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CAPÍTULO 3 PERCURSOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

3.2 Abordagem teórico-metodológica da ADC

Na proposta de abordagem teórico-metodológica da ADC, de Chouliaraki e Fairclough (1999), o objetivo é refletir sobre a mudança social contemporânea, sobre mudanças globais de larga escala e sobre a possibilidade de práticas críticas sobre estruturas estabilizadas na vida social, conforme ilustramos no Quadro 3.1:

Quadro 3.1 - Abordagem teórico-metodológica da ADC 1- Um problema social com aspectos discursivos (atividade, reflexividade) 2- Obstáculos a serem

superados

(a) Análise da conjuntura (b) Análise da prática particular

(I) práticas relevantes

(II) relações do discurso com outros momentos da prática

(c) Análise de discurso (i) análise estrutural (ii) análise interacional

3- Função do problema na prática

4- Possíveis maneiras de superar os obstáculos Reflexão sobre a análise

Adaptado de Resende e Ramalho (2009, p. 37).

Como já esclarecemos no Capítulo 2, segundo a operacionalização do Realismo Crítico na ADC, os momentos constituintes de uma prática social são discurso (ou semiose, para abarcar imagens, sons, gestos), atividade material, relações sociais (relações de poder e luta hegemônica pelo estabelecimento, manutenção e transformação dessas relações) e fenômeno mental (crenças, valores e desejos). Ao longo de toda a pesquisa, investigamos a formação continuada de professores/as, na perspectiva sócio-histórica e cultural situada, focando nossos estudos, principalmente, nas práticas de formação no âmbito das instituições de ensino de anos iniciais. Nessa perspectiva, o discurso é visto como um momento da prática de formação de professores, dialeticamente articulado com as atividades materiais que são desenvolvidas – as práticas de estudo nos eventos de letramento e as atividades de planejamento dos/as professores/as, com as relações sociais – as relações de interação entre os/as coordenadores/as, assim como com fenômenos mentais, tais como as reflexões sobre a prática pedagógica. Isso implica que, nessa concepção, o discurso é tanto um momento da prática social que constitui outros momentos sociais, como também é constituído por eles, em

uma relação dialética de articulação e internalização. Tendo isso em vista, o objetivo geral da pesquisa é:

Investigar (inter)ações, representações e identificações nos eventos de letramento(s) da coordenação pedagógica pesquisados e o potencial dessa prática para a formação continuada crítica de professores/as.

Assim sendo, nossa questão principal de pesquisa é:

Em que aspectos as (inter)ações, representações e identificações nos eventos de letramento(s) da coordenação pedagógica podem contribuir para a formação continuada crítica de professores/as?

Os objetivos específicos, por sua vez, são:

 Investigar a conjuntura social em que passam a acontecer os eventos de coordenação pedagógica nas escolas do SEEDF;

 Investigar (inter)ações, representações e identificações nos eventos de letramento(s) da coordenação pedagógica, e o potencial dessa prática para a formação continuada crítica de professores/as;

 Investigar elementos da ação-interação (atividade, relações sociais, pessoas, tecnologias) implicada nos eventos de letramento pesquisados;

 Investigar representações dos/as professores/as a respeito da coordenação pedagógica como locus de formação continuada e de letramento como base para seu desenvolvimento e seu desempenho profissional;

 Investigar o que é identificado como prioridade nas Diretrizes Pedagógicas do Bloco Inicial de Alfabetização no que tange aos princípios da formação continuada e do letramento.

A coordenação pedagógica constitui-se como um problema de cunho social, a medida que pressupõe relações de poder entre os atores envolvidos: coordenadores/as e equipe de professores. As relações e interações docentes na coordenação pedagógica, em determinado sentido, podem legitimar (ou deslegitimar) práticas pedagógicas tradicionais e as representações dos/as professores/as nos auxiliam na compreensão acerca da coordenação pedagógica como espaço de letramento(s) e formação docente. Nesse sentido, ressaltamos a importância dos eventos de letramento(s) da coordenação pedagógica para a formação continuada crítica de professores/as.

