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Os homens ainda cantam e as crianças respondem, fazendo o coro. As músicas, porém, começam a se transformar. Percebe- se que já está passando da crítica ao latifúndio e das verrumas do governo para gritos de guerra. Os gestos também vão mudando do abraço fraterno para o punho cerrado.43

 A luta por Reforma Agrária no Brasil

No Brasil do início dos anos 1980, após quase duas décadas de regime militar, a sociedade civil brasileira intensifica a movimentação política e a contestação social. No decorrer da década, o Movimento pela Anistia e as greves operárias do ABC paulista são faces visíveis do inconformismo e da luta social. Porém, não são as únicas. No tocante aos conflitos agrários, muitos sujeitos põem-se em luta nesse período: os Sem Terra, os Sindicatos de Trabalhadores Rurais,44 a Comissão dos Atingidos por Barragens (CRAB),45 o Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR),46 os agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT)47 e da Pastoral da Juventude Rural

43SILVA, José Gomes da.apud GORGEN, Frei Sérgio A.O massacre da Fazenda Santa Elmira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

44 Em Pernambuco, numa articulação entre a CONTAG, a FETAPE e os sindicatos de trabalhadores rurais, cerca de vinte mil trabalhadores pararam suas atividades em outubro de 1979. Mesmo calcada em princípios legais, a greve dos canavieiros carregou consigo o estigma de um movimento subversivo. Afinal, desde o golpe militar, que a palavra greve era sinônimo de ilegalidade na região. Ademais, no caso pernambucano, marcado pela dominação senhorial dos homens de engenho, a greve ou a simples expressão de contrariedade em relação às normas costumeiras ditadas pelos patrões representava uma afronta inestimável. A greve de 1979 foi seguida por outra, no mesmo período do ano seguinte, na qual mais de 250 mil trabalhadores paralisaram suas atividades. O sucesso destes dois movimentos permitiu a constituição do que Sigaud (1986) chamou de „um ciclo de greves camponesas‟ que se estendeu por toda a década de 1980. SIGAUD, Lygia Maria, Efeitos sociais de grandes projetos hidrelétricos: as barragens de Sobradinho e Machadinho. Rio de Janeiro: Museu Nacional, 1986.

45 Naquele momento, a Comissão era formada principalmente pelas famílias que tiveram suas terras desapropriadas pela construção da hidroelétrica de Itaipu e que daria origem ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). REBOUÇAS, Lidia Marcelino. Da exclusão à participação: o moimento social dos trabalhadores atingidos por barragens. São Paulo: Edusp, 2002.

46 A partir de meados dos anos 1980, as mulheres intensificaram sua atuação nos sindicatos rurais, criando a Comissão de Mulheres, o que depois deu origem ao Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais. BRASIL. Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais. Uma história de mulheres: uma história da organização do movimento de mulheres trabalhadoras rurais do sertão central de PE. 2. ed. Serra Talhada: editora, 2004.

47A Comissão Pastoral da Terra (CPT) nasceu em junho de 1975, durante o Encontro de Pastoral da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e realizado em Goiânia

(PJR),48 ambas ligadas à Igreja Católica, as quais, organizadas junto às comunidades Eclesiais de Base (CEBs)49 e as Pastorais Sociais,impulsionadas pela reflexão da Teologia da Libertação, estão em consonância com as lutas sociais do período.

Considerando este cenário da metade dos anos 1980, percebemos o início de uma nova etapa quanto à Questão Agrária no Brasil. Ressurgiram os movimentos sociais camponeses, assim como o debate político e intelectual sobre o tema. No âmbito do Estado e na sociedade, a questão do uso da terra voltou a ter destaque. Novas propostas são apresentadas periodicamente, mas o avanço ainda é tímido, pois se depara com forte resistência dos grandes latifundiários e seus representantes políticos. Nesse período, pode-se dizer que a necessidade de uma Reforma Agrária é reconhecida por quase todos os setores sociais.

