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Segundo Market, 2007, “um bioindicador é um organismo (ou parte de um organismo ou uma comunidade de organismos) que contém informações sobre a qualidade do meio ambiente (ou parte do meio ambiente). Um biomonitor, por outro lado, é um organismo (ou parte de um organismo ou uma

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comunidade de organismos) que contém informações sobre o conteúdo quantitativo aspectos da qualidade do meio ambiente.”

As abelhas são insetos sociais muito organizados que são capazes de percorrer grandes distâncias no entorno da colmeia à procura de néctar, pólen e exudatos de plantas. O mel comumente encontrado nas colmeias é formado por néctar de plantas, secreção de plantas ou excreção de insetos sugadores de plantas que são coletados, desidratados e transformados em mel pelas abelhas (Codex Alimentarius FAO/OMS, 2001; European Directive 2001/110/CE, 2002). O pólen consiste por grãos microscópicos oriundo da parte masculina da planta que é coletado nas flores pelas abelhas é transportado para dentro da colmeia. O pólen apícola encontrado dentro da colmeia é o resultado da aglutinação do pólen das flores, coletado pelas abelhas operárias. Após coletado, o pólen transportado para a colmeia pelas abelhas, em suas patas traseiras, precisamente nas corbículas, é descarregado pelas abelhas nos alvéolos dos favos ou potes onde é comprimido pela cabeça das abelhas operárias até a obtenção de massa compacta. Essa massa sofre transformações, por ação de micro-organismos e de enzimas advindas de secreções mandibulares das abelhas. Ao término das transformações, o pólen apícola armazenado é denominado em alguns trabalhos como “pão de abelhas”. O pólen para consumo humano normalmente é coletado na entrada dos ninhos (Free, 1967; Donadieu, 1979). Evidências da exploração de colmeias pelo ser humano são descritas desde o tempo pré-histórico com pinturas em rochas mesolíticas na África, Índia e Espanha e em ilustrações no Egito datadas de 2400 a 600 A.C. (Crane, 1983).

O mel é uma substância açucarada natural produzida pelas abelhas a partir do néctar das flores ou de secreções de partes vivas de plantas ou de excreções de insetos sugadores encontrados sobre as partes vivas das plantas. As abelhas transformam e combinam estes materiais coletados com substâncias específicas próprias, na sequencia armazenam nos favos de mel para amadurecer. O sabor e o aroma variam, mas geralmente derivam da origem vegetal (Codex Alimentarius, 1990). As abelhas enquanto voam sobre flores coletam o pólen que adere aos pelos das patas e do corpo. Na colmeia, o pólen é removido do corpo através da língua e a mandíbula das abelhas. O pólen é importante fonte de proteínas, substâncias gordurosas, minerais e vitaminas para as abelhas, essencial ao crescimento das larvas, abelhas jovens e adultas (Bibi et al., 2008).

As abelhas, a partir da colmeia, voam sobre a área circundante e casualmente entram em contato com plantas, água, ar e solo, permitindo que as partículas em suspensão sejam depositadas nos pelos de seu corpo (Celli & Maccagnani, 2003, Porrini et al., 2003), ou inaladas e impregnadas em seu aparelho respiratório (Rissato et al., 2006) todo esse material coletado é levados ao interior da colmeia (Celli & Maccagnani, 2003, Pohl, 2009; Porrini et al., 2003). De modo geral, a colmeia é um sistema estável de amostragem, sendo que os produtos podem indicar fontes antrópicas e geogênicas em um período no

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ambiente (Raeymaekers, 2006). O hectograma da abelha, apresentado na Figura 2.4, demonstra o especial instrumento de coleta de alimento da colmeia.

Um dos primeiros estudos utilizando abelhas como bioindicador foi realizado em 1938 por Svoboda & Peterka (1938) em uma região industrial da antiga Tchecoslováquia. Neste estudo os autores reportaram bioacumulação de arsênio nas abelhas e nos anos seguintes estudos foram realizados em abelhas avaliando a bioacumulação de elementos traço entre outros (Svoboda, 1962). Atualmente o mel (Raeymaekers, 2006; García et al., 2006; Celli & Maccagnani, 2003; Fernández-Torres et al., 2005), e o pólen (Conti & Botrè, 2001; Magalhães, 2010) são considerados bioindicadores versáteis e eficientes, e têm sido usados para monitorar elementos traço em áreas urbanas (Enrich et al., 2007; Raeymaekers, 2006; García et al., 2006), poluição em minas de urânio (Iskander, 1996), e no monitoramento de pesticidas e herbicidas (García et al., 2006; Conti & Botrè, 2001), e de resíduos poluentes industriais (García et al., 2006). O mel e o pólen utilizados nesses estudos são oriundos da espécie Apis mellifera, altamente difundida em todo mundo. Na Tabela 2.1 estão apresentadas algumas das principais literaturas consultadas.

