• Nenhum resultado encontrado

Abordagem comparativa das especificidades dos três casos de

CONCLUSÃO: A IGREJA MODERNA EM ANGOLA COMO POTENCIADOR SOCIAL E URBANO

5.2. Abordagem comparativa das especificidades dos três casos de

estudo

Pretendemos agora estabelecer comparações entre os casos de estudo, percebendo as suas semelhanças e desigualdades, assim como a sua importância no percurso arquitetónico de cada autor, uma vez que, como já referimos, tratam-se de igrejas resultantes de diferentes apropriações, provenientes de arquitetos com diferentes percursos em distintas alturas, decorrendo em diferentes experiências e domínios no âmbito da arquitetura para os trópicos. Neste subcapítulo ambicionamos também verificar os aspetos em comum ou as alterações visíveis tanto ao nível espacial, como social, com as igrejas portuguesas pós - MRAR, atrás referenciadas.

Fig. 146 e 147 Igreja da Sagrada Família (1964).

Fig. 148 e 149 Igreja de Nossa Senhora de Fátima (1949-57).

Começamos com a análise da Igreja da Sagrada Família (1964), de António Sousa Mendes, membro integrante do grupo de arquitetos que compunha o GUU (1951-1958), juntamente com Sabino Correia. Sabemos que neste período de atuação do Gabinete, persistia o desejo de produzir uma arquitetura homogénea, com o objetivo de criar uma imagem arquitetónica característica, contudo, já eram valorizadas as adaptações ao território africano e às suas necessidades. Por esta razão, consideramos que esta é a igreja visualmente mais semelhante àquelas que se construíam na metrópole. Como estudamos atrás, a ideia inicial do Gabinete seria fazer um prolongamento daquilo que se produzia em Portugal para as colónias.

Desta forma, podemos afirmar que se aproxima da Igreja de Nossa Senhora de Fátima (1949-57), localizada em Águas de Nuno Teotónio Pereira e da Igreja de Santo António (1953-56), em Moscavide de João de Almeida e António de Freitas Leal, atrás referidas. Assim, as semelhanças encontradas dizem respeito à presença da estrutura no interior do edifício, bastante marcada (Fig. 147, 149 e 151); à própria volumetria da fachada principal, definida por essa estrutura marcada, encimada por um corpo avançado, lembrando-nos o desenho dos templos gregos antigos - coluna, entablamento e frontão (Fig. 146, 148 e 150); às naves laterais com um pé direito mais baixo, de forma a serem criadas entradas de luz para a nave principal (Fig. 147, 149 e 151); à torre, que se destaca como um elemento solto do restante edifício e, por fim, à própria implantação. Todas estas igrejas afastam-se também da rua, desenhando espaços públicos de respiração que fazem a transição entre o exterior e interior. Relativamente às adaptações climáticas, esta primeira igreja reúne um conjunto de elementos característicos desta nova realidade. As aberturas que permitem a ventilação do edifício localizam-se superiormente na nave principal, devido ao pé direito mais baixo das naves laterais, ocasionando uma ventilação por efeito chaminé, possível com a construção de aberturas em diferentes níveis, gerando um fluxo de ar ascendente e retirando, assim, o ar quente do interior do edifício. Estas aberturas surgem como grelhas, elemento peculiar neste tipo de construção. Ainda relativamente à ventilação, ao efeito chaminé agregamos também a ventilação cruzada, uma vez que foram projetadas aberturas em fachadas opostas do edifício, viabilizando a entrada de ar

Fig. 152 Habitações para Operários do Centro Social de Sussundega

(1962).

fresco por um lado e saída do ar quente pelo lado oposto.

Outra das preocupações visíveis corresponde ao tamanho dos vãos. Aqui, apesar de os encontrarmos em grande parte do edifício, fazem-se com dimensões bastante ponderadas e reguladas em forma de vitral, refletindo as suas vigorosas cores no interior. Sentimos que o vitral é um elemento deveras adequado às realidades africanas.