Conforme discutimos no Capítulo 2, de acordo com a abordagem crítico-explanatória da ADC, uma prática particular envolve configurações de diferentes momentos da vida social chamados de momentos da prática. Ações localizadas são responsáveis pela produção e reprodução ou transformação da organização social. As práticas sociais podem ser entendidas no contraste entre conjunturas, estruturas e eventos. Assim, a coordenação pedagógica

constitui-se em uma conjuntura específica e situada, interligada a uma rede de práticas. A análise da conjuntura da faceta da formação continuada de professores investigada aqui foi apresentada no Capítulo 1 desta pesquisa, em que discutimos a conjuntura da economia global baseada em conhecimento e das políticas de formação continuada de professores/a em nosso país, bem como elementos da prática particular observada nas escolas em que realizamos a pesquisa etnográfica.

Os eventos principais que analisamos, aqui, são as atividades de leitura e escrita, ou seja, de letramento, desenvolvidas nos encontros destinados à coordenação pedagógica coletiva de professores/as nas escolas em que realizamos a pesquisa de campo. Conforme o que foi observado em campo, a cada encontro, ocorre a leitura discussão de textos ou sobre textos escritos. A direção da escola, representada pelo/a coordenador/a pedagógico/a é quem, geralmente, decide sobre o conteúdo da pauta a ser discutido pela equipe escolar em cada encontro de coordenação. Essa pauta pode incluir assuntos pedagógicos ou assuntos de ordem administrativa, permitindo (ou não) a reflexividade acerca de temas relevantes no contexto escolar Assim sendo, a análise da prática particular da coordenação pedagógica foi iniciada no Capítulo 1 e será concluída no Capítulo 4, a seguir.

A análise de discurso estrutural e interacional é realizada no Capítulo 4, por meio da análise das práticas de letramento de professores/as na coordenação pedagógica, em que discutimos as formas de (inter)agir, representar e identificar(se) nos eventos de coordenação estudados. Por meio de análise das categorias linguístico-discursivas, detalhadas à frente, (i) (inter)ação em gêneros (uma categoria mais ligada a aspectos inter-acionais, pela qual investigamos aspectos da atividade, das relações sociais, das tecnologias discursivas bem como das cadeias de gênero articuladas nos eventos de letramento investigados); (ii) modalidade (uma categoria mais ligada a aspectos representacionais-identificacionais, por meio da qual estudamos o que os documentos formais legais e os/as colaboradores/as julgam como “obrigatório” e “necessário” no que diz respeito a questões de currículo e de letramento; (iii) interdiscursividade (uma categoria, em princípio, representacional, que permite investigar maneiras como aspectos curriculares e de práticas de letramento são representados nos discursos dos documentos formais e do/as colaboradores/as); (iv) avaliação e (v) metáforas (categorias, em princípio, representacionais-identificacionais, pelas quais investigamos o que documentos e atores sociais consideram positivo e desejável, ou não, nas práticas de coordenação/formação).

O procedimento seguinte é o estudo da função do problema na prática, que vai além da análise discursiva e estende-se pela análise das características das práticas sociais, e em

que verificamos formas de superação dos obstáculos encontrados em campo, ou seja, discutimos como as práticas de letramento previstas nas DPB são recontextualizadas na coordenação pedagógica e quais são os fatores que, segundo os/as professores/as, interferem na realização da formação continuada na escola. Finalmente, na análise reflexiva, buscamos formas de contribuir, por meio da abordagem crítico-explanatória da ADC, para uma crítica explanatória sobre o problema no contexto educacional.

Na inter-relação entre textos e eventos, buscamos investigar, em nível mais interacional, como os modos de inter-agir, de representar e de identificar(-se) dos/as professores/as colaboradores/as corroboram (ou não) para um prática pedagógica crítica e reflexiva. A partir das análises interacionais das práticas de letramento de professores/as, podemos refletir sobre as dinâmicas entre as três formas gerais de construção das identidades, conforme Castells (1999, cf. Cap. 2) – legitimadora, de resistência e/ou de projeto –, nos eventos de coordenação pedagógica das escolas pesquisadas.

3.3 As trilhas da pesquisa: trabalho de campo e construção do corpus documental e do