupos de policiais investigadores ficaram nas redondezas acompanhando toda a movimentação e em um momento mais fervoroso de discussão entre os trabalhadores e os policiais no local, começaram as agressões violentas. Tiros foram disparados e os trabalhadores avançaram em direção a uma caixa cheia de facões que estava no porto. Então, todos se armaram com facas contra as armas dos policiais. Os tiros continuaram, um trabalhador foi ferido e morreu em seguida: era Bartolomeu, um estivador do cais.

O corpo de Bartolomeu foi levado pela polícia e mais tarde os seus familiares foram até a delegacia reivindicar pelo corpo do falecido e um enterro digno. O delegado Barros os recebeu com ironia, afirmando que comunistas não eram cristãos e, portanto, não precisavam de enterro digno. Toda essa movimentação era informada aos políticos e comerciantes ligados a ordem nacional. A obra traz isso a todo momento, apresentando as articulações do banqueiro Costa Vale e de industriais de São Paulo. Eles, os detentores financeiros mais importantes no Brasil, segundo a narrativa ficcional, tentavam controlar a movimentação comunista. A greve em Santos se desenrolava e pessoas de vários setores políticos e econômicos se articulavam para acabar com o movimento. O embate da luta de classes é trazido por essas imagens de poderes e reivindicação a todo instante da narrativa.

Então, o tempo literário passa e somente depois de muitas horas o corpo do estivador assassinado é entregue à família que chora desesperada pelo parente morto. Um clima de revolta cresce entre os trabalhadores e um enterro com gritos e protestos é preparado para o estivador Bartolomeu.

Para os comunistas ele morreu como herói na luta de classes e então, um cortejo fúnebre tornou-se um espetáculo na cidade e sobre o caixão puseram a bandeira do sindicato. A polícia tentou abafar esse movimento, pois não queriam que o enterro de um trabalhador tomasse a imagem de vitória. E um policial à cavalo, que fazia a patrulha no local, foi para cima do caixão retirar a bandeira que estava posta e uma nova confusão se iniciou: a negra Inácia agarrou a bandeira do policial e ele avançou sobre ela. Inácia caiu no chão e foi pisoteada pelo cavalo que conduzia o policial. Ela estava grávida e agora, também, gravemente ferida.

Doroteu ficou enlouquecido ao ver Inácia naquele estado. Logo, levaram-na para um hospital, mas Inácia veio a óbito. Doroteu perdia ali o grande amor de sua vida, a mulher para quem ele tantas vezes tocou gaita, com quem fez tantos planos para a vida em comum.

Assim, a narrativa apresenta duas mortes trágicas acontecidas em Santos nesse período, com todas as imagens de luta de classes típicas do movimento comunista que o autor ressaltou na obra.

Vejamos brevemente, mais um pouco da narrativa de Os Subterrâneos da Liberdade e da relação afetiva entre os personagens negro Doroteu e a negra Inácia (antes de sua morte), e também sobre Santos naquele momento e imagens positivas do sonho de revolução que pretendiam:

Riem os dois, o negro Doroteu e a sua negra Inácia. Ela vai apertada, contra ele, se o cais não estivesse guardado por soldados eles poderiam ir ver nascer a manhã azulada sobre o mar. Por mais de uma vez assim o fizeram e viram a luz rompendo as difusas sombras do fim da noite, a luta do dia contra as trevas. Doroteu lhe dizia então que igual era a revolução. Luz rompendo as trevas da noite, trazendo para os homens o calor do dia. E nessa hora do amanhecer ele tocava em sua gaita de boca uma saudação ao novo dia, música de notas triunfais.

- Tu tem contigo a tua gaita?

O negro Doroteu traz sempre consigo a sua gaita.

- Toca aquela música que tu sabe, aquela que tu só tocava na hora da manhã se levantar.

- Aquela? Não pode ser, Nácia, a polícia anda pela rua e aquela música, tu sabe, é a música da nossa luta, é a música de todos os trabalhadores. Se eu tocasse ela, logo a polícia aparecia e levava a gente. Aquela música se chama, Nácia, A

Internacional. Outro dia eu te toco ela, quando a gente ganhar essa greve e o cais for

outra vez da gente.

- Toca outra, então.

O negro Doroteu tirou do bolso sua gaita de boca, cobriu-a com suas enormes mãos ossudas, a música celestial nasceu no canto pobre da rua, era suave melodia, canto de ninar crianças, ela nascia do peito do negro Doroteu, do seu amor sem fim pela sua negra Inácia, pelo seu filho em gestação ainda, pelos meninos todos do mundo, pelos homens todos, que a todos ele amava, à exceção de uns quantos, dos odiosos, da polícia, dos agentes do Ministério, dos homens do governo, dos patrões das Docas. Música para Inácia, para o filho que ela conduzia no seu ventre, música também para Bartolomeu, para o seu definitivo sono.

(...)

Boatos amedrontadores circulavam pelas ruas de Santos. Levando os comerciantes mais tímidos a cerrar as portas dos seus estabelecimentos. Muitas pessoas, a caminho dos seus empregos, viram os secretas da polícia apreendendo, nas bancas de venda de jornais, os exemplares de um quotidiano local que publicava, como matéria paga, um convite do Sindicato da Estiva aos seus membros, a todos os trabalhadores da cidade e à população em geral, para o enterro do estivador assassinado. Apesar do convite ser redigido numa linguagem absolutamente formal, os demais jornais haviam prudentemente recusado sua, publicação, temendo dificuldades posteriores com a censura. Por volta de dez horas da manhã, ônibus especiais começaram a chegar de São Paulo, transportando soldados da Polícia Militar e investigadores. Prisões eram efetuadas na rua, a qualquer propósito. A guarda do porto fora reforçada, automóveis da polícia passavam em grande velocidade e se comentava, aos cochichos, afirmações dos tiras, lançadas, nos botequins, de que “muito sangue correria naquele dia”. Nas escolas, na hora do almoço, as professoras recomendavam às crianças que fossem diretamente às suas casas, evitando demorar-se nas ruas. Os transeutes se assombravam de ver nos

muros dos bairros operários e mesmo do centro inscrições negras, pichadas na véspera apesar de toda vigilância policial. 185