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2.3 A IMPORTÂNCIA DA INDÚSTRIA PARA A VISÃO HETERODOXA

2.3.1 A abordagem de Karl Marx

Marx (1996) não desenvolveu um estudo sobre a indústria manufatureira como mecanismo participante de um dispositivo formulado normativamente pela ciência econômica. A sua preocupação foi entender como a indústria é capaz de explicar o surgimento, o desenvolvimento e a dissolução do sistema no qual está inserida. Marx concebe a indústria como a estrutura que sintetiza o processo produtivo e reprodutivo do sistema capitalista. Primeiro: ela reúne e promove todas as condições para o surgimento, acumulação e reprodução do capital. Segundo: a indústria consegue concentrar, ao mesmo tempo, todos os alicerces da economia capitalista, e paralelamente, todas as contradições e as disputas de classe inerentes ao sistema (GORENDER, 1996 apud MARX, 1996).

O avanço da industrialização de forma constante é capaz de modificar as relações sociais vigentes, de forma que um grupo social consegue se sobressair aos demais, tornando-se a classe dominante através da concentração de riquezas produzidas em sua generalidade pela elevação da produtividade e do progresso técnico, e extraídas através da mais-valia. O gradativo processo de industrialização é seguido pelo avanço de novas técnicas e pela elevação gradual da produtividade, uma combinação que na visão do mainstream garante o aumento da produtividade e da riqueza de maneira geral, mas,

que, para Marx, representa os fundamentos das crises cíclicas que o capitalismo enfrenta periodicamente.

O aumento da produtividade leva a um processo dual, mas que é sempre prejudicial ao trabalhador. De um lado, o aumento da produtividade reduz o valor do trabalho e isso reduz o poder de consumo do trabalhador; mas, por outro lado, esse processo garante o constante aumento da acumulação do capital (MARX, 1996). Contrapondo-se à perspectiva ortodoxa, o entendimento marxista afiança que, embora a indústria seja capaz de elevar a produtividade da sociedade capitalista, e erguer o padrão de consumo de determinados extratos dos trabalhadores, no longo prazo, a tendência é o aumento das disparidades econômicas, o acirramento das disputas entre as classes, crises sistêmicas e a possibilidade de colapso do sistema.

Marx percebeu que o desenvolvimento de um ramo industrial, mesmo distante de outros setores, tende a criar variações positivas nos outros setores. Basicamente Marx percebeu o poder da indústria de criar encadeamentos, tanto no que se tratava de novas invenções, produtos ou mesmo qualificação do trabalho.

O revolucionamento do modo de produção numa esfera da indústria condiciona seu revolucionamento nas outras. Isso é válido primeiro para os ramos da indústria que estão isolados pela divisão social do trabalho, de forma que cada um deles produz uma mercadoria autônoma, mas que, mesmo assim, se entrelaçam como fases de um processo global. Assim, a mecanização da fiação tornou necessária a mecanização da tecelagem e ambas tornaram necessária a revolução mecânica e química no branqueamento, na estampagem e na tinturaria. Assim, por outro lado, a revolução na fiação do algodão suscitou a invenção do gin para separar a fibra do algodão da semente, com que finalmente se tornou possível a produção de algodão na larga escala agora exigida. (MARX, 1996, p.18)

Notadamente, a indústria enquadra-se na vanguarda do processo de ―revolucionamento‖ da sociedade, metamorfoseando não somente a maneira como a produção ocorre, mas estendendo as suas mutações para a própria sociedade, de maneira tal que mudanças nas relações sociais seriam uma condição necessária à expansão da produção. A ampliação da produção e das técnicas do setor manufatureiro tem implicações não só no próprio setor ―mas também tem uma ação de revolucionar toda a escala social envolvida na produção‖ (MARX, 1996).

O capital industrial é o único capaz de engendrar, ao mesmo tempo, acumulação de riquezas e elevação da produtividade do trabalhador sem necessariamente deprimir as condições de vida da classe trabalhadora; em se tratando do curto prazo é possível até uma relativa elevação. O capital industrial na perspectiva de Marx (1996) é o capital aplicado com a função de abranger todo o processo produtivo de uma economia capitalista (MARX, 1996). O capital industrial é definido então como aquele que abarca as três formas, capital mercadoria, capital monetário e capital produtivo. Sendo assim, o capital industrial não está restrito unicamente ao setor manufatureiro, mas, a qualquer outro setor que produza de forma capitalista.

