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Abertura política e fortalecimento dos movimentos sociais: 1985

CAPÍTULO I – ASPECTOS DO POVOAMENTO E DA LUTA PELA TERRA EM

1.3 Abertura política e fortalecimento dos movimentos sociais: 1985

A redemocratização do Brasil se deu em 1985, mas foi no ano anterior que os movimentos sociais se mostraram fortalecidos ao colocar nas ruas a campanha pelo fim da ditadura. Para Souza (1992), as ações do período foram fortes aliadas dos trabalhadores rurais, que também puderam levar suas propostas ao público. Ao mesmo tempo em que se pregava a democracia por meio da campanha das “Diretas Já”, os sem-terra se organizavam para pôr em prática suas propostas democráticas.

A reforma agrária era uma das condições fundamentais para a democracia do país. Os trabalhadores rurais queriam terra para plantar, mas não apenas isso: queriam também democracia, liberdade, saúde, educação etc. (SOUZA, 1992, p. 30). A concretização daquela luta, em Mato Grosso do Sul, se iniciou em Ivinhema.

Naquele município a ocupação da gleba Santa Idalina representou o marco divisório na história da questão fundiária do Estado e mostrou, para a população urbana e para a classe política e rural, a capacidade de organização dos trabalhadores rurais. A ação se deu em 29 de abril de 1984, envolvendo trabalhadores de 11 municípios da região e

brasiguaios9. Segundo Fabrini (1996), aquele ato tornou-se destaque em âmbito estadual, através da imprensa, e colocou em pauta os conflitos e as contradições existentes com a distribuição desigual de terras, sufocados durante o período da ditadura militar. Para Souza (1992), a ocupação tornou pública a existência de dois grupos: um que ainda vivia da renda da terra ou a utilizava como reserva para futuras especulações e outro que queria explorar a sua produtividade ou dar a ela um caráter social.

Os trabalhadores buscavam soluções ante a violência tanto do latifúndio como da falta de políticas públicas para solucionar a questão agrária. Para isso, procuraram ampliar suas ações e integrá-las na luta nacional: em 1984, surgiu o MST, durante o 1º Encontro dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Cascavel (PR).

O surgimento de um movimento nacional buscava traçar os rumos da luta daquele grupo para além do âmbito da Igreja. A separação da atuação da CPT e MST no Estado se deu em 1986, com a vinda de um dos membros da direção nacional do MST, Darci Domingos Zehn e sua esposa, para liderar a ocupação de terra na Fazenda Itasul, no município de Itaquiraí. A partir disso, as duas entidades foram se distanciando e desenvolvendo suas próprias ações de luta pela terra.

Também foi a partir dessa separação que as ações mais “radicais” dos sem-terra se intensificaram – como ocupações de propriedades rurais ou prédios de órgãos do governo. O MST iniciou, também o seu trabalho de formação de lideranças, cursos, encontros e congressos. Até o ano 2000, o movimento estava presente em 23 Estados, envolvendo mais de 1,5 milhão de pessoas.

Mas a Igreja se posicionava contra as ações “políticas” do movimento, como as ocupações, argumentando que, daquela forma, a violência aumentava. O discurso da instituição era de que houvesse entendimento entre os grupos envolvidos na luta pela terra. O Bispo de Dourados, inclusive, publicou uma nota no jornal O Progresso, em maio de 1984, esclarecendo que a Igreja não participou do episódio de Ivinhema, mas que estava “à disposição dos ‘sem-terra’ depois dos mesmos terem ocupado a área em questão, precisando de ajuda para mão morrerem de fome” (OP, 19 e 20 mar. 1984).

Nacionalmente, ainda em 1984, o governo iniciava os debates em torno do 1º Plano

9 Brasiguaios são trabalhadores rurais brasileiros que procuraram o espaço agrícola do Paraguai, nas décadas

de 1960 e 1970, devido às políticas nacionais que os excluíram de suas atividades, em seu país. Na década de 1980, em razão do insucesso e das perseguições sofridas pelo fato de serem estrangeiros, esses trabalhadores retornaram ao Brasil e voltaram a vivenciar uma situação de marginalização social.

