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2.2 Alfabetização e letramento: conceitos e prática pedagógica, paradigmas de

2.2.2 Paradigmas de alfabetização e abordagens

2.2.2.2 Paradigma Interacionista

2.2.2.2.1 Abordagem Psicogenética de Alfabetização

As pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky e colaboradores sobre Psicogênese da Língua Escrita deram origem à abordagem psicogenética de alfabetização, instaurando uma revolução conceitual nesse campo. Esses estudiosos construíram uma psicogênese da língua escrita, com base na teoria psicogenética de Jean Piaget. Essa abordagem realça a necessidade de uma mudança conceitual no que diz respeito à concepção: do sujeito que aprende; do objeto de conhecimento; dos objetivos e processo da aprendizagem; da prática pedagógica, principalmente, no que toca à avaliação. Ela se caracteriza como o novo modelo na perspectiva construtivista de alfabetização. (CAMPELO, 2001; VIEIRA, 2010).

Um dos grandes fundamentos de Piaget para Ferreiro e Teberosky (1985) é a concepção do sujeito que aprende. A partir desta concepção, estas autoras ratificaram que o sujeito que aprende é “o sujeito cognoscente”, ou seja, “o sujeito que busca adquirir conhecimento”; elas acrescentam:

[...] é um sujeito que procura ativamente compreender o mundo que o rodeia, e trata de resolver as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito que espera que alguém que possui o conhecimento o transmita a ele, por um ato de benevolência. É um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo, e que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo [em] que organiza seu mundo. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 26).

Com este entendimento, elas questionaram: “Podemos supor que esse sujeito cognoscente está também presente na aprendizagem da língua escrita?”. (Grifos das autoras). Assumindo que a hipótese era válida, procuraram compreender o processo de aprendizagem.

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E elas explicam, demonstrando o percurso dessa compreensão, como acontece o referido processo e como veem os métodos na situação de ensino:

Num marco de referência piagetiano, [...] a distinção entre ambos é clara – e necessária – visto que um dos princípios básicos dessa teoria é que os estímulos não atuam diretamente, mas sim que são transformados pelos sistemas de assimilação do sujeito (seus “esquemas de assimilação”): neste ato de transformação o sujeito interpreta o estímulo (o objeto em termos gerais), e é somente em conseqüência [sic] dessa interpretação que a conduta do sujeito se faz compreensível.

[...] um mesmo estímulo (ou objeto) não é o mesmo a menos que os

esquemas assimiladores à disposição também o sejam. O que equivale a colocar o sujeito da aprendizagem no centro do processo, e não aquele que, supostamente, conduz essa aprendizagem (o método, na ocasião, ou quem o veicula). E isto nos obriga – felizmente – a estabelecer uma clara distinção entre os passos que um método propõe, e o que efetivamente ocorre “na cabeça” do sujeito. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 30, grifos das autoras).

Dessa forma, elas prosseguem explicando esse processo, ainda apoiadas na teoria piagetiana:

[...] o conhecimento objetivo aparece como uma aquisição, e não como um dado inicial. O caminho em direção a este conhecimento objetivo não é linear: não nos aproximamos dele passo a passo, juntando peças de conhecimento uma sobre as outras, mas sim através de grandes reestruturações globais, algumas das quais são “errôneas” (no que se refere ao ponto final), porém “construtivas” (na medida em que permitem aceder a ele.). Esta noção de erros construtivos é essencial. [...] é chave o poder distinguir entre os erros aqueles que constituem pré-requisitos necessários para a obtenção da resposta correta.

[...]Nosso dever, como psicólogos, é tratar de compreendê-los; o dever dos pedagogos é levá-los em consideração, e não colocá-los no saco indiferenciado dos erros em geral. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 30, grifos das autoras).

Embora estas autoras tenham compreendido que esta seria uma tarefa de fôlego que demandaria outra classe de esforços, naquele momento já traziam contributos para refletirmos sobre o processo de aprendizagem e a prática pedagógica, e, nesse sentido, aprofundavam a discussão desses fundamentos:

[...] consideremos que, na teoria de Piaget, a compreensão de um objeto de conhecimento aparece estreitamente ligada à possibilidade de o sujeito reconstruir este objeto, por ter compreendido quais são suas leis de

composição. Contrariamente às posições “gestaltistas”, a compreensão “piagetiana” não é figural, mas sim operatória: não é a compreensão de uma forma de conjunto dada de uma vez por todas, mas a compreensão das transformações que engendram essas configurações, conjuntamente com as invariáveis que lhe são próprias. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985 p. 31).