O constante progresso técnico originado dentro da indústria cria, na visão de Marx (1996), uma série de efeitos paradoxais sobre a classe trabalhadora. A maquinaria, ao mesmo tempo em que eleva a produtividade individual de cada trabalhador, tem como medida de sua própria produtividade, o ―grau em que substitui a força de trabalho humano‖ (MARX, 1996, Livro II, p. 25). As inovações geram impactos diretos na vida da classe proletária, sendo o primeiro deles o prolongamento da jornada de trabalho. Quanto maior o tempo que um equipamento é utilizado para a produção de determinado bem, menor é o custo de utilização que ele agrega, ou seja, menor é o custo de se utilizar aquela máquina. Despendendo menor tempo e agregando um valor menor a cada mercadoria produzida, a maquinaria aumenta a carga de trabalho do proletariado, de forma indireta pelo barateamento das mercadorias, e diretamente pela inversão da lei da mais-valia. Com isso, cria-se a ilusão de que a máquina emprega o trabalhador, e por isso produz a mais valia, quando na verdade a mais-valia é gerada pela massa de trabalhadores empregados e não pelo capital investido em maquinaria.

A segunda forma pela qual a maquinaria impacta sobre a rotina do trabalhador é a intensificação da jornada de trabalho. O aumento incessante da condensação da jornada de trabalho permite que a expropriação de mais-valia seja feita em maiores quantidades e em menos tempo. Por isso, o aumento da produtividade, além de reduzir o valor do trabalho de cada operário, ainda tem o efeito de permitir a dispensa de trabalhadores das fábricas, aumentando o volume do exército industrial de reserva e provocando uma nova rodada de desvalorização do trabalho (MARX, 1996).

Na percepção marxista da economia, a indústria apresenta uma tendência à redução na taxa de lucro geral da economia, tendo em vista que o processo de mecanização torna a dispensa de trabalhadores inevitável. A relação desproporcionalmente crescente entre capital constante (fixo) e capital variável, gerada em função da elevação da produtividade industrial, tende a convergir para uma tendência à redução da taxa de lucro, muito embora inovações geradas dentro da própria indústria possam criar contra tendências a essa mesma queda da taxa geral de lucro.

A taxa de lucro é uma relação entre o lucro (mais-valia) e o capital geral, e este último incorpora o capital variável e o capital constante. Mas, como é sabido, apenas o capital variável, que representa o trabalho vivo, é capaz de gerar lucro: o aumento proporcionalmente mais intenso da maquinaria do que da mão-de-obra na indústria tende a levar a uma queda da taxa do lucro. Então, a queda na taxa de lucro dentro da indústria, na visão marxista seria causada principalmente pela substituição de trabalho vivo por trabalho morto, ou, ao menos em termos relativos, pela dispensa de trabalhadores e pela incorporação de mais máquinas. Todavia, Marx acreditava que o aumento da composição técnica do capital, era exclusivamente deletério para o capital, ou seja, à medida que o progresso técnico elevasse a produtividade do trabalho, a produtividade do capital declinaria. O processo de mecanização descrito por Marx pode aumentar a produtividade do trabalho, ao mesmo tempo em que reduz a taxa de lucro, haja vista que há uma ascendente concentração de capital fixo na produção.

Para Marx (1996) durante a fase ascendente do ciclo econômico, o crescente progresso técnico tende a produzir maquinário poupador de capital e de trabalho, logo a relação produto e trabalho, e produto e capital deve crescer. Concomitantemente, como a produtividade do trabalho e a do capital cresce, o mesmo acontece com a extração de mais valia, que decorre nesta circunstância, também da expansão da taxa de lucro, mesmo que ocorram elevações nos níveis salariais. É possível agora que um setor mais produtivo passe a dispensar trabalhadores para outros setores intensivos em trabalho, sem que haja redução do volume de mais valia extraído.

Nessa perspectiva, quando ocorre a inflexão negativa do ciclo, com a cristalização da queda da taxa de lucro, seria inevitável o deslocamento de atividades industriais, de

capital e maquinário menos produtivos para regiões que dispõem de reservas de trabalhadores desempregados e subempregados, de qualificação inferior e com salários menores. Deste modo, em termos sistêmicos, esse processo busca por novos mercados; de um lado, fornece uma industrialização tardia e baseada em tecnologia obsoleta, e, de outro, se constitui também em uma contra tendência à diminuição da taxa de lucro.

A concepção marxista toma a indústria como elemento motor do capitalismo, ou seja, o setor que carrega praticamente todos os elementos capitalistas fundamentais, tanto no âmbito produtivo quanto no social. Assim, o desenvolvimento industrial coincide com o próprio capitalismo, de maneira que o aumento da produtividade, a redução do custo do trabalho e a queda do preço das mercadorias coincidem com o ápice da acumulação de capital. Por outro lado, a tendência da queda da taxa de lucro e o excesso de capital sem investimentos produtivos também são consequências da acumulação de capital, do aumento das disparidades e da concentração de capital e riquezas.