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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2.5 Abordagem sociocultural

A abordagem sociocultural possui como principal representante o pedagogo brasileiro Paulo Freire, que tornou-se especialmente conhecido por seu método de alfabetização de adultos, alternativo à cartilha. Mizukami (1986) destaca a origem dessa abordagem também no movimento de cultura popular e a caracteriza amplamente como

interacionista, com grande ênfase no sujeito como criador do conhecimento. De acordo com Freire (1979, p.30), na elaboração do conhecimento “existe uma reflexão do homem face à realidade. O homem tende a captar uma realidade, fazendo-a objeto de seus conhecimentos”, de forma que essa compreensão leva ao levantamento de hipóteses sobre os desafios impostos por essa realidade que orientam o aluno na busca de soluções.

Dentro dessa abordagem, Mizukami (1986) argumenta que se deve levar em conta necessariamente a vocação ontológica do homem (vocação de ser sujeito) tanto quanto o contexto no qual ele vive. Por esse motivo, é preciso considerar o contexto histórico, ou o contexto sócio-econômico-cultural-político do aprendiz. O conceito de historicidade é afirmado por Freire (1979, p.61), no sentido de que “nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre suas condições culturais”.

Nesse sentido, Vygotsky, autor fundamental dentro da abordagem sociocultural, postula que a intervenção educativa só se dará adequadamente com o conhecimento do nível de desenvolvimento dos alunos. Oliveira (1993) explica que Vygostky relaciona o processo de desenvolvimento dos seres humanos ao processo de desenvolvimento da espécie humana, quando o pensamento torna-se verbal e a linguagem racional. Afinal, Vygotsky (1991, p.5) adentra o estudo da educação por meio da psicologia e do estudo da linguagem e do pensamento: “a transmissão racional e intencional de experiência e pensamento a outros requer um sistema mediador, cujo protótipo é a fala humana, oriunda da necessidade de intercâmbio durante o trabalho”.

Dessa forma, Oliveira (1993, p.61) argumenta que a concepção de Vigostky sobre as relações de desenvolvimento e aprendizado consideram o indivíduo com seu “ambiente sociocultural e com a situação de organismo que não se desenvolve sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie”. A autora também destaca que o desenvolvimento dos indivíduos segue na direção de sua autonomia, partindo da realização de tarefas com a ajuda de terceiros no sentido da solução independente de problemas.

Ainda com relação a Vygotsky, Oliveira (1993, p.63) afirma que há ênfase no papel da intervenção para o desenvolvimento, porém que o objetivo do autor é salientar a “importância do meio cultural e das relações entre indivíduos na definição de um percurso para o desenvolvimento da pessoa humana, e não propor uma pedagogia diretiva, autoritária”.

Além das características preliminarmente enfatizadas, e mantendo a estrutura utilizada nas abordagens anteriores, as alíneas seguintes apresentam as características do ensino sociocultural, de acordo com Mizukami (1986):

a) o homem chegará a ser sujeito graças à reflexão sobre seu ambiente concreto, levando-o a sua promoção e não ao seu ajustamento à sociedade;

b) a aquisição cultural constitui-se da experiência humana, crítica e criadora, e não simplesmente de armazenamento, ou conforme Freire (1979, p.35) “quando o ser humano pretende imitar a outrem, já não é ele mesmo (...). Quanto mais alguém quer ser outro, tanto menos ele é ele mesmo”;

c) a elaboração e o desenvolvimento do conhecimento estão ligados ao processo de conscientização, a partir do mútuo condicionamento entre pensamento e prática;

d) a educação assume caráter amplo, não restrita à escola ou a um processo de educação formal;

e) busca da superação da relação opressor-oprimido, por uma educação problematizadora, na qual a pedagogia do oprimido é forjada com o indivíduo e não para ele, na luta pela recuperação de sua humanidade;

f) a relação professor aluno é horizontal, de forma que o educador se torne educando e o educando, por sua vez, educador;

g) a preocupação é com cada aluno e com o processo, não com produtos de aprendizagem acadêmica padronizados. Os processos formais e de nota não têm sentido nessa abordagem.

Partindo das principais características elencadas, pode-se verificar que a abordagem de ensino e aprendizagem, dentro do escopo da educação sociocultural, contrapõe-se principalmente à abordagem tradicional e comportamentalista. Na abordagem sociocultural a educação pode ser resumida como centrada no aluno, contextualizada, reflexiva e crítica, que de acordo com Freire (1979) se desenvolve tendo como princípios o anseio de profundidade na análise de problemas, o reconhecimento de que a realidade é mutável, a substituição de explicações mágicas por princípios de causalidade, a verificação e testes das descobertas, a indagação, investigação e choque, bem como o amor ao diálogo.

Freire (1979, p.38) também enfatiza a urgência da mudança na educação ao observar, principalmente no contexto latino-americano, que

o professor ainda é visto como um ser superior que ensina a ignorantes, o que resulta em uma consciência bancária na qual “o educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita”. O autor ainda continua argumentando que tal educação só transforma indivíduos em seres medíocres, porque não há estímulo para a criação.

Na pedagogia da autonomia, Freire (1996) aponta os saberes necessário à prática da educação, de forma que o homem possa cumprir seu destino de sujeito na criação e transformação do mundo. São 27 exigências apresentadas para que o ensino ocorra: rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, estética e ética, corporeificação das palavras pelo exemplo, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação, reflexão crítica sobre a prática, reconhecimento e assunção da identidade cultural, consciência do inacabamento, reconhecimento de ser condicionado, respeito à autonomia do ser educando, bom-senso, humildade, tolerância e luta em defesa do direito dos educadores, apreensão da realidade, alegria e esperança, convicção de que a mudança é possível, curiosidade, segurança, competência profissional e generosidade, comprometimento, compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo, liberdade e autoridade, tomada consciente de decisões, saber escutar, reconhecer que a educação é ideológica, disponibilidade para o diálogo, querer bem aos educandos.