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4. CASOS PONTUAIS

4.3. ABORTO

4.3.1 ABORTO DE ANENCÉFALO

Além de tudo o que já foi colocado acerca do aborto, cumpre discorrer acerca

do aborto de anencéfalo, mais um caso em que prevaleceu o ativismo judicial, por

não chegar o Congresso Nacional a uma conclusão sobre o assunto.

Em 2004, foi apresentado o projeto de lei nº 4.403, visando descriminalizar o

chamado “aborto terapêutico”, em caso de anomalia grave e incurável do feto,

inclusive anencefalia.

Após parecer favorável da CSSF, o projeto foi encaminhado à CCJ em maio

de 2015, sem nova movimentação até os dias atuais.

O aborto de anencéfalo foi descriminalizado na prática pelo STF, no já aqui

citado julgamento da ADPF nº 54

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, em 2013. É a ementa do julgamento:

ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.

Em seu relatório, o Ministro Marco Aurélio narrou sobre as audiências

públicas ocorridas no STF, tal como ocorre comumente no Congresso Nacional,

quando se trata de temas como esse, sendo ouvidos os seguintes representantes

religiosos:

O primeiro dia de audiência pública destinou-se a entidades religiosas e sociológicas. Os trabalhos iniciaram com a oitiva dos Drs. Luiz Antônio Bento e Paulo Silveira Martins Leão Júnior, representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Ambos defenderam a humanidade do feto em gestação, independentemente de má-formação, bem como o fato de a reduzida expectativa de vida não ter o condão de lhe negar direitos e identidade. Argumentaram que “a vida de cada indivíduo não é apenas um bem pessoal inalienável, mas também um bem social”, ou seja, cabe à própria sociedade a promoção e defesa dos direitos do feto portador de anomalia, não podendo o Estado julgar o valor intrínseco de uma vida pelas deficiências.

A seguir, o Dr. Carlos Macedo de Oliveira, representante da Igreja Universal do Reino de Deus, sustentou o livre arbítrio de todo ser humano. Disse prevalecer, nesse caso, o desejo da mulher, única capaz de dimensionar o impacto pessoal de uma gravidez de feto anencéfalo. Apontou as diferenças entre descriminalizar a citada espécie de aborto e torná-lo obrigatório para todas as mulheres,

138 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54, 2013.

independentemente da opção religiosa, cultural ou social. (ADPF 54, p. 19-20).

Curiosamente, a Igreja Universal do Reino de Deus se posicionou, ao

contrário da Igreja Católica e de tudo o que havia sido declarado pelas

denominações evangélicas, a favor do aborto de anencéfalo.

Com essa opinião, a denominação desagradou às demais representações

evangélicas, bem como aos parlamentares religiosos, que se manifestaram após o

julgamento. A manifestação também surpreendeu alguns parlamentares não

religiosos. Ademais, o ativismo judicial, praticado pelo STF, é visto por muitos como

“usurpação” de poderes, conforme já explanado. Em reportagem do portal de

notícias G1, a manifestação de alguns destes:

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Everaldo Pereira

Vice-presidente do Partido Social Cristão (PSC) e pastor da Assembleia de Deus

"Em casos de bebês anencéfalos, que não têm condições de sobrevida, cabe somente ao Criador se encarregar do desfecho, sem que uma mãe venha a carregar um sentimento de culpa pelo resto da vida. A decisão do STF abre um precedente perigoso para a legalização do aborto no país. Daqui a pouco, crianças portadoras de qualquer outra anomalia também poderão ter suas vidas interrompidas por suas mães com o aval do Estado. Não podemos admitir tal atrocidade!"

João Campos

Deputado pelo PSDB-GO, presidente da Frente Parlamentar Evangélica

"Lamentavelmente, isso está se tornando rotina por parte do Supremo. Logo, esse não é o primeiro exemplo de usurpação de atividade do Parlamento brasileiro. O que me indigna é, primeiro, o Supremo agir com um ativismo judicial, que gera uma insegurança jurídica para toda a nação, e ao mesmo tempo, o fato de as principais lideranças do Parlamento não terem essa percepção, de que essa atitude do Supremo Tribunal Federal apequena o Parlamento e é ruim para a democracia. Eu acho que a nossa reação não é contra o Supremo, é a favor da democracia e do Estado de Direito.”

Lincoln Portela

139 Veja como repercutiu a decisão do STF sobre aborto de feto sem cérebro. G1. Brasília, 12 abr. 2012. Disponível em: < http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/veja-como-repercutiu-decisao-do-stf- sobre-aborto-de-feto-sem-cerebro.html>. Acesso em: 17 maio 2016.

Deputado pelo PR-MG e integrante da bancada evangélica “Independentemente do mérito, é lamentável que o Supremo continue legislando. Agora, legisla porque mais lamentável ainda é esta Casa abrir espaço para que o Supremo cumpra o papel que seria desta Casa e do Senado Federal. Eu, particularmente, no mérito, sou contra o aborto, mas há questões que precisam ser analisadas mais profundamente.”

