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4 CAPÍTULO II ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

4.1 Abordagem Teórico-Metodológica

Entendendo que a experiência de adoecimento é um processo complexo, pois a doença não se expressa apenas na sua forma física, mas também subjetiva - como os indivíduos vivenciam o adoecimento e como significam essa experiência (Helman, 2006) - este estudo exploratório busca compreender como os homens metalúrgicos vivenciam no “mundo da vida” a experiência da incapacidade por LER/Dort e como essas vivências geram significantes que podem ser apreendidos desses contextos. Para isso fazem-se aproximações com a antropologia interpretativa e a antropologia da saúde.

Alves e Rabelo (1999), dizem que toda enfermidade envolve interpretação e julgamento e, portanto, um processo de construção de significado. A aproximação com as experiências subjetivas individuais, com a produção de significados para o processo de adoecimento, nos remete à necessidade de entender o sistema cultural

e compreender como essas vivências subjetivas, tornam-se experiências intersubjetivas a partir de modos distintos de comunicação e interpretação.

Para Good “a doença ocorre naturalmente, não no corpo, mas na vida”. Portanto, “a localização da desordem nos diz muito pouco sobre o porquê ela ocorreu naquele local ou como ela funciona”. Este ponto de vista permite examinar como os homens metalúrgicos, aqui entrevistados, vivenciam seu adoecimento, deslocando esta investigação do sentido ontológico da doença, para a compreensão deste fenômeno “no tempo, no lugarna história e no contexto da experiência de vida e do mundo social. Seu efeito está no corpo, mas no corpo no mundo.” (Good,1994. p.133, Tradução Livre).

Optou-se neste estudo pela aproximação simultânea das noções de illness e sickness, propostas por Kleinman (1998). Para este autor, a primeira noção integra como “a pessoa doente e os membros da família ou rede social mais ampla percebem, convivem com e respondem aos sintomas e incapacidade”. Para além da doença biológica, existe um fenômeno que acontece no mundo da vida, que faz os indivíduos sentirem mais que sintomas, mas sensações psíquicas, emocionais, subjetivas do processo de adoecimento.

Este conceito permite um reposicionamento na forma de observar os processos de saúde e doença, integrando elementos centrais do interesse deste estudo, como apresentado pelo autor a seguir:

“Os problemas da illness são as principais dificuldades que os sintomas e a incapacidade criam em nossas vidas. (as nossas dores de cabeça pode tornar impossível nos concentrarmos no nosso trabalho intelectual e no nosso trabalho doméstico, levando a frustração e ao fracasso). Nós podemos sentir uma angústia grande por que ninguém pode ver a nossa dor e, portanto objetivamente determinar qual é a nossa incapacidade real (ou se a nossa incapacidade é real). Como resultado nós sentimos que não se acredita em nossas queixas e nós experimentamos uma pressão frustrante para provar que nós estamos com dor constante. Nós podemos nos tornar desmoralizados e perder a nossa esperança de melhorar ou nós podemos ficar deprimidos pelo nosso medo de morte e de nos tornarmos inválidos. Nós podemos ficar tristes com relação à nossa saúde perdida, a nossa imagem corporal alterada e a nossa alto-estima pode declinar perigosamente. Nós podemos nos sentir envergonhados por causa de uma desfiguração. Todos esses são problemas da illness” (KLEINMAN, 1998, p.

4).

Ampliando a abrangência deste fenômeno, tomou-se de forma privilegiada a noção de sickness - “o entendimento de um distúrbio ou desordem no seu sentido genérico em toda uma população em relação às forças macrossociais (econômicas,

políticas e institucionais)” (KLEINMAN, 1998, p. 6). Essa formulação nos ajuda a compreender que a doença para além da visão biomédica (disease) e de uma visão subjetiva e social ao nível individual e relacional (illness), possui também uma vertente macro, fenômeno que integra um conjunto de elementos socioculturais, conformando um “mundo da doença”, constituído por significados, práticas e instituições associadas à enfermidade ou ao sofrimento (Alves, 2006).

Alves (2006), em revisão, discute alguns trabalhos que adotam a “abordagem fenomenológica-hermenêutica” e que expressam uma preocupação em compreender e problematizar como os indivíduos vivenciam uma “experiência de sentir-se mal” e como atribuem significações a esta experiência. Por meio da contrastação de diferentes pontos de vista advindos da fenomenologia e das abordagens sistêmicas, o autor reconhece a intersubjetividade enquanto “o solo sobre o qual são elaboradas as diversas interpretações do mundo da vida cotidiana” e, portanto, defende a doença enquanto um fenômeno “sickness”, ou seja, diz respeito a um conjunto de elementos sócio-culturais interligados (Alves, 2006, p. 1553).