Elas ratificam seus pontos de vista, dizendo-nos o que mais considerar ou fazer nessa prática pedagógica:

Se dissemos antes que uma prática pedagógica de acordo com a teoria piagetiana não deve temer o erro (sob a condição de distinguir entre erros construtivos e os que não o são), agora devemos acrescentar que ela não deve, tampouco, temer o esquecimento. O importante não é o esquecimento,

e sim a incapacidade para restituir o conteúdo esquecido.

[...] Um progresso no conhecimento não será obtido senão através de um

conflito cognitivo, isto é, quando a presença de um objeto (no sentido amplo de objeto de conhecimento) não assimilável force o sujeito a modificar seus esquemas assimiladores, ou seja, a realizar um esforço de acomodação que tenda a incorporar o que resultava inassimilável (e que constitui, tecnicamente, uma perturbação). Da mesma maneira, porém, que não é qualquer atividade que define a atividade intelectual, tampouco qualquer conflito é um conflito cognitivo que permite um progresso no conhecimento. Há momentos particulares no desenvolvimento nos quais certos fatos, antes ignorados, se convertem em perturbações.

Em termos práticos, não se trata de continuamente introduzir o sujeito em situações conflitivas dificilmente suportáveis, e sim de tratar de detectar quais são os momentos cruciais nos quais o sujeito é sensível às perturbações e às suas próprias contradições, para ajudá-lo a avançar no sentido de uma nova reestruturação. (FERREIRO e TEBEROSKY, 1986, p. 31-32, grifos das autoras).

As autoras consideram que esses pontos são fundamentais para chegar à utilização desse marco conceitual, num terreno até então inexplorado sob essa perspectiva e colocam em destaque o objetivo que orientará o estudo:

[...] nosso objetivo será mostrar nos fatos a pertinência da teoria psicogenética de Piaget e das conceitualizações da psicolingüística [sic] contemporânea, para compreender a natureza dos processos de aquisição de conhecimento sobre a língua escrita, situando-nos acima das disputas sobre métodos de ensino, porém tendo como fim último o de contribuir na solução dos problemas de aprendizagem da lecto-escrita na América Latina, e o de evitar que o sistema escolar continue produzindo futuros analfabetos. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 32).

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Temos, desta forma, os fundamentos básicos da teoria desenvolvida por Ferreiro e Teberosky, os quais chegaram até nós através de sua obra Psicogênese da Língua Escrita, uma tradução de Lichtenstein, Di Marco e Corso, publicada no Brasil, em 1985.

Em 1985, era também publicado no Brasil, um artigo de Ferreiro que sumarizava vários dos seus achados em relação à representação da linguagem e o processo de alfabetização. Conforme dissemos no início deste trabalho, o referido artigo constituiu uma grande contribuição para o entendimento posterior de sua obra, pela discussão de alguns fundamentos que julgamos oportuno retomar. Ferreiro (1985) afirma:

Tradicionalmente, a alfabetização inicial é considerada em função da relação entre o método utilizado e o estado de “maturidade” ou prontidão da criança. Os dois polos do processo de aprendizagem (quem ensina e quem aprende) têm sido caracterizados sem que se leve em conta o terceiro elemento da relação: a natureza do objeto de conhecimento, envolvendo esta aprendizagem. (FERREIRO, 1985, p. 8).

O objeto de conhecimento ao qual a autora se refere é o sistema de representação alfabética da linguagem. Em suas pesquisas e nessa particular discussão, Ferreiro (1985) tentava demonstrar de que maneira este objeto de conhecimento faz parte do processo de aprendizagem:

[...] não como uma entidade única, mas como uma tríade: temos, por um lado, o sistema de representação alfabética da linguagem, com suas características específicas; por outro lado, as concepções que tanto os que aprendem (as crianças) como os que ensinam (os professores) têm sobre este objeto. (FERREIRO, 1985, p. 8).

Ainda neste artigo, a autora comenta, sumariamente, o processo histórico de construção da escrita e a concebe como um sistema de representação. Aqui, ela faz essa discussão, para mostrar como a assunção de determinada concepção repercute na prática de ensino-aprendizagem da língua escrita. E, objetivamente, ressalta:

[...] se a escrita é concebida como um código de transcrição, sua aprendizagem é concebida como a aquisição de uma técnica; se a escrita é concebida como um sistema de representação, sua aprendizagem se converte na apropriação de um novo objeto de conhecimento, ou seja, em uma aprendizagem conceitual. (FERREIRO, 1985, p. 9).