Segundo Bernardo Mançano Fernandes, com a chamada Redemocratização do País na década de 1980, ocorreu a consolidação do modelo agroexportador e agroindustrial. Paralelamente, a luta se territorializou, provocando um aumento das ocupações de terra. No campo brasileiro, as ocupações de terra se intensificam. Em especial, no Sul, diversas ocupações acontecem em várias regiões do Rio Grande do Sul. Essas ocupações buscavam terra, e alguns grupos lutavam pela Reforma Agrária. Localizamos aqui o nascedouro da história do MST.50 E, para começarmos a contar essa história, nossa inspiração teórica e também política vem de Edward Thompson:

Estou tentando resgatar o pobre tecelão de malhas, o meeiro luddita, o tecelão do “obsoleto” tear manual, o artesão “utópico” e mesmo o iludido seguidor de Joanna Southcott, dos imensos ares superiores de condescendência da posteridade. Seus ofício e tradições podem estar desaparecendo. Sua hostilidade diante do novo industrialismo pode ser retrógada. Seus ideais comunitários podiam ser fantasiosos. Suas conspirações insurrecionais

(GO). Inicialmente a CPT desenvolveu junto aos trabalhadores e trabalhadoras da terra um serviço pastoral. (www.cptnacional.org.br)

48 A Pastoral da Juventude Rural ou PJR, no âmbito da igreja católica, organiza a juventude camponesa no Brasil. Tem como pauta reivindicações para a melhoria de vida da juventude rural, de caráter progressista ou de esquerda, atuando junto com outros movimentos sociais do campo. Assim como a Comissão Pastoral da Terra, a PJR é vinculada à Igreja Católica. Participa também da Via Campesina. (www.pjr.org.br)

49As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) são comunidades ligadas à Igreja Católica que, incentivadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), se espalharam principalmente nos anos 1970 e 80 no Brasil e na América Latina. Consistem em comunidades reunidas, geralmente, em função da proximidade territorial, compostas principalmente por membros das classes populares, vinculadas a uma igreja, cujo objetivo é a leitura bíblica em articulação com a vida. SANTOS, Irineia Maria Franco dos. Luta e perspectiva da teologia da libertação: o caso da comunidade São João Batista, Vila Rica, São Paulo: 1980-2000. 2006. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

podiam ser temerárias. Mas eles viveram nesses tempos de aguda perturbação social, e nós não. Suas aspirações eram válidas nos termos de sua própria experiência; se foram vítimas acidentais da história, continuam a ser, condenados em vida, vítimas acidentais.51

É com este olhar de respeito às lutas e aos sujeitos sociais que protagonizam a história que também estamos nos posicionando em relação a esse estudo. Aqui estamos contando a história de famílias pobres: homens, mulheres e, especialmente, crianças camponesas que, no MST, se fizeram presentes na luta social. Continuam a ser camponeses, mesmo quando nas circunstâncias do êxodo são tangidos em direção às grandes cidades; continuam a ser camponeses quando transgridem as leis estabelecidas em busca de uma vida melhor.

No decorrer da história e da década de 1980, no nascedouro do MST, os Sem Terra procuram mostrar que a luta e o protesto social trazem respostas aos anseios dos trabalhadores:

Já em 1978 companheiros nossos faziam a conquista de um pedaço de terra em Bagé. Eles tinham sido expulsos da reserva indígena Nonoai e acampado na estrada. Em 1979, ocupamos as fazendas Brilhante e Macali, no município de Sarandi. Em 1980, realizamos o acampamento da Encruzilhada Natalino.52

Nesse momento, as ocupações de terra já são uma constante na região Sul do Brasil. A ocupação de áreas improdutivas acontecia desde muito na história da luta dos trabalhadores do campo. De meados da década de 1970 em diante, intensificam-se. Nos acampamentos, fica visível a dura realidade de miséria vivida pelos Sem Terra. Malgrado a miséria e o desamparo havia ali a semente de um novo e ativo modo de luta; segundo Abramovay: “o acampamento é uma forma ativa de espera que dá existência política concreta ao desejo dos trabalhadores da terra”.53

Contrastando com diversas imagens de uso corrente no período, quase todas eivadas de preconceito e reverberando o estigma contra os pobres; José Gomes da Silva,54 em visita aos Sem Terra do Rio Grande do Sul, em 1988, reconhece no

51 THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa, 1: a árvore da liberdade. Tradução de Denise Bottman. 6.ed.São Paulo: Paz e Terra, 2011.

