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À medida que as soluções etnometodológicas, no início da década de 90, começaram a apresentar limitações quanto ao oferecimento de guias para a atividade de design [Plow- man, Rogers e Ramage 1995], os próprios projetistas passaram então a realizar os estudos de campo. Profissionais de design usualmente oferecem métodos sistemáticos orientados à construção de frameworks e modelos para representação do contexto social e organizacio- nal onde o sistema será usado [Maguire 2001a; Kujala et al. 2003; Vicente 1999] (linha de abordagem 2 da Figura 5-1).

Nestas abordagens, a observação e o detalhamento das práticas sociais são usual- mente direcionados por fatores pré-concebidos de modo a alcançar uma maior praticidade e integração com a Engenharia de Requisitos e/ou projeto de interfaces. Nesta linha de trabalhos podemos destacar:

a) As abordagens de design centrado no usuário [ISO-13407 1999; Kujala 2002] vol- tadas a sistemas interativos, que são centradas em técnicas, tais como, contextual inquiry [Beyer e Holtzblatt 1999], análises da tarefa [Hackos e Redish 1998] e es- quemas de classificação de fatores do contexto de uso [Maguire 2001a].

b) As abordagens centradas em análises cognitivas do trabalho [Vicente 1999], que são lastreadas em um conjunto de seqüências de tarefas com suas respectivas ações cognitivas no sujeito.

Além das soluções orientadas a modelos, também surgiram alternativas mais ope- racionais para o elevado consumo de tempo e esforço do método etnográfico. Hughes et al. (1995), por exemplo, classificam um tipo de etnografia voltada ao design denominada de “rápida e suja”, que é bastante curta (poucas semanas) em relação aos estudos tradicio- nais (vários meses ou anos). Alguns autores oferecem inclusive um conjunto de práticas de “etnografia rápida” para acelerar o processo de análise social [Milen 2000].

No geral, os projetistas de software quando realizam estudos de campo argumen- tam que é sempre necessário comprometer o puritanismo do método etnográfico (baseado na etnometodologia) para trazer resultados úteis para o design (Hughes et al. 1995; Shapi- ro 1994; Macaulay, Benyon e Crerar 2000: Andreou 2003). Por outro lado, a principal argumentação contrária ao uso destas abordagens, sobretudo dada pelos etnometodologis- tas, é que a pesquisa de campo fica direcionada a obtenção dos modelos e frameworks, e não para o entendimento amplo do ponto de vista do usuário. Ou seja, os riscos inerentes destas iniciativas estão sempre na perda da sensibilidade aos dados, e a, conseqüente, falta de confiabilidade do estudo de campo realizado [Crabtree et al. 2000; Dourish 2006].

Para alguns pesquisadores, a imersão no ambiente de trabalho é importante, mas não o suficiente para um estudo de campo de valor [Dourish 2006]. A questão está tam-

“Se na primeira onda [ trabalhos em etnometodologia] os trabalhos poderiam ser chama- dos de estudos de campo analíticos, usando os dados coletados como materiais de análi- se, a segunda onda [trabalhos orientados pelo design] pode ser vista como estudos de campo de “cena”, registrando apenas o que é para ser analisado” [Button 2000, p. 238].

Conjectura-se que uma dificuldade associada a estas abordagens mais pragmáticas está nas limitações dos atuais modelos cognitivos usados na Engenharia de Requisitos [Lamsweerde 2000; Nuseibeh e Easterbrook 2000] e em IHC (iniciais de Interface Ho-

mem Máquina) [Hackos e Redish 1998; Carrol 2003]. Discutem-se já há algum tempo as

restrições do uso de modelos cognitivos (orientados a objetivos ou ao processamento de informações) em propiciar um suficiente entendimento do trabalho diário presente na vida das pessoas, ou seja, do que ocorre durante e ao redor da realização das atividades do tra- balho [Schuman 1987; Kutti 1996; Nilsson 2005; Kaptelinin e Nardi 2006].

As limitações do uso de modelos cognitivistas para a descrição de práticas sociais começaram a ficar amplamente conhecidas ao final da década de 80 com o célebre livro de Lucy Schuman “Plans and Situated Actions” (1987). Nele é demonstrado que as pesso- as no dia a dia não seguem planos e processos, pois as práticas sociais são situacionais e criativas respondendo de forma oportuna e flexível aos recursos presentes no ambiente.

Usualmente os métodos centram-se na visão “organizacional e explícita” do traba- lho, que é orientada as tarefas, métodos e procedimentos. Os mesmos acabam não levando muito em consideração a visão “orientada a atividade e tácita” que enfatiza as práticas humanas, os relacionamentos sociais e a coordenação através da qual as tarefas são reali- zadas [Sachs 1995].

A maioria dos trabalhos centrados em análises cognitivas focaliza-se na relação do usuário com o sistema, não abrindo o leque de análise para o ambiente, as demais a- ções humanas e os motivos que circundam e dão significados a esta relação [Kaptelinin e Nardi 2006]. Nas palavras de Sommerville (2004): “As realidades práticas do trabalho estão longe dos simples e frequentemente elegantes modelos apresentados em uma descri- ção de casos de uso. Em ambientes de trabalho e domésticos, pessoas possuem várias preocupações fora da interação com algum sistema e são invetavelmente multi-tarefas – realizando outras coisas ao mesmo tempo que usam o sistema”.

5.3.1

Abordagens que usam a Técnica i*

A técnica i* (“i estrela”) [Yu 1995] diferencia-se dos modelos cognitivos por incorporar aspectos intencionais e de dependências estratégicas aos elementos processuais associados a objetivos, tarefas e recursos dos atores organizacionais. Tem-se verificado nos últimos anos uma expansão na aplicação desta técnica na área de Engenharia de Software, sobre- tudo voltado à concepção de sistemas multi-agentes [Castro, Kolp e Mylopoulos 2002]

É importante ressaltar que os modelos i*, apesar de incorporarem aspectos de in- tencionalidade aos elementos processuais cognitivos, não fornecem elementos suficientes para descrever os diversos fatores sociais existentes. Aspectos relativos ao ambiente físico (mobília, espaço físico, condições climática), características dos sujeitos (idade, limita-

blemas existentes (tensões, contradições, entraves que dificultam a realização das ativida- des), bem como fatores que descrevem atividades colaborativas (regras sociais, coordena- ção, divisão de trabalho) são exemplos de informações do contexto que são difíceis de serem modelados usando a técnica i*.

Além disto, dentre os desafios atuais existentes (ver seção 4.3.3 no capítulo 4) pa- ra o futuro desenvolvimento da técnica, destacamos aqui o de conceber métodos apropri- ados para elicitação de modelos “válidos” do contexto organizacional a partir de estudos das práticas humanas. Trabalhos recentes têm procurado abordar esta lacuna utilizando estudos centrados no usuário baseados em modelos cognitivos [Jones e Maiden 2004; Grau, Franch e Maiden 2005]. Uma análise comparativa da solução abordada nesta tese, que se baseia na construção de modelos i* a partir de estudos qualitativos de campo, com o trabalho citado é descrita no capítulo 7 (seção 7.4).

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