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S egundo Gamboa, “diferentes concepções de realidade determinam diferentes métodos” (2006, p 16) Assim, se defendemos uma realidade pautada no diálogo, no respeito,

2.1. Abordagem: Método de intervenção

Ao superar a visão exclusivamente positivista da pesquisa científica, como propomos no capítulo anterior, é necessário que reconheçamos que, como afirma Paulo Freire, a Educação não é neutra, e, da mesma forma, a pesquisa em Educação também não o é, ela é dotada de intencionalidade. De acordo com Lüdke e André, “como atividade humana e social, a pesquisa traz consigo, inevitavelmente, a carga de valores, preferências, interesses e princípios que orientam o pesquisador” (1986, p. 3). Assim, não é possível ignorar o fato de que, como um ser humano que vive em determinado momento histórico, os pontos de partida, os fundamentos para explicação e a compreensão do fenômeno estudado passam pela sua visão de mundo, pelos pressupostos que orientam o seu pensamento.

A intencionalidade é o que Paulo Freire usa para caracterizar a dimensão política do fenômeno educativo. Ela diz respeito ao posicionamento político-ideológico, na qual se coloca suas “dimensões epistemológicas e estéticas” (Freitas, 2004, p. 77) e que, portanto, não é neutra. Ou seja, é o posicionamento político-ideológico que orienta a prática educativa, logo a prática educativa é intencional e direcionada, seja qual for a transformação que se espera da realidade. Ainda segundo o autor:

Ao procurar conhecer cientificamente a realidade [...], não devemos submeter nosso procedimento epistemológico à “nossa verdade”, mas buscar conhecer a verdade dos fatos. Isso não quer dizer, contudo, que ao empenhar-nos no conhecimento científico da realidade, devemos assumir em face dela, como dos resultados de nossa investigação, uma atitude neutra [...]. Nossa atitude comprometida – e não neutra – diante da realidade que buscamos conhecer resulta, num primeiro momento, de que o conhecimento é processo que implica na ação – reflexão do homem sobre o mundo (FREIRE, 1976, p. 97).

Dessa forma, escolhemos, para esta pesquisa, o método de intervenção da pesquisa-ação. Muitos autores discutem sobre as delimitações da pesquisa-ação, nem todos entrando em consenso. Como nosso objetivo não é discutir diferentes metodologias, mas sim apresentar a metodologia utilizada, apresentaremos as definições utilizadas por Evandro Ghedin e Maria Amélia Santoro Franco no livro “Questões de método na construção da pesquisa em educação”, e as de Adir Luiz Ferreira, em seu capítulo no livro “Pesquisa em Educação: Múltiplos olhares”.

Partimos do pressuposto de que pesquisa e ação podem e devem caminhar juntas, e devem ter por objetivo não apenas descrever ou compreender determinada realidade social, mas também transformá-la. Isso só é possível se houver um “mergulho na práxis do grupo social em estudo”. Essa é a condição primária da pesquisa-ação, pois, como defendem Ghedin e Franco é nesse mergulhar que se percebe “as perspectivas latentes, o oculto, o não- familiar que sustentam as práticas, e nela as mudanças que serão negociadas e geridas no coletivo” (Ghedin e Franco, 2008, p. 213).

Ferreira (2007) mostra que o pesquisador deve se orientar para uma ciência da ação, incorporando a conscientização do grupo com que se trabalha nesse processo de pesquisa. É preciso compreender que diferentemente das pesquisas positivistas, que buscava unidade metodológica, “as investigações orientadas pela pesquisa-ação são sempre criações

particulares de cada processo de interação entre os pesquisadores e os participantes, considerados como atores na ação e autores na reflexão” (Ferreira, 2007, p. 19).

Segundo Mailhiot (1970, apud Ghedin e Franco, 2008, p. 215), “a pesquisa- ação deve partir de uma situação social concreta a modificar e, mais do que isso, inspirar-se constantemente nas transformações e nos elementos novos surgidos e sob influencia da pesquisa”. Essas transformações, no entanto, não podem ser observadas do exterior, nem pesquisadas fora dela. Também não deve ser imposta aos membros do grupo “de cima para baixo”, fora do diálogo. Para isso, o pesquisador deve assumir dois papéis complementares: o de pesquisador e o de participante no grupo.