52 MST. O MST é você.1987.

53ABROMOVAY, R. Nova forma de lutar pela terra: acampar. Revista da ABRA,Campinas, 15(2), 1985.

54 Fundador da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), foi um dos redatores do Estatuto da Terra.Coordenou a equipe que elaborou a Proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária e é ex- presidente do Incra.Autor de inúmeras publicações sobre o tema agrário, secretário de Agricultura e Abastecimento do governo Franco Montoro em São Paulo e coordenador da área de agricultura e reforma

acampamento um lugar onde os homens ainda cantam e as crianças, respondem em coro; um lugar em transformação:

Ao contrário de outros aglomerados de gente, como os que vimos em zonas carentes da Índia, nas favelas de São Paulo ou nas Palafitas do Recife, o acampamento é limpo. Não cheira à distância. Há, dentro das tendas, fogões limpos, panelas brilhando. Os homens ainda cantam e as crianças respondem, fazendo o coro. As músicas, porém, começam a se transformar. Percebe-se que já está passando da crítica ao latifúndio e das verrumas do governo para gritos de guerra. Os gestos também vão mudando do abraço fraterno para o punho cerrado.55

Assim o intelectual descreve de modo vivo os acampamentos formados nesse período. De sua narrativa salta um comparativo entre os pobres na Índia como nas favelas de São Paulo ou do Recife; destacando desde o zelo com a arrumação do lugar e com os utensílios da vida doméstica até a presença da música já cantada em coro. O coro como metáfora do coletivo que se organiza suscita em sua observação acurada o indício dos começos de uma transformação: nos gestos, nas palavras de ordem, no espírito fraternal ensaiando novas coreografias de punho erguido.

Em quase todos os acampamentos, as barracas eram organizadas de maneira a formar espécie de ruas paralelas que desembocavam em uma parte “central”, geralmente, onde se erguia um barracão maior para reuniões, assembleias, celebrações religiosas e onde funcionava a Escola. Nessa parte central, também ficava uma grande Cruz de madeira e a bandeira do MST.

A sucessão de ocupações realizadas pelos Sem Terra do Rio Grande do Sul, nesse período, possibilitaram as primeiras tentativas de articulação dessas ações em torno de uma organização comum. O MST brota dessa terra fértil das ocupações que acontecem no Sul do País. São as famílias que estão mobilizadas e em movimento que formam o MST. No decorrer deste primeiro capítulo, destacaremos as ocupações que mais contribuíram para a possibilidade dessa articulação do Movimento. Desde já, ressaltamos a ocupação da Encruzilhada Natalino e da Fazenda Annoni como duas dessas significativas ocupações; que passariam à história social da luta camponesa no Brasil como marcos ou pontos de inflexão nas novas formas de reivindicação por direitos dos pobres da terra.

agrária do “governo paralelo” do Partido dos Trabalhadores (PT).GORGEN, Frei Sérgio A. O massacre da Fazenda Santa Elmira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

55SILVA, José Gomes da.apud GORGEN, Frei Sérgio A.O massacre da Fazenda Santa Elmira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.

A demanda por terra é constante na história do Brasil. Os Movimentos Sociais e aqui, particularmente, o MST agregam outras pautas à luta específica pela terra. Os Sem Terra passam a lutar por um leque de direitos que lhes são negados: terra, trabalho, saúde, educação, vida digna. Além da conquista dos direitos básicos, a luta incorpora o anseio por uma nova sociedade justa e igualitária. No conjunto dessas lutas por terra e direitos, a CPT e alguns padres, bispos, freiras e leigos irmanados pelos princípios da Teologia da Libertação são apoiadores das lutas do período.