Ferreiro (1985) afirma que, tradicionalmente, a escrita infantil tem sido considerada nos seus aspectos gráficos, mas argumenta que os aspectos construtivos precisam ser

observados. E no que diz respeito aos aspectos construtivos, como resultados de suas pesquisas, ela distingue níveis que marcam a evolução da escrita da criança. No ano em referência, a autora apresentou uma classificação, entretanto, nós sabemos da existência de uma classificação mais recente, porque estudando o tema: “Períodos indicadores da evolução da escrita”, em Campelo (2001), encontramos sua opção por essa classificação. Esta autora explica, em nota de rodapé:

Decidimos considerar aqui a classificação mais recente de Ferreiro (1995) que difere da que foi apresentada em Ferreiro (1985), onde no 1º período, não estavam incluídas as construções de formas de diferenciação intrafigurais que, no trabalho mais recente já fazem parte das escritas desse nível. (CAMPELO, 2001, p. 100).

Com tal advertência, Campelo (2001) nos remete a Ferreiro (1995), onde vamos encontrar a discussão desta autora sobre os três grandes períodos que assinalam o processo de alfabetização da criança, caracterizado pelas “hipóteses” que ela formula. (Grifo da autora). Ferreiro (1995) mostra que essas hipóteses orientam a produção da escrita do alfabetizando, ao afirmar que “as ‘teorias das crianças’ sobre a natureza e função do sistema de escrita são verdadeiras construções que, na maioria das vezes, parecem muito estranhas à nossa maneira adulta de pensar.” (FERREIRO, 1995, p. 24, grifos da autora). Em seguida, explicita os níveis indicadores da evolução dos aspectos construtivos da escrita infantil no interior desses períodos fundamentais. Nessa discussão, Ferreiro (1995, p.25-30)nomeia esses níveis e caracteriza-os da seguinte forma:

1º) distinção entre a representação icônica e a não-icônica e construção de formas de diferenciação intrafigurais ou intra-relacionais;

2º) construção de formas de diferenciação interfigurais ou inter- relacionais; 3º) fonetização da escrita.

Ao explicar cada um desses níveis, detalha como as crianças agem para adquirir conhecimentos sobre o sistema de escrita. Antes, porém, ela diz:

As crianças não são meros sujeitos aprendizes, mas são sujeitos que sabem. [...] Para adquirir conhecimento sobre o sistema de escrita, as crianças agem da mesma maneira do que em outras áreas do saber: tentam assimilar a informação proporcionada pelo meio. Mas, quando essa assimilação da informação fica impossibilitada, vêem-se [sic] muitas vezes forçadas a rejeitá-la. Experimentam a palavra para descobrir suas propriedades, experimentam o objeto para testar suas “hipóteses”, pedem informações e

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tentam extrair um sentido da massa de dados coletados. (FERREIRO, 1995, p. 24).

No início do 1º nível, as crianças procuram critérios que lhes ajudam a distinguir os dois modos básicos de representação gráfica: o desenho e a escrita ou o modo de representação icônico e não-icônico. Neste momento, o desenho e a escrita não diferem quanto às linhas, mas quanto à organização com que se apresentam. Essas formas de representação podem conter linhas retas, curvas e pontos, entretanto, a organização dos desenhos é feita pela reprodução dos contornos dos objetos, visto que estão no campo do icônico; na escrita, essas linhas ou pontos não acompanham os contornos dos objetos aos quais as letras se referem, e sua organização nada tem a ver com a organização das partes do objeto: essa representação está no domínio do não-icônico. Quando as crianças alcançam essa noção, elas compreendem duas das principais características básicas de qualquer sistema de escrita: a arbitrariedade e a linearidade. (FERREIRO, 1995, p. 25).

Deste modo, perceber a diferença entre esses dois modos de representação gráfica – desenhar e escrever – e perceber a escrita ou cadeias de letras como objetos substitutos são aquisições importantes na construção do processo psicogenético de alfabetização da criança. (FERREIRO, 1995, p. 26). Campelo (2001)acrescentacom base em Ferreiro (1995, p. 26;) e Teberosky (1991, p. 31-32) que “antes dessa aquisição, o alfabetizando vivencia um período de transição, em que considera as letras como objetos-em-si, para, gradativamente, passar a considerá-las como objetos-substitutos.” (CAMPELO, 2001, p. 101). Ainda com base nas autoras citadas e em Ferreiro (1991, p. 109 -114), essa autora explica:

[...] as letras como objetos-em-si são letras que dizem letras. E não podem dizer nada ou somente podem dizer o que elas mesmas são: letras. [...] As letras como objetos-substitutos são letras que dizem algo diferente delas mesmas – os nomes dos objetos/seres do mundo, propriedade esta que o desenho é incapaz de reproduzir – cujo significado só será conhecido, se colocarmos as letras em relação com esses elementos de outro sistema – o sistema dos objetos do mundo. (CAMPELO, 2001, p. 101).