As abelhas são insetos sensíveis à perturbação do ambiente, tanto que nas últimas décadas há um crescente interesse e preocupação global relacionada com a saúde das abelhas. Nos EUA e na Europa, principalmente, tem-se observado significativo desaparecimento de colônias inteiras de abelhas do gênero

Apis (Pires et al., 2016). Essa misteriosa síndrome, chamada de “Colony Collapse Disorder” (CCD), com causa ainda desconhecida, pode ser relacionada a múltiplos fatores (Van der Zee et al., 2012; United States Department of Agriculture (USDA), 2016). Esses casos de CCD têm motivado a sociedade a monitorar e estudar melhor as abelhas e seus produtos. O efeito direto do desaparecimento das abelhas é o decréscimo na atividade de polinização nas plantas, a qual compromete a produção de alimentos no mundo (Van der Zee et al., 2012; Di Marco, 2016). Atualmente no Brasil existem apenas dois estudos de casos de desaparecimento de Apis mellifera que se assemelham com casos de CCD, esses estudos no país são incipientes, sendo inexistentes pesquisas neste sentido com abelhas sem ferrão (Pires et al., 2016).

No Brasil, os estudos iniciais utilizando mel e pólen como bioindicador ambiental também utilizaram produtos de Apis mellifera. Batista et al. (2012) coletaram e analisaram 54 amostras de mel de

Apis oriundas de vários estados do Brasil, correlacionaram os resultados com a origem geográfica, aplicaram a ferramenta de data mining. Os resultados desse trabalho demonstraram a possível correlação do mel com os locais de coleta. No estado de Minas Gerais, Magalhães (2010) avaliou os produtos apícolas (mel e pólen) como bioindicadores de poluição ambiental em quatro regiões antropizadas. Os valores determinados pelo autor no mel e pólen dos elementos químicos no mel coletado estiveram abaixo dos considerados tóxicos pela legislação vigente, mas o pólen coletado dentro das colmeias apresentou

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valores acima dos estabelecidos pela legislação vigente para mel. Neste mesmo estudo foram realizadas análises dos tipos polínicos. Magalhães (2010) concluiu que o pólen foi melhor indicador de poluição ambiental do que o mel.

Os meliponíneos ou abelhas sem ferrão (ASFs) fazem parte da subfamília Meliponinae, família Apidae que se divide nas tribos Meliponini e Trigonini (Nogueira Neto, 1997). Os meliponíneos são abelhas nativas que possuem o ferrão atrofiado e sua a criação é denominada de meliponicultura (Nogueira Neto, 1997). Na América Latina, existem aproximadamente 300 espécies de ASFs, a maioria delas produtoras de méis de grande aceitação principalmente nas regiões produtoras (Carvalho et al., 2005). No Brasil as ASFs, chamadas também de abelhas indígenas sem ferrão ou abelhas silvestres do Brasil, compõem mais de 180 espécies (Fabichak, 2000). A variabilidade alta entre os méis de diferentes meliponíneos evidencia a necessidade de padrões individuais para os produtos dessas abelhas (Anacleto et

al., 2009). Dentre as ASFs a jataí (Tetragonisca angustula) caracteriza-se como uma espécie de ampla distribuição geográfica, presente em vários países, ocorre naturalmente em 16 estados brasileiros inclusive em áreas urbanas (Nogueira Neto, 1997).

A abelha jataí caracteriza-se como uma espécie de ampla distribuição geográfica, facilmente adaptadas às áreas de mata e fazem seus ninhos nos ocos de troncos de árvores, fenda de pedras, buracos no solo ou pendurados em galhos de árvores, encontradas inclusive em áreas urbanas (Fabichak, 2000). As ASFs também se adaptam em caixas racionais que imitam o seu hábitat original. (Carvalho et al., 2005; Fabichak, 2000). Dentro da colmeia a função da abelha rainha é de depositar os ovos para aumentar o numero de indivíduos. O ninho ou colmeia construído pela jataí é praticamente em forma de disco, o ninho é separado com cera e resina (batume), que está presente na parte superior e inferior do núcleo (Fabichak, 2000). As abelhas (obreiras) da colmeia dos meliponídeos vivem em média de 30 a 40 dias, quando a coleta de pólen e néctar é intensa (Fabichak, 2000). É interessante observar que as abelhas jataí, por ocasião do inverno, ou até mesmo com tempo nublado, não costumam sair para forragear com a mesma frequência de quando o tempo está ensolarado e pode ser observada uma diferença na produção de mel em relação ao clima.