Na conjuntura eclesial, a partir dos anos 1960, com o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica mudou o eixo de sua atuação na América Latina. Até então, estava voltada à sociedade política, exercendo influência junto ao Estado por meio de partidos democratas cristãos e movimentos sociais como a Ação Católica. A partir do Concílio, desenvolveu estratégias para voltar-se à sociedade civil, passando a ser, ela própria, um agente ativo na organização dessa sociedade, por meio das pastorais sociais e das comunidades eclesiais de base.56

Na segunda metade do século XX, a Teologia da Libertação expressará também este componente religioso na sua crítica romântica à modernização capitalista latino-americana. Segundo Michael Löwy, entre as principais características da Teologia da Libertação está justamente a articulação desta crítica de cunho ético- religioso com o instrumental marxista de análise social. A sua própria denominação tem inspiração marxista − o termo libertação é buscado na Ideologia Alemã, bem como o sentido que lhe é conferido. Michael Löwy debate a articulação de duas vertentes românticas:

[...] está próxima do tipo romântico-revolucionário. Sua crítica ao capitalismo na América Latina articula a tradição 'anticapitalista romântica' do capitalismo − condenação moral e religiosa da economia mercantilista − com a análise marxista da exploração imperialista. Essa dupla natureza − ao mesmo tempo 'progressista' e antimoderna− encontra-se em todos os níveis da reflexão dos teólogos da libertação.57

Löwy situa, assim, o ideário da Teologia da Libertação no escopo do socialismo utópico-humanista. É preciso ressaltar que a crítica elaborada pelos teólogos da libertação, não se exerce em nome de uma classe (o proletariado), mas em nome de

56SANTOS, Irineia Maria Franco dos. Luta e perspectiva da teologia da libertação: o caso da comunidade São João Batista, Vila Rica, São Paulo: 1980-2000. 2006. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

toda a humanidade ou, mais particularmente, da humanidade-sofredora e dirige-se a todos os “homens de boa vontade”. Os teóricos da Teologia da Libertação compreendiam o marxismo como a ciência da história em desenvolvimento, uma ciência inesgotável, que se alimenta da própria realidade. E, se o marxismo é a ciência da história, a história é a atividade dos seres humanos que se organizam para alcançar seus objetivos.58

No Nordeste do Brasil, desde o início da década de 1970, a CNBB estimulava a sindicalização rural. Naquele contexto, a ação da Igreja Católica tinha como objetivo combater o ideário comunista representado pelas Ligas Camponesas que intensificavam sua ação na Paraíba e, principalmente, na zona da mata de Pernambuco. Como resposta ao movimento iniciado pelos setores mais conservadores da Igreja, a esquerda cristã, representada pela Ação Popular, e o próprio Partido Comunista teriam iniciado também a formação de Sindicatos de Trabalhadores Rurais em áreas onde ainda não havia chegado o Serviço de Orientação Rural de Pernambuco (SORPE), criado pela ala mais conservadora da Igreja para orientar a formação dos sindicatos e sindicalistas rurais.59

A década de 1980 é esse período de intensa “organização do povo”, com a mobilização e trabalho de base no sentido de “conscientizar o povo”. Esta metodologia impulsionada pelos setores progressistas da Igreja Católica, inspirados pela Teologia da Libertação, é marcante também na articulação das lutas pela terra. As reuniões preparatórias para as ocupações e mobilizações públicas são preparadas com antecedência em encontros de base e encontros intermediários:

a organização vem sendo feita através de encontros preparatórios, já realizados nas regionais [da CNBB] do Sul, Norte e Nordeste. Os trabalhadores rurais dos estados do Piauí, Maranhão, Goiás e Rio de Janeiro realizaram encontros estaduais e também estão preparados.60

Aqui destacamos o papel exercido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em torno da luta pela Terra e pela Reforma Agrária. Desde os anos 1980, a CPT incorpora ao calendário da luta social datas e momentos que fortaleceriam a luta como a realização da Romaria da Terra em vários Estados e a celebração do dia do agricultor,

58Ibidem.