A partir desses domínios, as crianças se deparam com outro problema que é o de estabelecer critérios de legibilidade do escrito, ou seja, quando elas percebem: o escrito “serve para dizer algo”. Esse problema permite que as crianças desenvolvam ações, objetivando interpretar o escrito, enquanto objeto substituto. É, pois, nesse período que definem o princípio interno “da quantidade mínima”, que Ferreiro (1995, grifos da autora) assim explica:

Três letras bastam. De acordo com as conceptualizações das crianças, porém, essa condição qualitativa não é o suficiente para ter-se uma boa representação de uma palavra. Também deve estar presente uma condição qualitativa: as letras devem ser diferentes. Se um escrito mostrar “a mesma letra o tempo todo”, as crianças não o considerarão uma cadeia legível. (FERREIRO, 1995, p. 27).

Neste processo,as crianças passam a trabalhar com critérios que revelam as “variações qualitativas internas” de suas construções e tendo por base esses dois princípios organizacionais, elas podem observar cada escrito e decidir se esses escritos fazem sentido, ou se cada um deles constitui apenas uma cadeia de letras que não corresponde à representação escrita de palavra. Mas, segundo Ferreiro (1995), elas não têm condições de analisar “um conjunto de cadeias escritas para descobrir os critérios que permitem representar diferenças de significado.” (FERREIRO, 1995, p. 27, grifos da autora).

Ferreiro (1990; 1995) aprofunda a discussão, ao descrever subníveis que acontecem no interior de cada um dos períodos fundamentais, conforme sumarizaremos a seguir. Vimos que no primeiro período, a criança já distingue o desenho da escrita, e o que ela faz em termos de escrita é regido pela hipótese pré-silábica. A escrita regida por tal hipótese não guarda qualquer relação com os sons da linguagem oral. As escritas pré-silábicas, neste primeiro período, apresentam dois subníveis: as escritas indiferenciadas; e as escritas diferenciadas intra-figuralmente.

As escritas indiferenciadas caracterizam-se pelos grafismos primitivos e as escritas fixas, ou seja, a princípio, a criança não utiliza letras convencionais, mas lança mão de linhas verticais, circulares, onduladas ou zigue-zagues contínuos ou quebrados. Essas escritas quase não apresentam diferenciação no interior de uma mesma representação, em geral, uma série de grafias vai representar uma palavra ou, entre as escritas, um conjunto ou série de grafias pode servir para representar diferentes palavras. Esta constitui uma das principais características desse subnível de escrita. Tais representações são de difícil interpretação em razão dessas características. (FERREIRO, 1990; 1995; CAMPELO, 2001).

Nesse processo de analisar o que fazem as crianças em relação ao sistema de escrita, Ferreiro (1992, p. 79, apud CAMPELO, 2001, p.102) adverte: “eu digo escrita entendendo que não falo somente de produção de marcas gráficas por parte das crianças; também falo de interpretação dessas marcas gráficas.” (Grifos de CAMPELO, 2001). Ela interpreta e descreve o processo da escrita e leitura ou da lecto-escrita, como costuma a ele se referir. (Grifo nosso). Em prosseguimento à caracterização desses níveis que evidenciam o referido

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processo, mostra-nos que com essas construções de formas de diferenciação intra-figurais (FERREIRO, 1985) ou intra-relacionais (FERREIRO, 1995), as crianças passam a admitir que cadeias de letras, de similaridade gráfica, “digam” coisas diferentes.

As crianças avançam nos seus questionamentos através das interações que estabelecem com a escrita, pela mediação de seu professor e de seus pares, e “começam a procurar diferenças gráficas suscetíveis de fundamentar suas diversas intenções.” (FERREIRO, 1995, p. 28). Elas estão no segundo nível. Até então, “o conteúdo de um texto pode ser antecipado em função do contexto e as circunstâncias de aparição”, ou seja, o conteúdo de um texto para as crianças é totalmente dependente do contexto, por exemplo: o texto escrito sobre um carro, diz ‘carro’. (TEBEROSKY, 1991, p. 51, apud CAMPELO, 2001, p. 102).

