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Para a tão decantada ausência e invisibilidade das mulheres ao longo das ciências na história, nunca é demais lembrar que é uma construção historiográfica contra a qual pelo menos ao final do século XIX e para o século XX, a existência de uma série de indicadores de produtividade cumpre um papel nada desprezível. Rossiter (1982, 1995) entre outras teóricas nos alerta para o caso da participação das mulheres americanas neste período, sem contar que nos anos 1980 na historiografia das ciências, as séries de perfis monográficos, as mulheres ganhadores de Nobel, as herdeiras de Hipatia contribuíram para desmistificar a invisibilidade das mulheres nas ciências.

Lopes (2012) relata que é pequeno o número de mulheres nas posições de poder e prestígio. A história das mulheres cientistas no Brasil no século XX, destaca o papel das mulheres e seu trabalho no Museu Nacional na promoção e divulgação da ciência no Brasil, apesar dos preconceitos, cujas conquistas negam qualquer discurso que desmereça a capacidade feminina e prova que mulheres cientistas não faltam na História. Apesar dos mitos e discriminações, algumas mulheres alcançam status e destaque nacional e internacional, tal como foi Heloísa Alberto Torres, uma unanimidade no meio da Antropologia.

Muitas informações levantadas para reconstruir a história da cientista Heloísa Alberto Torres foram encontradas, nos arquivos, museu, jornais, bibliotecas e na bibliografia primária que se 32 Ibid, 2000, p.91.

refere a ela; sua vida em Itaboraí, sua estadia na Inglaterra durante o período que esteve estudando naquele país, sua experiência como estagiária do Professor Roquette-Pinto no Museu Nacional, onde iniciou um ciclo de trabalho profícuo, que culminou com sua nomeação ao mais alto cargo na direção do referido museu.

Este período, em especial, representou uma nova fase de existência do Museu, ao ter pela primeira vez uma mulher como diretora, o que se constituiu em um marco importante ao identificarmos que uma emblemática instituição científica começava a conceder espaço e possibilidades para o feminino e a partir disso, podemos elaborar reflexões sobre a participação das mulheres nas ciências com o objetivo de contribuir com a construção da história das mulheres nas ciências no Brasil.

Bourdieu (1998) em sua noção de trajetória nos auxilia a pensar a trajetória acadêmica e profissional desta cientista não como uma narrativa coerente de uma sequência de acontecimentos lineares, que tem começo, meio e fim, mas sim, como uma narrativa que constrói e ressignifica percursos, acontecimentos, experiências, representações de si e dos outros, que se desviam e se deslocam a todo momento a partir dos lugares sociais e culturais ocupados pelos sujeitos.

Não podemos compreender a trajetória da cientista Heloísa Alberto Torres, protagonista no desenvolvimento da Antropologia brasileira e no fortalecimento de instituições científicas e de cultura, cujo círculo de influência era muito amplo e majoritariamente masculino, sem ilustrar seu desempenho e centralidade que emanava tanto de sua posição institucional quanto de seu poder de acionar uma ampla rede social formada por antropólogos do mundo todo através da correspondência que mantinha com colegas ou agências de financiamento de pesquisa.

Cumpriu papel fundamental na construção desta disciplina, por meio de projetos e relatórios de pesquisa ou em orientações que dava aos jovens pesquisadores, fruto da vivência em um ambiente de atividade intelectual intensa, vibrante, refinada, numa casa em cuja sala de visitas se reuniam escritores de nomes consagrados.

O resgate de sua trajetória contribui com a desconstrução de ideias tradicionais que consideram as ciências como uma prática exclusivamente masculina. Seu desempenho no mundo público contribuiu para rotinização e normatização das atividades do campo das ciências sociais, sua trajetória a partir dos diferentes círculos sociais a que pertenceu evidencia o modo como colaborou para a manutenção e crescimento do círculo intelectual responsável ao longo do tempo pela formação das ciências sociais na cidade do Rio de Janeiro, juntamente com outras pioneiras.

Para Bourdieu (2001, p. 112), jamais a autonomia científica é total, o que significa dizer que as estratégias dos agentes engajados no campo científico são inseparavelmente científicas e sociais. Bourdieu (2001, p. 113) diz que o campo de relações simbólicas das ciências comporta duas

espécies de capital: um capital de autoridade propriamente científica, preferencialmente internacional. e um capital de poder sobre o mundo científico, que pode ser acumulado por vias não puramente científicas, mas que está no princípio burocrático de poderes temporais sobre o campo, como os dos administradores de ciência, notadamente nacionais.

Domingues (2010) nos relata que Heloísa Alberto Torres naquela segunda metade dos anos 1940, era detentora das duas espécies de capital. Ao mesmo tempo em que detinha uma autoridade no seu campo de conhecimento, detinha um alto grau de capital social.

Dominique Pestre (1996:16) coloca que devemos ter claro que todo aquele que pratica ciência: […] é alguém que adquiriu uma cultura, que foi formado, modelado por um certo meio, que foi fabricado no contato com um grupo e com ele compartilhou as atividades e não uma consciência crítica operante, um puro sujeito conhecedor. Aculturado num conjunto de práticas, de técnicas, de habilidades manuais, de conhecimentos materiais e sociais, ele é parte intrínseca de uma comunidade de um grupo, de uma tradição, de um país, de uma época.

Heloísa Alberto Torres fez da Antropologia um instrumento de luta em defesa da cultura brasileira, trabalhando em projetos e instituições como o Museu Nacional, O Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas do Brasil, O Conselho Nacional de Proteção aos Índios e o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Scott (1999, p. 27) nos diz que os sujeitos são construídos através da experiência e a presença de Heloísa Alberto Torres no cenário antropológico brasileiro foi marcante não apenas pelos atos administrativos que realizou, ou pelos trabalhos acadêmicos que deixou de realizar, mas pelo seu empenho na formação de jovens pesquisadores através da experiência da pesquisa de campo e no desenvolvimento da etnologia.

Ao historicizarmos as experiências vividas por Heloísa Alberto Torres, procuramos romper com argumentos universalizantes, deterministas e essencialistas das identidades femininas, já que Heloísa Alberto Torres mesmo com a exclusão das mulheres discutida em Schiebinger a respeito do fenômeno denominado “teto de vidro”, Heloísa rompeu com paradigmas em sua época, quebrando barreiras e provou que não havia justificativa para a não participação das mulheres nas Ciências. Fazia parte de sua personalidade a sensibilidade e a habilidade para lidar com as pessoas, para estabelecer relacionamentos com os subordinados assim como a sua criatividade que foram aspectos relevantes para sua ascensão profissional.

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