59 PERLI, Fernando. Sem terra: de boletim a tabloide, um estudo do Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra entre a solidariedade e a representação (1983-1987). Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2002.

no 25 de julho. Neste momento, a Pastoral da Terra fundamenta sua atuação na opção preferencial pelos pobres, e incidindo concretamente em dois grandes eixos: as denúncias de trabalho escravo e condições de trabalho degradantes e o acompanhamento das lutas pela terra. A atuação da CPT e do Centro Indigenista Missionário (CIMI), na ação pastoral junto aos povos do campo, dá-se em consonância com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A 18ª Assembleia da CNBB, em 1980, no documento “Igreja e problemas da Terra”, afirma:

Nossa ação pastoral, cuidando de não substituir as iniciativas do povo, estimulará a participação consciente e crítica dos trabalhadores nos sindicatos, associações, comissões e outras formas de cooperação para que sejam realmente organismos autônomos e livres, defendendo e os interesses e coordenando as reivindicações de seus membros e de toda a sua classe.61

Há uma grande influência da Igreja, na matriz da Teologia da Libertação, no cotidiano da luta pela terra nesse período. Por exemplo, no acampamento na Encruzilhada Natalino, várias religiosas ficaram acampadas junto às famílias, contribuindo, principalmente, nas primeiras experiências de educação. Por lá, também passavam constantemente padres e bispos que se identificavam com a luta e as causas defendidas pelos trabalhadores expressando seu compromisso ético-moral com os pobres, professado por meio dos postulados da leitura radical da Bíblia, expressa em Cartas Pastorais e na ação das Pastorais Sociais, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e Organismos. Quantos daqueles trabalhadores do acampamento da Encruzilhada Natalino e dos muitos seguintes teriam participado como animadores dos grupos das CEBs? Teriam ocorrido ali seus primeiros contatos com o vocabulário da luta social na preparação da liturgia da palavra de Deus aos pobres, na organização dos encontros movidos pelo espírito de fraternidade e no reconhecimento da força da união como princípio organizativo nas lutas contra as injustiças sociais. Foi ali também que, possivelmente começaria a aflorar seu inconformismo com a miséria e as desigualdades. Foi ali que as leituras das folhinhas de evangelização, os cânticos de libertação, fariam brotar uma reflexão que impulsiona e move: deus não deixou escritura de terra.

Em 1990, o clero progressista do Rio Grande do Sul, diante do cenário de extrema miséria no campo tornou público um documento onde explicitava seu posicionamento frente ao Governo do Estado quanto à questão agrária e afirma como

posição política que “o lugar dos agricultores é na terra e não na periferia das cidades”. No documento, exigiam-se medidas emergenciais como a doação de alimentos e agasalhos, uma definitiva solução para as famílias acampadas em áreas de conflito e um reestudo das áreas devolutas do Rio Grande do Sul.

O Posicionamento das lideranças da Igreja no Rio Grande do Sul sobre os conflitos de terra

Vila Betânia

Porto Alegre, 6 de junho e 1990. Exmo. Sr. Dr. SynvalGuazzeli

MD Governador do Estado do Rio Grande do Sul

Tendo em vista a situação de extrema miséria, tensão e calamidade em que estão os colonos Sem Terra acampados na Fazenda Capela e na Fazenda Boa Vista, do Incra, em Cruz Alta, vimos, por meio desta, insistentemente solicitar:

• Uma imediata e definitiva solução para o reassentamento dos colonos de Capela, oriundos do Rincão do Ivaí, salto do Jacuí aos quais foi prometida uma solução definitiva por parte do Governo do Estado. A situação chegou a um extremo tal, que pode surgir, a qualquer momento, um confronto sangrento, indesejável para todos.

• Uma ajuda imediata em alimentos, agasalhos e medicamentos para os colonos acampados na Fazenda Boa Vista, do INCRA, em Cruz Alta, que estão em situação de extrema miséria. Entendemos que nenhum governante pode considerar-se isento face à atual situação de calamidade, lembrando-se que essa ajuda governamental foi prometida aos colonos e é de premente necessidade.

• Uma urgente negociação com o Governo Federal para a solução definitiva e rápida para ambos os acampamentos, com a concessão de terra como lhes foi prometido reiteradamente.

• Um urgente reestudo da política de Reforma Agrária do Rio Grande do Sul, pois entendemos que o lugar de gaúcho é no Rio Grande do Sul, e o

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