3 ENTENDENDO O CONTEXTO DE PESQUISA
3.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA
O caminho trilhado durante a pesquisa possui como abordagem a Pesquisa
Qualitativa, pois tem como conceito o trabalho com sujeitos, a nível social, na busca
por dados relevantes e significativos e não fechados em si.
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deve ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar dentro e a partir da
realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. O universo da produção humana que pode ser resumida no mundo das relações, das representações e da intencionalidade e é objeto da pesquisa qualitativa dificilmente pode ser traduzido em números e indicadores quantitativos (MINAYO, 2009, p. 21).
No desenvolvimento da pesquisa foi utilizada a pesquisa-ação, conceituada
como pesquisa-ação crítica, onde a transformação:
[...] é percebida como necessária a partir dos trabalhos iniciais do pesquisador com o grupo, decorrente de um processo que valoriza a construção cognitiva da experiência, sustentada por reflexão crítica coletiva, com vistas à emancipação dos sujeitos e das condições que o coletivo considera opressivas, essa pesquisa vai assumindo o caráter de criticidade e, então, tem se utilizado a conceituação de pesquisa-ação crítica (FRANCO, 2005, p. 485).
Ainda segundo Franco (2005), citando Kincheloe (1997), esta pesquisa-ação,
que tem uma concepção crítica, rejeita as noções positivistas de racionalidade, de
objetividade e de verdade e deve pressupor a exposição entre valores pessoais e
práticos. Isso se deve em parte porque a pesquisa-ação crítica não pretende apenas
compreender ou descrever o mundo da prática, mas transformá-lo. A condição para
ser pesquisa-ação crítica é o mergulho na práxis do grupo social em estudo, do qual
se extraem as perspectivas latentes, o oculto, o não familiar que sustentam as
práticas, sendo as mudanças negociadas e geridas no coletivo. Nessa direção, as
pesquisas-ação colaborativas, na maioria das vezes, assumem também o caráter de
criticidade.
A pesquisa-ação crítica deve gerar um processo de reflexão-ação coletiva, em
que há uma imprevisibilidade nas estratégias a serem utilizadas. Uma pesquisa-
ação dentro dos pressupostos positivistas é extremamente contraditória com a
pesquisa-ação crítica.
A pesquisa-ação crítica considera a voz do sujeito, sua perspectiva, seu
sentido, mas não apenas para registro e posterior interpretação do pesquisador: a
voz do sujeito fará parte da tessitura da metodologia da investigação. Nesse caso, a
metodologia não se faz por meio das etapas de um método, mas se organiza pelas
situações relevantes que emergem do processo. Daí a ênfase no caráter formativo
dessa modalidade de pesquisa, pois o sujeito deve tomar consciência das
transformações que vão ocorrendo em si próprio e no processo. É também por isso
que tal metodologia assume o caráter emancipatório, pois mediante a participação
consciente, os sujeitos da pesquisa passam a ter oportunidade de se libertar de
mitos e preconceitos que organizam suas defesas à mudança e reorganizam a sua
auto concepção de sujeitos históricos.
Quando a pesquisa-ação ou investigação-ação – termo este utilizado por Julia
Oliveira-Formosinho (2008) - é utilizada no desenvolvimento de pesquisas no
espaço escolar tem se o desafio de movimentar a naturalização e o distanciamento
do que se diz e o que se faz.
Para Franco e Lisita (In PIMENTA; FRANCO, 2008b, p. 44) “o ensino é uma
prática humana, realizada por seres humanos que buscam a transformação de
outros seres humanos”. Compreendendo que engloba aspectos emotivos, afetivos,
morais e éticos, onde há uma necessidade grande de sensibilidade de quem ensina
– já no seu processo de formação - muitas vezes maior do que o domínio do
conteúdo a ser ensinado.
[...] O ensino é uma prática social que busca a concretização de pretensões educativas. Segundo Contreras (1994b), compreender o ensino como prática social significa: a) entender o contexto institucional em que se insere e sob o qual se constitui como prática que ocorre na sociedade; b) reconhecê-lo como um processo público, inserido em uma tradição que lhe exige um significado, pelo qual se definem seus propósitos e expectativas quanto a sua realização; c) compreender que são pessoas concretas que assumem o compromisso com as pretensões do ensino, a partir de uma tradição sobre suas práticas, interpretando os significados e os propósitos do contexto de sua atuação (FRANCO; LISITA In PIMENTA; FRANCO, 2008b, p. 44-45).
Entender o ensino como prática social implica perceber que está inserido num
contexto de atuação mais amplo que envolve fatores históricos, culturais,
ideológicos, e muitos outros. Uma prática profissional pública exercida em relação
aos outros através do diálogo, na busca pela autonomia dos envolvidos e não
somente para os professores, considerando que pode ser uma construção conflitiva
e problemática.
Segundo Franco e Lisita (In PIMENTA; FRANCO, 2008b, p. 47), “a ideia de
autonomia como emancipação exige um distanciamento crítico em relação aos
interesses e demandas das pessoas implicadas na prática educativa”.