No nosso ponto de vista, associamos o continente africano a cores quentes, fortes e

alegres, que representam o espírito da população, a qual apesar de carente, goza de uma energia e felicidade contagiantes. Como sabemos, este elemento decorativo atingiu o seu apogeu no período gótico, contribuindo para a caracterização da edificação mais emblemática daquela época, as catedrais, inicialmente associado a representações históricas e religiosas. No entanto, nestas igrejas o vitral adquiriu uma dimensão abstrata e meramente decorativa, porém afirmando sempre a sua presença, algo que no período moderno em Portugal não é tão comum e pronunciado, traduzindo-se de forma voluntária ou involuntária numa ligação com o passado. Das igrejas atrás referidas, em Portugal, a única que faz uso do vitral é a Igreja de Santo António (1953- 56) em Moscavide, ainda que de forma bastante contida, localizado na capela lateral, da autoria do pintor José Escada (Cunha, 2014b, p. 117).

Relativamente à obra produzida pelo arquiteto António de Sousa Mendes, pouco conhecemos, tanto em Portugal como em Angola. Destacamos apenas o projeto das Habitações para Operários do Centro Social de Sussundega (1962) em Moçambique, realizado juntamente com o arquiteto Júlio Naya, autor de um dos casos de estudo investigados nesta dissertação (Fig. 152). Por não se tratar de um edifício religioso, e por

se destinar a um público diferente61, será incerto estabelecer comparações relativamente

à obra deste arquiteto. O mesmo acontece também com o outro arquiteto responsável pelo projeto da Igreja da Sagrada Família, Sabino Correia, também ele autor do Liceu Nacional Paulo Dias de Novais (1969-1972) em Luanda (Fig. 153).

61 As Habitações para Operários do Centro Social de Sussundega, eram destinadas à população indígena, e por essa mesma razão foram empregues materiais mais económicos, resultando numa imagem arquitetónica de grande simplicidade formal.

Fig. 154 Mercado Municipal do Lobito (1958). Fig. 156 Cine Esplanada Flamingo (1963).

Francisco Castro Rodrigues, o arquiteto responsável pela segunda igreja analisada, a Sé Catedral do Sumbe, fez parte do GUC, no seu primeiro período de atuação (1944- 1951), onde as noções ao nível da climatologia eram mínimas, e era pretendido que se criasse um modelo ideal com técnicas ainda bastante pitorescas. No entanto aquando da construção desta igreja, Castro Rodrigues já não pertencia ao GUC, e a sua construção nada se relaciona com aquilo que se produzia nos primeiros anos do Gabinete. Este arquiteto optava por uma arquitetura coerente com o lugar e com as circunstâncias que

dele advinham, pautada por brise-soleil nas fachadas, por palas sobre as aberturas e pelo

uso de galerias pronunciadas.

Após a sua passagem pelo GUC, Francisco Castro Rodrigues, chega ao Lobito em 1954 a pedido do presidente da Camâra Municipal que desejava transformar a sua cidade numa “nova Casablanca”, iniciando a sua fase arquitetónica mais criativa (Milheiro, 2009a). Assim, a produção deste arquiteto em Angola é abundante e diversificada, principalmente depois da sua passagem pelo GUC, incluíndo programas públicos: Mercado Municipal do Lobito (1958) (Fig. 154), a Aerogare do Lobito (1964) (Fig. 155) e a Cine Esplanada Flamingo (1963) (Fig. 156); religiosos: a Igreja Evangélica do Bairro Caponte (1957); e instalações industriais: as instalações da Guedes & Almeida.

Para além desta última igreja enunciada, segundo o livro Francisco Castro Rodrigues. Um

cesto de cerejas. Conversas, memórias, uma vida (Dionísio, 2009), este arquiteto foi também,

responsável por outro equipamento religioso, depois da independência de Angola. Trata-se de uma igreja para uma Missão Católica “nos mangais, nos pântanos da periferia do Lubito” (Dionísio, 2009, p. 397). Esta igreja foi introduzida num bairro degradado, desenvolvido por um processo de entreajuda e autoconstrução por parte dos seus residentes. Deste modo, destinava-se, essencialmente, à população indígena, apresentando uma forma bastante simples e precária (Fig. 135):

“O que eu projetei foi apenas um armazém, só de uma água. A única coisa que se destacava era uma cruzita de ferro da construção civil, muito alta.” (Dionísio, 2009, p. 398).