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Abordagens incipientes acerca das temáticas de gênero e sexualidade no espaço

3 GÊNERO, SEXUALIDADE E SUICÍDIO: REFLEXÕES E POSSÍVEIS

4.9 Abordagens incipientes acerca das temáticas de gênero e sexualidade no espaço

No quarto eixo de análise, averiguamos falas a respeito da ausência das temáticas de gênero e sexualidade na escola investigada, inferindo suas percepções acerca dessa falta. Quais seriam as problemáticas relacionadas a essa situação? Quais impactos poderiam trazer nas relações estabelecidas na escola? Sendo assim, Caroline de 17 anos do segundo ano do ensino médio diz que:

Eu acho que a ausência de debates sobre gênero e sexualidade, deixa os alunos muito “acoados”, muito deles com medo de falar sobre isso, de se assumir, de falar abertamente, não deixando eles socializarem entende? Ter medo de dizer o que eles são. Sobre os professores a gente sabe que tem muito professor que é homofóbico e tal, muito machista. Então, trabalhar isso na escola, com a gestão, com o grêmio estudantil, eu acho que a gente consegue fazer tipo, eles mudarem de opinião e aprender a respeitar que é muito importante. Tem muitos professores que não percebem, mas são sim muito preconceituosos. Mas eu acho que o lance do diálogo tem que ter direitinho entre a gente, o grêmio, com o pessoal da gestão. Então, sempre quando dar alguma coisa errada a gente conversa com eles em reuniões, nas palestras que são feitas aqui também na escola, da qual muitas vezes os professores participam das palestras. Então, eu acho que é muito importante sim para o ambiente escolar, principalmente para a escola de ensino médio que muitas pessoas estão se descobrindo, onde poderia ter mais abertura para falar sobre esses assuntos, porque pode perceber que tem uma segurança aqui no colégio para falar sobre isso, para se expressar.

Esse depoimento corrobora diretamente com a fala da Marilia de 16 anos do segundo ano do ensino médio. Ela expressa que:

É, eu acho que a falta dessas abordagens dentro da escola, gera uma falta de instrução dos alunos, porque cada um tem uma realidade diferente e é muito difícil. Pois, não se sabe o que acontece na vida do outro e quando a gente traz essas abordagens para a escola fica mais fácil da gente abrir as nossas mentes, dos professores também, de desconstruir tabus que a gente nem sabia que estava enraizado. Eu acho que é muito importante, porque quando a gente não trata disso na escola, gera preconceitos, gera conflitos entre os alunos, entre os professores, com a gestão.

Nessas duas exposições de ideias encontramos a prevalência da percepção de que, a ausência de trabalhos significativos em relação às temáticas de gênero e

sexualidade incide de forma intensa na convivência e nas relações entre todos os sujeitos presentes no ambiente escolar. Visto que, conforme as falas das alunas, tal situação representa um aumento das demonstrações e práticas de preconceito, intolerância e violências que podem ser configuradas de diferentes maneiras. Assim, como posto pelas mesmas, a deficiência de desenvolvimentos de trabalhos com tais temáticas pode desencadear conflitos internos, problemas de teor emocional, por exemplo, as ideações suicidas, já que, historicamente não se tem esse assunto abordado na instituição familiar, e quando chega à escola, também não encontra o devido suporte, apoio, acolhimento e informação, em especial no período da adolescência.

Para tanto, é importante nos atentarmos nas falas das/os estudantes até aqui, pois deflagraram o caminho quase certo para os problemas emocionais. Independentemente de quais sejam essas questões psicológicas de viés social, fica nítido que aspectos psicossomáticos aparecem e que de acordo com as pesquisas apresentadas neste estudo, a população LGBTQ+ apresenta uma maior inclinação para ideações e tentativas de suicídio.

Podemos também destacar que para alunas e alunos que não seguem as normas de gênero e sexualidade, estes tendem a ser mais afetados por essas ausências, pois não conseguem se ver representadas/os, reconhecidas/os, aceitas/os e respeitadas/os, e é nesse momento, que questões de teor emocional, e sofrimento psíquico podem surgir.

Desta forma, se posicionar frente à presença dessas categorias como eixos passíveis de debates e de conhecimento, é imprescindível no sentido de resguardar vidas, de instruir, reconhecer e legitimar variadas formas de existência. Além de que, como apontado pelas alunas/os, costumeiramente os professores/as, a gestão, se encontram com atitudes que revelam um despreparo, resultante também do descaso da formação de base dos professores/as.

Assim, entendemos que a presença de trabalhos pedagógicos significativos que atravessam as questões de gênero e sexualidade, perpassam por desconstrução de tabus e preconceito de toda uma sociedade, de políticas públicas, de debates em torno do currículo, de formações efetivas para professores/as, disponibilidade e iniciativa das práticas escolares.

Conforme trazido em capítulos anteriores, se observarmos as relações que existem entre o processo de escolarização e à disciplinarização dos corpos de crianças e jovens, constataremos que a educação do sexo, numa perspectiva reguladora, se encontra em um lugar privilegiado no espaço escolar desde sempre.

O “sexo bem-educado” se apresentou ao longo da história como parte fundamental do processo de escolarização, mesmo que este não tenha sido abordado de forma explícita, com atividades, trabalhos voltados para essas temáticas ou mesmo de uma disciplina específica, pois a regulação e normalização de uma pretensa sexualidade “correta e normal” de crianças e jovens nas escolas foi e continua sendo uma tônica na conformação da pedagogia moderna (CÉSAR, 2009 apud COSTA, 1983).

Evidenciando as presenças e as ausências que há na escola a partir do desenvolvimento de trabalhos com temáticas de gênero e sexualidade, é interessante refletir que ainda que não percebamos, a educação para o estudo de gênero e sexualidade no contexto escolar contemporâneo pode tornar-se um dispositivo para entendermos melhor a história da sexualidade pela perspectiva dos nossos mecanismos de exclusão e de produção da norma sexual.

Nesta direção, reivindicar a presença de estudos de gênero e sexualidade que rompem com “o corpo bem-educado”, bem como, as barreiras que envolvem os preconceitos e violências por gênero e sexualidade na instituição escolar, conforme César (2011, p. 49) é:

Nesta perspectiva, que as sexualidades, educação sexual e diversidade sexual se referem a práticas de liberdade, na medida em que os limites de nosso pensamento deverão ser transcendidos em nome de outras possibilidades tanto de conhecer como de amar.

Desta maneira, é necessário que caminhemos continuamente nessa discussão para que possamos resistir aos possíveis mecanismos de produção e reprodução dessa norma. Da qual, acabaremos por entender que a manifestação da educação para o gênero e sexualidade, nas escolas será, antes de tudo, um ato político.

4.10 Os atravessamentos entre gênero e sexualidade na escola e a manifestação do