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4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

4.4 Abordagens contemporâneas de gênero e sexualidade

Uma visão mais conservadora e tradicional tende a considerar que a prática pedagógica de gênero e sexualidade deve estar restrita às aulas de Biologia, focando estritamente no conhecimento do corpo e na prática do sexo seguro e culminando em temas como aparelho reprodutor masculino e feminino, menstruação, prevenção a doenças sexualmente transmissíveis e à gravidez não planejada. Isso porque, nos vinte anos após o surgimento da epidemia do HIV/AIDS, no início dos anos 1980, e a partir do reconhecimento da gravidez de jovens em idade escolar, a sexualidade se consolidou no ambiente escolar como lugar de fala em torno da ideia de prevenção (CÉSAR, 2009).

Jimena Furlani (2011) argumenta contra esse entendimento e nos apresenta oito diferentes abordagens contemporâneas para o trabalho de gênero e sexualidade na escola. Segundo a autora, essas diferentes representações estão presentes e/ou repercutem no universo pedagógico brasileiro e cada uma delas pressupõe um entendimento específico de sexualidade, valores éticos, morais, de direitos, dos(as) sujeitos(as) merecedores(as) desses direitos, e ainda o perfil do(a) docente que pensará, planejará e desenvolverá esse processo.

Embora essa divisão possa parecer de um didatismo (talvez) exagerado, a nossa intenção ao trazê-la não é valorizar uma numerosa e distintiva categorização, mas sim revelar o amplo espectro de possibilidades no qual essas práticas estão inseridas. Apesar de serem oito classificações, podemos, grosso modo, condensá-las em dois grupos: quatro abordagens mais conservadoras (tradicionais) e outras quatro mais progressistas e sintonizadas com uma prática pedagógica inclusiva, de respeito às diferenças e de promoção de um ambiente pedagógico democrático. As últimas, portanto, são mais pertinentes ao nosso objeto de estudo.

A primeira delas, a abordagem biológico-higienista tem ênfase na biologia essencialista e mantém inquestionáveis as premissas acerca do determinismo biológico, que considera as diferenças entre homens e mulheres como decorrência dos atributos corporais. Tal percepção contribui tanto para a naturalização das desigualdades sexuais e de gênero quanto para a formulação de enunciados que hierarquizam essas diferenças com premissas machistas, sexistas, misóginas e LGBTfóbicas.

A abordagem moral-tradicionalista defende, incondicionalmente, a abstinência sexual e coloca-se favorável aos papéis sexuais tradicionais, defendendo a monogamia, o casamento, a castidade pré-marital, a educação separada por gênero entre meninas e

meninos e a intolerância com as práticas sexuais e com os modos de viver a sexualidade que não sejam os reprodutivos.

Já a abordagem terapêutica busca causas explicativas para as vivências sexuais consideradas anormais e afirma ser capaz de obter a cura das pessoas, sobretudo dos homossexuais. Para essa abordagem, por exemplo, a ausência de uma relação positiva, íntima e satisfatória com o pai resulta num vazio emocional e em necessidades insatisfeitas que a mãe não pode suprir porque ‘isso é coisa de homem’. Nessa visão, o saldo dessa carência pode tornar os meninos homossexuais como resultado de um processo “anormal” em decorrência da não existência de uma família naturalizada composta por mãe, pai e filho(a) biológico. Tal perspectiva demonstra LGBTfobia, sexismo e misoginia evidentes.

Encerrando o grupo das abordagens mais tradicionais, temos a abordagem

religioso-radical, que se caracteriza pelo apego às interpretações literais da Bíblia,

usando o discurso religioso como uma incontestável verdade (fundamentalismo) na determinação das representações acerca da sexualidade considerada normal.

Como dissemos, essas quatro abordagens citadas representam uma mobilização conservadora de resistência às questões sexuais e de gênero constitutivas de uma prática pedagógica inclusiva e de respeito às diferenças, tais como a crítica dos papéis de gênero promovida pelo movimento feminista e a busca por direitos e igualdade coordenada pelos movimentos LGBTI (WEEKS, 2000).

Louro (2007) explica que a chamada (equivocadamente ) “permissividade sexual e de gênero” provocou a reação de uma parcela conservadora da sociedade que se empenhou em frear as conquistas civis e jurídicas de grupos pertencentes a identidades sexuais subordinadas. Isso seria o que a autora chama de “efeitos contraditórios da visibilidade” (LOURO, 2007) constituindo em um campo de lutas por projetos de sociedades entre, em um pólo, o fortalecimento democrátio de respeito às diferenças e promoção da equidade de gênero e, em outro pólo, um projeto conservador que busca reproduzir as desigualdades econômicas e socioculturais. Vale ressaltar que este último traz como consequência a perpetuação da cultura do estupro e da LGBTfobia em nossa sociedade.

Já as quatro abordagens que serão apresentadas a seguir, segundo Furlani (2011), problematizam os contextos sócio-políticos e culturais, onde a prática pedagógica se insere, e se aproximam do reconhecimento das diferenças como dignas e positivas.

A abordagem dos Direitos Humanos considera o contexto educacional como campo não apenas de produção e reprodução das representações excludentes, mas também como local de contestação e resistência de grupos subordinados. A neutralidade política escolar é questionada, sintonizando com os postulados de Freire (2009), que defende a impossibilidade da neutralidade do trabalho educacional. Essa abordagem fala, explicita, problematiza e destrói ou desconstrói as representações negativas impostas pela sociedade a sujeitos(as) de identidades excluídas.

A abordagem dos direitos sexuais baseia-se na Declaração dos Direitos Sexuais, elaborada em 1997, em Valência, Espanha. Considera os direitos sexuais como Direitos Humanos universais tendo como suporte a liberdade, dignidade e igualdade de todos os seres humanos. Destacam-se os diretos sexuais das mulheres, direitos sexuais LGBTI e direitos sexuais no contexto da infância e adolescência.

Na abordagem emancipatória, de Paulo Freire (2008), destaca-se a prática dialógica e antiautoritária. Para Freire, a educação pode libertar e, para isso, ela deve ser crítica, flexível, participativa, em que professores(as) e alunos(as) devem buscar conjuntamente o conhecimento.

Por último, a abordagem queer recusa o essencialismo sobre a idendidade sexual, fazendo uma ironia deliberada à heteronormatividade. Seu foco é o constante questionamento e crítica ao pensamento normativo que permeia as práticas pedagógicas escolares no tocante às representações sexuais e de gênero.

Para que as práticas sejam executadas tendo como base uma determinada abordagem pedagógica, é preciso que se pense em como esse trabalho será feito, quais serão os métodos pedagógicos escolhidos e para que fins eles serão utilizados na prática docente. É o que exporemos a seguir.