Marcelo Crivella

Ministro da Pesca e Aquicultura e senador (licenciado) pelo PRB-RJ "É mais uma decisão do Supremo usurpador. O Supremo usurpador desenvolve teses inconstitucionais e inclusive antidemocráticas. Desclassificar a priori qualquer instituição pró-vida por achar que os argumentos são religiosos é um preconceito inominável, que tem um alcance, eu diria até, ariano. [...] Quer dizer, descartaram a todos, e dez, onze brasileiros vão decidir um tema que o Congresso não decidiu exatamente porque não amadureceu uma solução pacífica para a controvérsia."

Silas Câmara

Deputado pelo PSD-AM, membro da Frente Parlamentar Evangélica "A decisão é absurda. Eu não entendo porque os caras que têm dezenas, centenas de milhares de processos para serem julgados, alguns deles importantes, inclusive de corrupção, achem que é mais importante julgar, por exemplo, aborto e casamento de pessoas do mesmo sexo."

Portando, o que o STF discutiu, no referido julgamento, foi “o que é vida”, eis

que o aborto é crime previsto no Código Penal. Assim, não poderia ser permitido

judicialmente, posto que o judiciário deve aplicar leis, e não suprimi-las do

ordenamento jurídico.

Ao se permitir o aborto de anencéfalo, foram utilizados os argumentos de

que ao feto sem cérebro não haveria possibilidade de vida. Pergunta-se – e tal

pergunta é retórica – se não foram ultrapassadas as atribuições do STF, se essa

discussão não deveria ocorrer (ou continuar ocorrendo) no poder legislativo.

O fato de existirem parlamentares religiosos, que muitas vezes também

ultrapassam as suas atribuições, ao tentarem forçar seus entendimentos religiosos

onde estes não cabem, não retira dos mesmos o poder de legislar, dado pelo povo.

Acerca do questionamento dos parlamentares religiosos, se a permissão do

aborto de anencéfalo não levaria a outras permissões, fazendo com que fetos com

deficiências as mais diversas fossem abortados legalmente, não se mostrou de todo

incorreta.

Ao final de 2015, surge no Brasil a epidemia de zika vírus, que,

aparentemente, pode provocar microcefalia nos fetos em formação.

Em fevereiro de 2016, a ONU recomendou que o aborto seja

descriminalizado, considerando-se a referida epidemia.

140

Porém, sabe-se que a microcefalia é completamente diferente da

anencefalia, sendo que pessoas portadoras de microcefalia podem viver

normalmente, assim como pessoas não portadoras.

Ainda assim, inúmeros requerimentos foram protocolados na Câmara dos

Deputados e no Senado Federal para que se discuta a questão da epidemia, não

apenas de zika vírus, mas da microcefalia em si.

O deputado evangélico Anderson Ferreira apresentou, em fevereiro de 2016,

o PL 4.396/2016, que visa alterar o Código Penal para aumentar a pena ao aborto

cometido em razão da microcefalia ou anomalia do feto.

141

Um grupo de advogados já anunciou que prepara ação para ajuizar no STF

sobre o assunto, o que poderá se tornar mais um caso de ativismo judicial.

142

Há quem defenda a realização de plebiscito para a definição do assunto,

porém, para os grupos que defendem a sua descriminalização, seria uma maneira

de manipulação da opinião pública.

143

No Senado foi aprovada a realização de audiência pública na Sugestão

Popular nº 15, visando “Regular a interrupção voluntária da gravidez, dentro das

doze primeiras semanas de gestação, pelo sistema único de saúde.”

144

140 SENRA, Ricardo. ONU defende descriminalização do aborto em meio à epidemia de zika. BBC Brasil. São Paulo, 05 fev. 2016. Disponível em:

<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160205_onu_aborto_zika_rs>. Acesso em: 10 maio 2016.

141 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de lei n. 4.396 de 16 de fevereiro de 2016. Altera dispositivo do Código Penal (DecretoLei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) para prever aumento de pena no caso de aborto cometido em razão da microcefalia ou anomalia do feto. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=D209FA900E30B18913D 427FEDB720486.proposicoesWeb1?codteor=1433470&filename=PL+4396/2016>. Acesso em: 17 maio 2016.

142 SENRA, Ricardo. Grupo prepara ação no STF por aborto em casos de microcefalia. BBC Brasil. Brasília, 29 jan. 2016. Disponível em: <

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160126_zika_stf_pai_rs>. Acesso em: 17 maio 2016.

143 ARAÚJO, Thiago de. Jornal Folha de S. Paulo sugere que plebiscito é a melhor forma para discutir o aborto em meio à epidemia de zika e microcefalia. Huffpost Brasil. 07 fev. 2016. Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/2016/02/07/folha-plebiscito-aborto_n_9181728.html>. Acesso em: 17 maio 2016.

Para grupos defensores do aborto, esta seria uma maneira melhor de

consulta pública que a realização de plebiscito.

Desde 2015, diversas audiências públicas vêm sendo realizadas na

Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado. Também já

foram juntados ao processo alguns abaixo-assinados contra a descriminalização do

aborto, tendo sido entregues por grupos católicos e evangélicos.

A sugestão popular continua em tramitação.

144 BRASIL. Senado Federal. Sugestão popular n. 15 de 16 dez. 2014. Regular a interrupção voluntária da gravidez, dentro das doze primeiras semanas de gestação, pelo sistema único de saúde. Disponível em: < http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/119431>. Acesso em: 17 maio 2016.

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