Não vivemos em uma sociedade meramente plural, mas dividida em classes sociais, com desiguais condições materiais e culturais de existência. Por isso, a construção da autonomia como emancipação supõe uma posição a respeito da transformação das atuais condições que distorcem e limitam a prática educativa, aí incluídos os interesses e conflitos que permeiam as relações que ocorrem no ensino. Para Contreras (2002), é essa postura que possibilitará que o ensino não se realize apenas como reprodução dos valores e das práticas sociais vigentes, mas também como condição e possibilidade de pretensões educativas guiadas por valores de justiça e igualdade (FRANCO; LISITA In PIMENTA; FRANCO, 2008b, p. 44-45).
As pessoas imbricadas em qualquer grupo social necessitam entender que
são humanos com sentimentos, emoções e desejos, principalmente no contexto da
escola, não sendo possível entender a construção da autonomia como única e
unificada. Pois ela não é inata ao sujeito, e sim construída através de um processo.
Para Franco e Lisita (In PIMENTA; FRANCO, 2008b, p. 49), quando a autonomia é
construída com os professores de forma a que se sintam sujeitos deste processo,
ela é denominada “empoderamento”:
[...] a autonomia docente não é uma presente individualmente em cada sujeito, mas um processo que vai, gradativamente, garantindo a assunção por parte do professor de uma responsabilidade social pela condução do ensino em situações complexas, historicamente construídas e ideologicamente comprometidas. Isto só pode ser feito com um sujeito que se sinta, se aperceba como autor de suas histórias, um sujeito “empoderado”, habilitado ao exercício do poder que advém de sua práxis (FRANCO; LISITA In PIMENTA; FRANCO, 2008b, p. 55-56).
Em continuidade com as ideias das autoras, trata-se de assumir capacidades
como: desenvolvimento pessoal e coletivo, aquisição de crescente conhecimento e
controle, exercício da cooperação, do compartilhamento de saberes e do trabalho
coletivo, comprometendo-se com seus pares, assumindo riscos com iniciativa e
criatividade.
A investigação-ação parte do pressuposto de que o professor é competente e capacitado para formular questões relevantes no âmbito da sua prática, para identificar objetivos a prosseguir, para escolher as estratégias e metodologias apropriadas para atuar em conformidade, para monitorar tanto os processos quanto os resultados (OLIVEIRA-FORMOSINHO In PIMENTA; FRANCO, 2008a, p. 31).
Desta forma, segundo a autora, o professor passa de objeto da investigação
dos acadêmicos a sujeito da sua investigação. Assumindo assim, o questionamento,
a reflexão, o registro e a operacionalização da sua prática no seu contexto
profissional. Para a autora há cerca de dez anos vem se reconstruindo um complexo
movimento que emergiu fora do contexto educativo, a conceitualização de grupos
profissionais
e
das
escolas
como
comunidades
de
prática
(OLIVEIRA-FORMOSINHO In PIMENTA; FRANCO, 2008a).
Trata-se de reconceitualizar os centros educativos como organizações que aprendem, que criam memória da aprendizagem organizacional (BOLÍVAR, 2000). A construção social da aprendizagem organizacional, desenvolvida e documentada em ciclos de investigação-ação, constitui-se em memória de uma comunidade de prática (OLIVEIRA-FORMOSINHO In PIMENTA; FRANCO, 2008a, p. 32).
A investigação-ação é colocada a serviço na busca da melhoria da educação
oferecida. Para Oliveira-Formosinho (In PIMENTA; FRANCO, 2008a, p. 32):
O desenvolvimento dos profissionais e da organização educativa é vista em interatividade, porque a organização se torna um espaço qualificante de todos e de cada um, porque este processo é analisado em função do projeto social da organização, que é o projeto de educar melhor as gerações mais novas.
Trata-se de encontrar no próprio chão pesquisado, questões pertinentes a
serem pesquisadas, pensadas, estudadas e transformadas. Buscando uma
transformação no cotidiano praxiológico, das necessidades reais daquele espaço.
Sendo que esta movimentação parte dos próprios sujeitos que ali estão.
Franco e Lisita (In PIMENTA; FRANCO, 2008a), citando a análise de autores
como Morin e Landry, apontam condições básicas na diferenciação da pesquisa-
ação da pesquisa tradicional: contrato, participação, mudança, discurso e ação.
No contrato busca-se a superação da rigidez da pesquisa, onde quem
determina os caminhos e os processos é o pesquisador, havendo assim, uma
submissão dos pesquisados, para se chegar a um contrato aberto, dialogado,
negociado. A participação se torna mais intensa, valorizando-se os saberes de todos
os sujeitos envolvidos. De forma que:
Ao vivenciar mudanças, o sujeito participante de uma pesquisa-ação venha a se sentir protagonista de processos de transformação e autotransformação. No entanto, será preciso que destrua saberes que nada mais significam, construindo percepções favoráveis em relação à sua identidade profissional (FRANCO; LISITA In PIMENTA; FRANCO, 2008a, p. 63).