Para este estudo, a aproximação da fenomenologia-hermenêutica funcionou como suporte para o objeto de estudo aqui construído, englobando as interações entre diferentes dimensões, incluindo a experiência de adoecimento em sujeitos concretos e o modo de ser desses sujeitos no mundo.

A escolha pela perspectiva compreensiva nos aproximou de Ricoeur (1987), sobre a teoria da interpretação e a advertência sobre o processo dinâmico e complexo da interpretação-compreensão. Para este autor, a compreensão baseada nas experiências de outros sujeitos ou de outras mentes semelhantes às nossas, precisa ser pensada tanto do ponto de vista da compreensão dos sentidos do locutor como os sentidos da enunciação, num processo cíclico de entendimento do que queria o locutor dizer e do que queria dizer o discurso, para assim, num movimento de reflexão, conjecturas sobre o texto e interpretação, podermos nos aproximar da intenção, dos significados existentes no texto.

A aproximação de um grupo inserido na dinâmica moderna de vida, no caso, trabalhadores metalúrgicos, na condição de adoecidos e algumas vezes

incapacitados, demanda incorporar, como discutido por Geertz (2012), que qualquer objeto estará influenciado por elementos para além do subjetivo, “realidades estratificadoras políticas e econômicas” [...]. Em suas palavras, Geertz (2012) descreve o que nomina de teoria interpretativa:

“Na busca das tartarugas demasiado profundas, está sempre presente o perigo de que a análise cultural perca contacto com as superfícies duras da vida – com as realidades estratificadoras políticas e econômicas, dentro das quais os homens são reprimidos em todos os lugares – e com as necessidades biológicas e físicas sobre as quais repousam essas superfícies. A única defesa contra isso e, portanto, contra transformar a análise cultural numa espécie de esteticismo sociológico é primeiro treinar tais análises em relação a tais realidades e tais necessidades. É por isso que eu escrevi sobre nacionalismo, violência, identidade, a natureza humana, a legitimidade, revolução, etnicismo, urbanização, status, a morte, o tempo e, principalmente, sobre as tentativas particulares de pessoas particulares de colocar essas coisas em alguma espécie de estrutura compreensiva e significativa. Olhar dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia, lei, moralidade, sendo comum – não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não emocionalizadas; é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que outros deram – apascentando outros carneiros em outros vales – e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou. (GEERTZ, 2012, p. 21)”.

Identificamos também correspondência com o que, em nosso contexto, Minayo (2010) chama de Hermenêutica dialética. Propondo a autora uma interlocução com a hermenêutica de Gadamer - “busca da compreensão de sentidos, que se dá na comunicação entre indivíduos, baseando-se na experiência cultural e nas análises dos contextos e da práxis” - e na dialética, tomada pela autora como a “ciência e arte do diálogo, da pergunta e da controvérsia, buscando nos fatos, na linguagem, nos símbolos e na cultura, os núcleos obscuros e contraditórios para realizar uma crítica informada sobre eles” (MINAYO, 2010, p. 166,167 ).

Assim, acreditamos na perspectiva complementadora dessas duas perspectivas teóricas vista em Minayo:

“Ao mostrar como a primeira (hermenêutica) realiza o entendimento dos textos, dos fatos históricos, da cotidianidade e da realidade, ressalta que suas limitações podem ser fortemente compensadas pelas propostas do método dialético. A dialética, por sua vez, ao sublinhar o dissenso, a mudança e os macroprocessos, pode ser fartamente beneficiada pelo movimento hermenêutico que enfatiza o acordo e a importância da cotidianidade. Dessa forma concluo que a hermenêutica e a dialética se

relação aos processos sociais e, por conseguinte, em relação aos processos de saúde e doença” (MINAYO, 2010, p. 349 – Grifo meu).

Nesse sentido, tomamos as contribuições das abordagens compreensivas e do método dialético para decodificar a fala dos sujeitos da nossa pesquisa, mas não a tomamos como simples métodos de análises. Corroboramos com o que Minayo (2010) descreve sobre estas perspectivas teóricas quando diz que ambas partem do princípio de que não há observador imparcial, ambas tomam o pesquisador parte da realidade que investiga e questionam o tecnicismo como caminho para compreensão e crítica dos processos sociais. Assim, sem compromisso de filiação a uma ou outra teoria social, nos aproximamos delas para interpretar as narrativas de homens metalúrgicos que vivenciam o adoecimento e incapacitação por LER/Dort.