Na pesquisa-ação, os sujeitos, suas perspectivas, seu sentido são considerados, não apenas para registo e posterior interpretação: a voz do sujeito compõe a própria investigação. Por isso mesmo não é possível determinar a priori todos os caminhos metodológicos: os caminhos devem ser traçados a partir das situações relevantes que emergirem durante o processo, pois “a imprevisibilidade constitui um componente fundamental à prática da pesquisa-ação” (Ghedin e Franco, 2008, p. 229).

Ao ouvir a voz aos participantes da pesquisa, e permitir a eles o papel de sujeitos nesse processo, a pesquisa toma um caráter formativo, que possibilita a tomada de consciência das transformações que vão ocorrendo em si e na realidade e/ou grupo pesquisado. Ferreira (2007) chama atenção também que essas eventuais transformações não ocorrem somente nos participantes, “mas também na produção de conhecimento originado da ligação vivenciada entre teoria e prática” (Ferreira, 2007, p. 19).

Assim, a pesquisa-ação tem como objetivo compreender determinada realidade social com a intenção de transformá-la. A busca é por uma transformação na prática educativa e por uma reestruturação nos processos formativos. Essa transformação, entretanto, é faculta aos sujeitos, e esta relacionada com o desejo e a escolha de cada um (autonomia).

A pesquisa-ação “requer um mergulho na intersubjetividade da dialética do coletivo” (Ghedin e Franco, 2008, p. 222). Isso significa: considerar a relação dialética da realidade social e a práxis como mediação da construção do conhecimento. Não é possível, portanto, separar os sujeitos (participantes da pesquisa) do objeto (realidade a ser pesquisada), nem tampouco interpretar os dados fora dessa relação.

A ação, dentro da pesquisa-ação, deve ser compreendida como “ações necessárias à compreensão dos processos que estruturam a pedagogia da mudança da práxis na situação em investigação” (Ghedin e Franco, 2008, p. 224), ou seja, as ações devem ser voltadas para o grupo pesquisado, a fim de impulsionar transformações no próprio grupo.

Sendo Ghedin e Franco (2008), essa ação deve ser pautada dentro da comunicação. Comunicação é uma palavra chave dentro da pesquisa-ação. Através da comunicação entre pesquisador e sujeitos da pesquisa, se constrói uma ação eminentemente interativa, nascida do grupo, dialógica. A ação nasce das situações vivenciadas e oferece saídas, ela deve buscar o entendimento, a negociação, o acordo, o consenso. Para o pesquisador que também atua como membro do grupo pesquisado, é importante ter muito cuidado para não cair na ingenuidade metodológica, ou seja, deixar que situações passem despercebidas, ou que sejam tratadas superficialmente.

Dessa forma, quando nos referíamos à ação dentro da pesquisa-ação, devemos pensar em um agir comunicativo, que emerge do coletivo em busca de um entendimento também coletivo, que promova um saber compartilhado, que propicie processos de reflexão/pesquisa e formação, e que se autoproduza na sensibilidade das necessidades vitais do grupo (Ghedin e Franco, 2008, p. 230-231).

O pesquisador, portanto, que se propõe a realizar uma pesquisa-ação deve promover a construção do saber da prática, estabelecer uma comunicação de igual para igual, ser um facilitar e só intervir quando necessário, perceber que as ações têm significados diferentes para cada sujeito, se permitir interagir dialeticamente com o grupo, aceitar a imprevisibilidade e que as coisas podem mudar e ser reconstruídas, se fazer disponível para os sujeitos e participar juntamente com eles.

Para isso, as técnicas utilizadas na pesquisa-ação devem permitir que se instaure no grupo “uma dinâmica de princípios e práticas dialógicas, participativas e transformadoras” (Ghedin e Franco, 2008.p 223).