Nacional de Reforma Agrária – PNRA, a partir do qual estudava a distribuição de terra para assentar, em cinco anos, 1,4 milhão de famílias em 43 milhões de hectares (MENEGAT, 2003, p. 21). Segundo Souza (1992), a questão agrária estava na pauta de discussões de diversos países:

[...] havia uma verdadeira movimentação internacional para se por fim aos regimes ditatoriais que nos anos 60 se espalharam pela América Latina. Essa pressão por uma democratização do Continente trouxe a preocupação dos setores latifundistas latino-americanos com um possível avanço de propostas revolucionárias, que significasse o atendimento da enorme parcela de trabalhadores rurais sem terra. Tal atendimento envolveria necessariamente uma nova política de ocupação racional do solo rural (SOUZA, 1992, p. 59)10.

Como forma de barrar as discussões de propostas de reforma agrária no Brasil e contra o crescimento das organizações populares no campo, as forças ruralistas reagiram e organizaram a sua categoria, criando, em 1986, a União Democrática Ruralista - UDR, “instituição que (...) agiria a favor do latifúndio e contra os sem-terra e suas organizações” (SOUZA, 1992, p. 50). Investindo em propaganda própria, em pouco tempo conquistou a simpatia dos fazendeiros e expandiu-se por todo o território nacional. Sua luta se deu, principalmente, para eleger representantes para a Constituinte de 1987 e derrubar as propostas populares de acesso à terra. Um dos resultados da articulação da UDR é que as ações de reforma agrária do governo para o período de 1985 a 1989 ficaram bem abaixo da meta inicial: 89.950 famílias foram assentadas em 4,5 milhões de hectares (BRASIL, 1997, p. 18).

Em Mato Grosso do Sul, a UDR iniciou sua organização a partir de Dourados e teve como pano de fundo a ocupação da gleba Santa Idalina, acontecimento que foi o ponto de partida para as futuras ações organizadas dos sem-terra, no Estado. Para Souza (1992), é provável que a formação estadual da UDR também tenha sido desencadeada pelos grandes proprietários de terras revoltados com a escassez de subsídios que tanto estimularam a atividade agrícola, no regime militar.

A preocupação dos grandes proprietários rurais com as “propostas revolucionárias”, como Souza (1992) colocou anteriormente, é percebido na nota oficial da direção da UDR de Mato Grosso do Sul, publicada no jornal O Progresso na edição dos dias 26 e 27 de julho, quando a entidade apontava partidos, sindicatos e até mesmo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil como idealizadores das ações de ocupações de terra, com vistas a

10 Novamente as idéias “revolucionárias” associadas ao comunismo preocupavam os setores conservadores

da sociedade.

provocar uma “revolução” e conquistar o poder:

É indiscutivelmente inteligente o processo político desencadeado no Brasil pela CNBB, com apoio maciço do PT, PDT de Brizola, da CUT, dos setores de extrema esquerda enquistados no PMDB e dos vários partidos comunistas do Brasil. Todos, sem exceção, almejam a tomada do poder. Querem as rédeas do Estados, em suas mãos, para impor cada qual a seu modo, a revolução alicerçada na doutrina marxista, que hoje serve de trato de união entre eles (OP, 26 e 27 jul. 1986).

Souza (1992) afirma que a pressão da UDR sobre o governo logo se notou através da prática deste último com relação à questão fundiária, acionando a polícia para acabar com os conflitos nas áreas de ocupação. O MST acusava a UDR de disseminar o terror no campo, com segurança armada em diversos Estados onde atuava. Já a UDR acusava o MST de invadir propriedades, afrontar a lei, estimular a violência e levar a insegurança para o campo. Foi um período de intenso enfrentamento entre os trabalhadores rurais e os latifundiários.

Em Mato Grosso do Sul, com várias regiões de terras férteis, os trabalhadores rurais questionavam o potencial de riqueza e prosperidade revertido principalmente à especulação por meio da criação de gado de corte, alegando que o uso da terra era improdutivo e não cumpria sua função social. De fato, a área destinada à pastagem apresentava crescimento constante, em detrimento à destinada à agricultura. De acordo com o IBGE, de 1985 a 1995, a área de floresta aberta para cultivo foi de 2,5 milhões de hectares, mas a destinada à agricultura reduziu 519.259 hectares, enquanto a de pastagem cresceu 3,6 milhões.

Isso também representou a continuação do processo de extinção de pequenas propriedades em favor do crescimento da média e da grande. Entre 1985 a 1995, o Censo Agropecuário também mostra que houve uma redução de 20% da mão-de-obra empregada nas atividades agrícolas, passando de 253 mil para 203 mil, resultado tanto da diminuição da área de plantio como da mecanização da agricultura. O fato é que esses dados colaboram para aumentar, ainda mais, o número de trabalhadores em busca de solução em projetos de reforma agrária, em movimentos organizados, como o MST.

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