As abelhas nativas sem ferrão são responsáveis pela polinização de diversas espécies de plantas (Imperatriz-Fonseca et al., 2006) do ecossistema e da agricultura (Rundlöf et al., 2015), especialmente espécies nativas (Barth et al., 2013). Os meliponíneos contribuem diretamente para a preservação da biodiversidade (Sawaya et al., 2006), e podem ser responsáveis por 30% a 90% das polinizações da flora nativa dependendo do ecossistema (Kerr, 1997). Além disso, as abelhas sem ferrão possuem alta variabilidade genética devido à menor pressão de seleção (artificial), sendo consideradas mais resistentes às doenças e parasitas de abelhas (Sawaya et al., 2006). A presença de abelhas nativas próximo aos locais

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com casos de desaparecimento de abelhas Apis pode exercer um efeito compensador quanto ao serviço de polinização nas lavouras (Imperatriz-Fonseca et al., 2006).

Figura 2.4 - Representação da difusão de substâncias poluentes no ambiente (modificado: Rissato et al.,

2006).

Dentre as abelhas nativas, a jataí poliniza também plantas não frequentadas pela Apis (Carvalho et

al., 2005), e devido ao seu tamanho (3,75 a 4,00 mm), três vezes menor que a Apis (12 mm) (Fabichak, 2000) acessam flores de menor tamanho. Contudo, estudos recentes no Brasil apontam para o declínio no número das colmeias das espécies de abelhas nativas, inclusive jataí, que tem como causa principal ações antrópicas, como a supressão da área de mata (Imperatriz-Fonseca et al., 2006), a prática da monocultura que desencadeia processos de desnutrição nas abelhas (Pires et al., 2016) e o uso de agrotóxicos e produtos químicos (Kerr, 1997). Segundo Rundlöf et al. (2015) o declínio global das abelhas selvagens pode estar sendo subestimado, sendo que os resultados dos estudos obtidos com colônias apícolas não podem ser sempre extrapolados para as abelhas selvagens. Esses dados evidenciam a importância dos estudos relacionados às abelhas nativas e seu habitat; o teor nutricional e qualidade e composição química dos seus produtos.

O mel das abelhas nativas no Brasil pode ser uma ótima alternativa nos estudos de bioindicador ambiental. Essas espécies de abelhas nativas possuem o ferrão atrofiado, e mediante a necessidade de instalação das colmeias para o monitoramento ambiental, a continuidade dos trabalhos no local estudado não é prejudicada, assim como, a segurança das pessoas e animais é garantida.

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Tabela 2.1 - Literatura consultada dos elementos químicos normalmente estudados nos produtos apícolas e suas concentrações. Elementos Referências Fernández-Torres et al., 2005 Mel µg.g−1 García et al., 2006 Mel Tuzen et al., 2007 μg.kg−1 Raeymaekers, 2006 Mel μg.kg−1 Pisani et al. 2008 Mel Chua et al., 2012 Mel Acácia μg.g−1 Lambert et al., 2012 Mel/Abelhas/Pólen μg.g−1 Chudzinska et al., 2012 Mel µg.g−1 Batista et al., 2012 Al 315±17 <0,5-8,4 2,46±0,37 0,23-7,4 μg.g As 6,98±2,71 μg.kg−1 B 2,65-8,12 5-18 5,91±1,10 Ba <0,11-0,52 0,1-0,36 906±404 μg.kg−1 0,12±0,02 Br Bi <0,002 Ca 269,3-54,0 91±31 μg.g−1 39-113 257±56 µg.g−1 48,22±3,81 Cd 2,5±1,0 ng.g−1 11.2±0,9 0,001-0,66 3,91±3,33 μg.kg−1 0,017±0,004 1,7-485 ng.g Co <0,01 11,0±11,5 μg.kg−1 Cr 12±5,6 ng.g−1- 26,3±1,4 <0,05 3,84±0,61 Cs 0,011±0,002 Cu <0,53-2,11 0,8±0,4 µg.g−1 2,41±0,10 0,04-1,0 906±1272 μg.kg−1 0,046±0,007 1,02±0,07 0,01-0,7 µg.g−1 F <0,1-6,4 Fe 2,0±2,0 µg.g−1 7,4±0,5 0,3-2,8 3,07±2,57 µg.g−1 14,25±3,45 0,5-14,1 µg.g−1 In 0,040±0,013 K 434,1-1920 1,4±0,6mg.g−1 100-1400 1195±1087 µg.g−1 1277,1±123,11 820±64 Li 8,1±6,6µg.g−1 Mg 13,26-74,38 103±69 µg.g−1 12-120 56,7±36,2 µg.g−1 14,11±5,76 28,45±1,37 12,4-360 µg.g−1 Mn 0,13-9,31 7,8±4,2 µg.g−1 1,10±0,10 0,03-6,2 1,54±3,29 µg.g−1 0,46±0,15 7,12±0,59 0,08-18,8 µg.g−1