O segundo grande período é caracterizado pela construção de formas de diferenciação interfigurais, onde encontramos as escritas pré-silábicas com diferenciações interfigurais, cujos detalhes vamos perceber tanto no eixo quantitativo como no eixo qualitativo. Nesse subnível, para que uma escrita seja quantitativamente legível, deverá conter uma quantidade mínima de letras. Aqui, a hipótese utilizada é a “da quantidade mínima de caracteres”, e a legibilidade dos escritos está condicionada à variedade das letras no interior da palavra, pois entra em jogo a “hipótese da variedade de caracteres”. (FERREIRO, 1990; 1995; CAMPELO, 2001, grifos de Campelo, 2001).

As escritas do 2º período ainda são marcadas pela “hipótese pré-silábica” (Grifo nosso), porém com diferenciações inter-figurais que se apresentam nos dois eixos: quantitativo e qualitativo. O alfabetizando já começa a diferenciar os caracteres de uma palavra para outra, revelando uma evolução no eixo qualitativo com relação ao 1º nível, pois além de diferenciar os caracteres no interior de cada palavra (construção do período precedente) ele os faz como dissemos antes: de uma palavra para outra. No tocante ao eixo quantitativo, no 2º nível, continua a exigência da quantidade mínima de três caracteres para que a palavra “sirva para ler”. (FERREIRO, 1999, p. 47,). Todavia, o alfabetizando pode tomar como referência o realismo nominal12 para estabelecer as diferenciações quantitativas de um escrito para outro.

Nesse nível, a criança procura o significado e/ou o referente do nome que quer escrever. Ela começa a trabalhar com o símbolo linguístico na sua totalidade: “significado e

12 “Com base no ‘realismo nominal’, o alfabetizando considera a palavra – significante – como parte ou

propriedade do objeto que representa – significado – ou seja, a escrita conserva, como o desenho, propriedades do objeto representado; por exemplo, o nome das pessoas ou dos objetos é proporcional à sua idade, altura, comprimento etc. Desse modo, se explica porque ‘o leão deve ter mais letras que a formiguinha.’”. (CAMPELO, 2001, p.103).

som juntos, como uma só entidade”. (FERREIRO, 1995, p. 28). Nessas tentativas, procura controlar, de maneira simultânea, as variações quantitativas e qualitativas.

O 3º nível é o da “fonetização” da representação da escrita infantil que se caracteriza pela construção de três hipóteses: a silábica, a silábica-alfabética e a alfabética. Neste nível, a criança procura construir um controle objetivo das variações na quantidade e na qualidade das letras necessárias para a escrita de qualquer palavra que deseja representar.

Inicialmente, seus escritos são regidos pela hipótese silábica, que possibilita a produção de escritas silábicas. Neste processo evolutivo, apresentam escritas silábicas sem valor sonoro convencional, quando utilizam qualquer letra para representar qualquer sílaba da palavra que quer grafar, mas, geralmente, uma letra para cada sílaba. Posteriormente, aparecem as escritas silábicas com valor sonoro convencional, quando utilizam vogais ou consoantes presentes na escrita alfabética de tal palavra, mas sempre uma, às vezes, duas letras para cada sílaba.

Este momento da escrita silábica pode ser mediado pelo professor que ajudará a criança nesse processo de aplicação ou reconstrução das hipóteses, problematizando-as e vivenciando situações de aprendizagem favoráveis ao avanço no processo de alfabetização. O referido momento é especialmente rico para interpretação dos achados da criança, pela avaliação sistemática que foge dos moldes tradicionais de interpretar os seus erros e acertos, conforme discutimos anteriormente. Este trabalho próximo à criança contribui para que ela alcance outro nível de hipótese. Vemos isto em Ferreiro (1990), quando esta autora faz pesquisas com diversas crianças e nos apresenta a sequência evolutiva de cada uma delas, fazendo-nos compreender que essas sequências evolutivas apresentam características que não são exclusivas dessas crianças pesquisadas. (FERREIRO, 1990, p. 24-63).

Com essa mediação/avaliação, a criança já percebeu que as letras guardam valores sonoros e que a correspondência com o eixo qualitativo é estável, por esse meio, elas evoluem para outro nível: o silábico-alfabético. Em pesquisas anteriores, esse período era considerado por Emília Ferreiro como de transição13. Tal período é marcado pela produção da escrita silábica-alfabética, quando a criança trabalha simultaneamente com as hipóteses silábica e alfabética. Nesta forma de proceder, ora representa a sílaba com uma letra apenas, ora representa a sílaba com todos os sons.

13 Em Ferreiro (2001, p.95), a autora nos explica que uma orientanda sua – Graciela Quinteros – conseguiu