22 Continuação... Elementos Referências Fernández-Torres et al., 2005 Mel μg.g−1 García et al., 2006 Mel Tuzen et al., 2007 μg.kg−1 Raeymaekers, 2006 Mel μg.kg−1 Pisani et al. 2008 Mel Chua et al., 2012 Mel Acácia μg.g−1 Lambert et al., 2012 Mel/Abelhas/Pólen μg.g−1 Chudzinska et al., 2012 Mel μg.g−1 Batista et al., 2012 Na 28,44-218,5 93±29 µg.g−1 23-58 96,6±30,3 µg.g−1 528,77±60,99 35,43±4,50 Ni 54±36 ng.g−1 0,01-0,66 0,13±0,02 P 51,17-154,3 11-180 8-486 µg.g−1 Pb 15±7,5 ng.g−1 30,6±2,1 <0,005-0,03 76,0±52,7 μg.kg−1 0,047±0,057 0,228±0,217 0,240±0,20 0,27±0,03 1,2-31,4 ng.g−1 Rb 1,94±0,65 Se 62±5 Sb 3,76±2,49 μg.kg−1 Si 1,2-19 Sr 1,46-0,26 1,43±0.23 µg.g−1 0,15±0,057 Ti <0,01 Th 0,70±0,62 μg.kg−1 U 9,66±1,68 μg.kg−1 0,039±0,013 V <0,01 Zn 1,33-7,83 2,2±1,1 µg.g−1 2,8±0,1 0,2-1,7 1,82±0,74 µg.g−1 2,35±0,42 9,67±1,30 0,01-7,1 µg.g−1

Contribuições às Ciências da Terra, Série D, Vol. 76, No 352, 138p., 2017

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Tabela 2.2– Literatura consultada das metodologias utilizadas na determinação de elementos químicos

em produtos apícolas no mundo.

Referências Locais estudados/ Produto avaliado Metodologias utilizadas

Conti & Botrè,

2001 Roma – Itália;

Abelhas, mel, própolis, cera e pólen

6-8 g de mel (duplicadas)- destruída totalmente a matéria orgânica das amostras, calcinadas 450oC/10oC. As cinzas digeridas em 1 mL HNO

3

concentrado T = 40oC.

Transferência das amostras de mel calcinadas para balões volumétricos 20 mL, com água deionizada. As amostras de pólen, própolis, cera e abelhas foram digeridas em forno de micro-ondas. Leituras em espectroscopia de absorção atômica.

Enrich et al.,

2007 Centro oeste da Argentina; Mel

1,0 g de mel (5 repetições) + 3 ml de HNO3 + 1 ml H2O2 - As soluções

foram mineralizados em micro-ondas. Diluídas após digestão em 5 ml de água Milli-Q.

Uma alíquota da solução foi depositada sobre uma superfície de quartzo e a leitura feita em espectrômetro de raios-x.

Raeymaekers,

2006 Alemanha; Mel

Incineração de 10 g de mel em cadinho de platina, 450oC. As cinzas+ 30

cm3 de HNO

3 65%. Na determinação do Hg, 150 mg de mel+10 cm3 de

HNO3 = micro-ondas

Leitura em ICP-OES e o mercúrio foi determinado por AAS de vapor frio e os traços de Cd e Pb foram determinados por AAS em forno de grafite Tuzen et al.,

2007 Turquia Mel

3 diferentes métodos de digestão – Micro-ondas 1,0 g mel (65%) + 3 mL HNO3 + 1 ml H2O2 (30%). Digestão em forno micro-ondas e diluição com

5 mL de água deionizada.

Foram determinados por AAS em forno de grafite. Fernández-

Torres et al., 2005

Espanha; Mel

1,0 g de mel + 10 ml de HNO3 concentrado, em PTFE abertos e

aquecimento até quase seco. Este procedimento foi repetido com 15 ml de uma mistura (HNO3/HClO4) 2:1 até completa mineralização. Transferidas

para balão volumétrico (25 mL) com água milli-Q. Leitura em ICP-OES. García et al.,

2006 Galícia da Espanha; – noroeste Mel

2,0 g de mel calcinadas (550°C), as cinzas obtidas foram dissolvidas em HCl 1 M e transferidas para balão volumétrico (10 mL) com água milli- Q.

Leitura em espectrômetro de absorção atômica. Pisani et al.,

2008

Siena – Itália Mel

1,0 g de mel + 4 ml de HNO3 + 1 ml H2O2 - digestão em Micro-ondas

Leitura em ICP-OES e Q-ICP-MS Chua et al.,

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